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segunda-feira, dezembro 19, 2011

Literatura paranaense

REGINA CHAVES

INTRODUÇÃO AO ROMANCE PARANAENSE

RESUMO


Este trabalho tem o objetivo de pesquisar dentre a literatura brasileira, obras de autores paranaenses que tenham exposto, em suas narrativas, os conflitos sociais e políticos que permearam o tempo histórico do Conflito do Contestado. A razão desta pesquisa se funda na expectativa de encontrar, na literatura paranaense, autores imbuídos da tarefa de apresentar, à sociedade paranaense, a ideologia política, econômica e cultural que permearam o tempo da formação do Estado do Paraná enquanto se assentaram como precursores do romance paranaense. Para estabelecer um parâmetro temporal de comparação, centramos nossa atenção em duas obras de autores paranaenses: Seara Morta (1925) de Jaime Balão Junior e Casa Verde (2001) de Noel Nascimento. E uma obra de autor catarinense, Aulo Sanford de Vasconcellos com a obra Chica Pelega - a guerreira do Taquaruçu (2000). As três obras possibilitarão vislumbrar olhares diferenciados na construção da ficção entrelaçada da história em tempos diferentes e concepções ideológicas também diferenciadas quando analisados sob a visão dos narradores. Para suporte teórico da pesquisa, escolhemos Jacques Le Goff e a obra História e Memória (1996); Marilda Binder Samways e a obra Introdução à Literatura Paranaense; Maurício Vinhas de Queiroz e a obra Messianismo e conflito social (1977) e Tânia Franco Carvalhal e a obra Literatura Comparada (2006).

PALAVRAS-CHAVE: Romance paranaense, Cultura sul brasileira, jagunço gaúcho, coronelismo, república e monarquia.


SUMÁRIO


INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I 12
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 12
1.1 APARÊNCIAS DO PASSADO E DO PRESENTE: FICÇÃO E REALIDADE NA HISTÓRIA E NA LITERATURA 12
1.2 COMPARAÇÃO: PONDERAÇÃO ENTRE SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS 19
1.3 O CONFLITO DO CONTESTADO: ESTRATÉGIA POLÍTICA QUE LAVOU AS MANCHAS DE QUESTÕES MAL RESOLVIDAS COM O SANGUE SERTANEJO 21
CAPÍTULO II 37
FORMAÇÃO DA LITERATURA PARANAENSE 37
2.1 O DESENVOLVIMENTO DA LITERATURA PARANAENSE A PARTIR DA LITERATURA BRASILEIRA: DISTANCIAMENTO E APROXIMAÇÕES 37
2.2 LITERATURA PARANAENSE: O HOJE E O ONTEM 39
2.2.1 Dario Velloso 44
2.2.2 José Francisco da Rocha Pombo 45
2.2.3 Jaime Balão Junior 47
CAPITULO III 54
A QUESTÃO HISTÓRICA DO CONTESTADO NA ANÁLISE DAS OBRAS SEARA MORTA (1925), CASA VERDE (2001) E CHICA PELEGA: A GUERREIRA DO TAQUARUÇU(2000) 54
3.1 ANÁLISE DA OBRA SEARA MORTA (1925), DE JAIME BALÃO JUNIOR 54
3.2 CHICA PELEGA - A GUERREIRA DO TAQUARUÇU (2000), DE AULO S. DE VASCONCELLOS 76
3.3 ANÁLISE DA OBRA CASA VERDE (2001), DE NOEL NASCIMENTO 83
CONSIDERAÇÕES FINAIS 91
REFERÊNCIAS 94
aNEXO A 97
(Figura nº 1) O mapa do Brasil em 1789 - 98
(Figura nº 2) Mapa de Santa Catarina anterior ao acordo de 1916. 98
(Figura nº 3) Mapa do Paraná do ano de 1912, anterior à disputa do Contestado. 99
(Figura nº 4) As cidades contestadas . 99
(Figura nº5) Cidade de Itaiópolis, antes Lucena. 100
(Figura nº6) Monumento do Contestado em Irani . 100
(Figura nº7) Construção das cabanas terras do Contestado. 101
(Figura nº 8) UNC – Universidade do Contestado 101
ANEXO B 102
A LEI DE TERRAS: Lei nº 601, 18 de Setembro de 1850 . 103
1. A HISTÓRIA SOBRE A INTELIGÊNCIA DO CAMELO 104
2. POPULAÇÂO MASCULINA PARANAENSE USADO COMO CONTINGENTE DO EXÉRCITO FEDERAL NAS PALAVRAS DE AUGUST DE SAINT HILAIRE 106
RESUMO HISTÓRICO DA CIDADE DE ITAIÓPOLIS 107
ANEXO C 108
DIÁRIO DA TARDE DE 05 DE JANEIRO DE 1910 DE CURITIBA 109
DIÁRIO DA TARDE DE 07 DE JANEIRO DE 1910 112
DIÁRIO DA TARDE DE 14 DE JANEIRO DE 1910 114
DIÁRIO DOS CAMPOS – NUM. 1397 115
QUESTÃO DE LIMITES 116
DIÁRIO DOS CAMPOS – NUM. 1399 118

INTRODUÇÃO

Estuda-se, nas universidades do Paraná, uma amplitude de obras e escritores brasileiros e universais. Segue-se o cânone imposto nos currículos acadêmicos, assim como se valora obras e autores que não sejam marginais ao seleto documento literário. Estudam-se alguns escritores paranaenses com o mesmo afinco, porém a lista de nomes e obras que se revezam, no ápice das discussões, não se altera.
Diante deste fato, se reconhece o pouco conhecimento acadêmico a respeito da produção paranaense, haja vista que nem todos os autores e obras se encontram no cânone literário brasileiro e a tarefa de pesquisa pode contribuir para o desestímulo, seja pela dificuldade de se encontrar material de pesquisa, ou ainda, pela desvalorização cultural que tais obras sofrem diante do cânone imposto.
Portanto, o argumento supracitado se transformou em motivo principal para se pesquisar na literatura paranaense, autores que, ao mesmo tempo, exponham, em suas narrativas, os conflitos sociais e políticos que permearam a formação do Estado do Paraná e ensejem a possibilidade de representar o romance paranaense ainda em formação. E, se não encontrá-los com a mesma fama, estilo e estética dos demais escritores brasileiros, espera-se ao menos, encontrá-los com a mesma intensidade de indagação.
Frente a esta perspectiva, o alvo a ser perseguido são as produções denominadas novelas paranaenses, das quais surgem nomes como, por exemplo, Dario Velloso, Francisco da Rocha Pombo e Jaime Balão Junior. Como parâmetro, esta pesquisa concentra-se no conflito social do Contestado, movimento que ocorreu entre os estados de Paraná e Santa Catarina e teve seu clímax entre 1912 e 1916. A obra Seara Morta de Jaime Balão Junior, publicada em 1925 permitirá reflexões acerca do contexto histórico-político que apontam a sociedade paranaense para além da cidade de Curitiba numa visão que esboça as raízes culturais do sul do Brasil e os conflitos que permearam a formação da sociedade sul brasileira afastada dos grandes centros culturais.
O apoio, para que este estudo se inicie, são as palavras de Marilene Weinhardt que ressalta a necessidade de “se vasculhar a cultura provinciana” contida em obras literárias, sem negar a importância das obras do cânone literário universal ou brasileiro “avaliando o significado e o papel da história de uma cultura”, afinal a busca por conhecimento da própria cultura é a atitude primeira de se pertencer a uma sociedade.
O trabalho será exposto em três capítulos compostos de tal forma a trazer o resultado da investigação bibliográfica, processo pelo qual se trará os estudos da história da literatura paranaense, far-se-á a análise da obra Seara morta (1925) de Jaime Balão Junior que relembrará o evento histórico que permeia a produção do autor, assim como as obras que servem de base comparativa.
O primeiro capítulo, intitulado, “Aparências do passado e do presente: Ficção e realidade na história e na literatura”, apresentará a proposta teórica de Jacques Le Goff (1996) e a obra História e Memória que nos permitirá compreender a função da memória ao relatar a história. Em segundo lugar, a obra de Tânia Franco Carvalhal (2006), intitulada Literatura Comparada, trará as ferramentas necessárias para analisar o Conflito do Contestado trabalhado por três autores diferentes, em três diferentes épocas e cuja visão, abordada de diferentes pontos, produzem, também, sentidos diversos. E, finalmente, a contribuição histórica será fornecida pela obra de Maurício Vinhas de Queiroz (1977) intitulada Messianismo e conflito social: a guerra sertaneja do Contestado - 1912-1916. Obra que possibilitará o entendimento do contexto histórico retratado em Seara Morta (1925) de Jaime Balão Junior.
O segundo capítulo, com o título, “Breve histórico da formação da literatura paranaense”, apontará para autores que se propuseram a discutir a literatura no Paraná. Para esse momento, a pesquisa se baseará na obra Introdução à literatura paranaense de Marilda Binder Samways (1988) por meio da qual será traçado breve paralelo das aproximações e distanciamentos entre a literatura brasileira e a literatura paranaense na tentativa de entender a complexidade e a dificuldade de se estabelecer a divisão dos movimentos literários no Paraná frente à produção brasileira. Assim, como, da mesma forma, ocorreu com movimentos literários brasileiros frente às produções europeias. O estudo trará, por meio de outras vozes e um conjunto de dissertações, teses, artigos, sites e blogs publicados como, por exemplo, de Regina Elena Saboia Iorio (2003); de Lilian Deise de Andrade Guinski (2004); de Marilene Weinhardt (1998), para construir as considerações sobre a literatura e a história da literatura paranaense.
No terceiro capítulo, analisar-se-á a obra Seara Morta (1925), de Jaime Balão Junior, finalizando com as relações de semelhanças ou diferenças entre a Seara Morta e as obras Chica Pelega: a guerreira do Taquaruçu (2000), de Aulo Sanford de Vasconcellos e Casa Verde (2001), de Noel Nascimento. A análise estará focada em Seara Morta, por retratar as paisagens e a cultura paranaense representativas da época em que ocorreu o conflito de limites entre os Estados do Paraná e Santa Catarina. As duas outras obras servirão como polo comparativo, visto que a produção das mesmas teve o suporte dos relatórios históricos para sua produção, enquanto em Seara Morta, o elemento de cunho histórico é construído a partir da experiência do autor e, da transposição dessa experiência, uma década depois da ocorrência do Conflito do Contestado. A comparação entre as obras ressaltará a importância da história e da literatura quando estas se entrelaçam para narrar um evento em épocas diferentes, permitindo a plasticidade da história como cenário para se elevar um herói ou uma heroína, enquanto a plasticidade literária mescla ficção e história sob a égide do autor.


CAPÍTULO I

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 APARÊNCIAS DO PASSADO E DO PRESENTE: FICÇÃO E REALIDADE NA HISTÓRIA E NA LITERATURA

Jaques Le Goff (1996), para explicar as divergências entre o que se estabelece como história e verdade, história e necessidade ou ainda história-ideologia, remonta aspectos em que elementos históricos foram manipulados em prol da subsistência de uma sociedade em diversas etapas da história da humanidade. Discursa sobre a teoria de Le Goff, a mestra Elizabete Arcalá Sibin, afirmando que:
Para que seja possível compreender melhor a crise que a história vem sofrendo desde o século XIX e como essa área de conhecimento vem se empenhando para tornar-se mais técnica e científica, é preciso, antes de mais nada, perceber que existem relações fundamentais a serem respeitadas no tratamento com o texto histórico .
Tal como citado por SIBIN (2001), embasado em Jacques Le Goff (1996), para entender e explicar as reações humanas diante dos fatos e do discurso que se sobressai após os acontecimentos históricos, precisa-se de elementos que possam apresentar um resultado mais próximo possível do real, conforme cita o autor Jacques Le Goff, ao trazer as palavras de Mozaré, às vezes, há de se:
procurar para além da geopolítica, do comércio, das artes e da própria ciência, aquilo que justifica a atitude de obscura certeza dos homens que se unem, arrastados pelo enorme fluxo do progresso que os especifica, opondo-os. Sente-se que esta solidariedade está ligada à existência implícita que cada um experimenta em si, duma certa função comum a todos. Chamamos a esta função, historicidade.
Uma história, em síntese, é narrativa que pode conter inverdades e/ou verdades, dependendo da função que a história desencadeará dentro ou fora de uma sociedade . Comparando a produção histórica como uma narração que se distancia no tempo, no espaço e do evento em si, e, à medida que outras vozes se interpõem a contá-la, abre-se ante a possibilidade de sofrer deformações.
A história, por si, já reflete uma perspectiva de indagação sobre o passado, portanto, ao analisá-la, o historiador traz para a narrativa, a complexa visualização espaço temporal, cujo resultado pode exprimir juízos de valor diferentes dos valores que foram executados sob a história. Portanto, não se deve aceitá-la como verdade absoluta, haja vista que não se sabe e nem se pode explorar a exatidão de presente que envolveu a composição histórica, pois a própria história oferece campo para que o pensamento do historiador e, o seu julgamento, se interponha para moldá-la.
Para LE GOFF (1996), a diferença entre presenciar o evento histórico e escrever sobre ele permite a possibilidade de se mesclar a história ao conceito ideológico ou político que se insere como instrumento no ato da narrativa.
Se a história pode não evidenciar a verdade, ou pelo menos, apresentar graus de inverdades, então, precisa-se de parcimônia para inferir sobre a história. Entendemos, por exemplo, que a história nasce a partir da narrativa feita por um narrador que presenciou um fato, quando, na verdade, podemos estar diante de uma produção cujas alterações dependeram do número de locutores que a produziram até a escrita. Para Le Goff (1996), o cuidado em se historicizar um evento a partir de uma narrativa, exige cunho científico que estude ou qualifique o ato narrativo. Ao citar Lefebvre, o autor faz um estudo comparativo entre história/ciência e história/realidade e conclui que “precisamos do tempo [...] e da testemunha que vê e que sabe [...] o presente do passado” , justamente porque a história poderá não apresentar apenas um sentido, mas “duplo ou triplo sentido” , exatamente pela ideologia política, econômica ou religiosa que envolve o narrador ao produzir a história.
Não se entende as convenções sociais ou ideológicas como um estigma negativo diante da construção de uma sociedade, ao contrário, pois ambas surgem quando a humanidade tende a implantar métodos ou sistemas para resolver problemas que emergem exigindo mudanças, mais comumente chamadas de progresso. Nessa linha de pensamento, Le Goff (1996) analisa as mudanças ocorridas na humanidade, porém, ressalta a necessidade de se “lutar contra confusões grosseiras e mistificadoras” , quando se trata da história sobre as mudanças recontadas conforme a ideologia de um momento diferente das circunstâncias em que a história ocorreu.
Nessa complexa articulação, torna-se impossível perceber as forças antagônicas ou coexistentes que haviam por detrás da história quando o historiador não permite que se analisem os elementos inerentes ao evento. Forças que serão visíveis após determinado tempo e cuja retomada esteja baseada na cientificidade, permitindo, desta forma, “a dualidade da história-realidade e história-estudo” .
Le Goff (1996) classifica a história em duas vertentes. A primeira, a produzida pela “memória coletiva” , que ele considera como “deformada, anacrônica” e, cuja relação entre presente e passado “nunca se define”. E, a segunda, a história científica, produzida, ou ainda, interpretada pelos historiadores posicionando-se como interventora da memória coletiva na retificação das subversões possíveis.
Sob esse aspecto, o autor nos permite refletir sobre as tendências ideológicas e como, em alguns momentos, esse reger do pensamento ultrapassou a medida do ideal, quando se permitiu desconstruir a própria teoria de suprir as necessidades evolutivas de uma sociedade, construindo a si mesma como falha causadora de transgressões. Assim como nos permite observar a incapacidade da memória humana em se manter fiel à história quando a visão humana ideologizada ou não, assume o risco na tentativa de (re)produzir o mesmo arquétipo já condenado pela sociedade. E, por outro lado, os estímulos ideológicos usados na tentativa de sanar ou transformar concepções comprovadamente negativas.
As mudanças ideológicas determinadas pelo agir político ou econômico e denominadas de progresso, trazem como essência o uso da razão como instrumento de mobilização de uma sociedade rumo ao futuro. Baseando-se nos apontamentos de escritores como Saint Pierre, Montesquieu, Louis Althusser e Voltaire, Jacques Le Goff (1996) traça uma linha evolutiva na concepção de que a “historiografia crítica deve prestar à história o mesmo serviço que as matemáticas às ciências da natureza. Deve libertar a história do reino das causas finais e fazê-la retornar às causas empíricas reais” , pois, segundo a teoria de Voltarie:
A análise psicológica determina em definitivo o sentido verdadeiro da ideia de progresso; funda-a e justifica-a mostrando ao mesmo tempo seus limites e mantendo dentro deles a sua aplicação. Mostra ainda que a humanidade não poderia ultrapassar os limites de sua natureza e que essa natureza, todavia, não é dada de uma vez por todas, devendo, ao contrário, ser elaborada pouco a pouco e imposta continuamente através dos obstáculos e das resistências .
A razão, como instrumento da civilidade, no parecer do autor, nem sempre apresenta seus objetivos claramente, ao contrário, age de modo dissimulador “por detrás da multidão” para minar os “obstáculos” ou “resistências”, mas sucumbe ao peso dos preconceitos, permitindo que o progresso se determine, não pelo uso da razão primeira, mas pela “revelação empírico-objetiva” que se desenvolve pela exteriorização de uma ideia.
O progresso como conceito de mudança que surgiu a partir da “Idade das Luzes”, e, que “comanda a representação do tempo, da sucessão dos séculos que culmina com um tal futuro” sem guerras, sem superstições, munindo a sociedade com as ciências e as técnicas, necessárias para garantia de um futuro “feliz”, evoluiu para o lema da liberdade de comércio e a solidariedade econômica. Porém, como salienta o autor, à ideia de progresso agrega-se também a tendência à reação. A ideia de reação surgiu como “contra-ideologia” , haja vista que uma sociedade é formada de partes que se posicionam favoráveis e/ou desfavoráveis às tais mudanças. Quando desfavoráveis às mudanças uma parte da sociedade aciona a contra-ideologia para se defender das transformações, visualizando-as como negativas. Essa resistência gera a decadência ou, como o próprio autor menciona: o “desprezo do mundo” ou desprezo aos sistemas que regem uma determinada sociedade, numa determinada época.
Portanto, para o autor, a “crise” ou “decadência” se estabelece quando parte significativa da sociedade contraria o processo de mudança imposto. Fato, que determina, não a “morte natural, mas o “assassinato” de uma sociedade ou de uma cultura, por exemplo, como citado por Le Goff (1996), a ruína da cultura romana ocasionada por causas “internas mais que pelas causas externas” .
Revisando na prática, a teoria de progresso tem peso entre vida e morte de um sistema, por exemplo, quando o autor cita a afirmação de Políbio dizendo que “a verdade é que todo Estado pode morrer de duas maneiras: uma é a ruína que lhe vem do exterior; a outra, oposta, é da crise interna. A primeira é de difícil previsão e a segunda é determinada no interior” . Por exemplo, quando cita Gibbon exemplificando o termo “crise” para re-denominar e criticar “a ideia de decadência”, o autor enfatiza que a decadência de uma sociedade “é infinitamente manipulável para fins ideológicos, fugindo a todo e qualquer controle” fomentados pelos “critério político, critério cultural e o critério moral” , já que os critérios econômicos, segundo Le Goff (1996), se destacaram a partir do século XX e, necessariamente, não podia ser analisado como um elemento controlador. Embora, o sistema econômico, certamente coexistisse desde os primórdios, como a principal causa dos conflitos que substanciam a derrocada ou o enaltecimento das sociedades.
Outro ponto ponderado pelo autor, a respeito das mudanças que ocorrem numa sociedade, situa-se no desequilíbrio interno entre os grupos de faixa etária ou gêneros diferentes para a uniformidade de compreensão e acolhida de tais mudanças. Mencionando Jacques Ruffié, o autor avalia que:
[...] os meios de integração social não seguiram o progresso da ciência e a humanidade permanece, atualmente, gravemente desequilibrada por falta de integração. Existem grupos a que se pode chamar marginais (estrangeiros, mulheres, velhos, jovens, deficientes), que não ocupam lugar normal no seio da comunidade. Tal situação gera tensões, por vezes muito graves. Ao mesmo tempo, as estruturas tradicionais (família, escola, igreja, pátria) revelam-se insuficientes ou ineficazes .
Voltando às considerações sobre história/estudo, história/ciência e o termo decadência, o autor critica o termo decadência, excetuando quando o termo envolveu a produção dos poemas simbolistas, como designação negativa e metafórica que atingiu o campo da linguagem, embora pertencente a certos tipos de história, cuja argumentação indexadora, a serviço de uma história oposta à ciência histórica, aponta a ocorrência como possibilidade de fraude à serviço de uma ideologia, que talvez:
[...] esteja ao serviço de certos tipos de história, hoje profundamente desacreditados: a história política, a história linear ou cíclica, a história catastrófica, e mesmo uma concepção de história que implique uma noção de civilização demasiado vaga e pobre, em relação aos conceitos de “sociedade global” ou de “formação histórica” .
E acrescenta que “à ideia de decadência somos tentados a opor à ideia nova de continuidade” , haja vista a ocupação ideológica dos outros campos das ciências sociais e econômicas. Porém, essa conclusão só é possível dado o distanciamento que permite aos estudiosos da ciência histórica formar juízos contrários ou favoráveis aos modos como se deve narrá-la ou entendê-la, a partir do momento em que se possa refletir sobre a ideologia atuante no presente do evento. Para o historiador científico, o trabalho deve desenvolver-se sob o signo da impessoalidade e o resultado obtido, levantado como exemplificador de retrocesso ou progresso da civilidade, pois, segundo Jacques Le Goff (1996), “os juízos históricos são intersubjetivamente compreensíveis” por meio “dialógico” entre “presente-passado” acrescentando-se “o horizonte do futuro” .
Avançando a ideia de presente e passado, entendidos a partir de documentos ou monumentos, Le Goff (1996) questionou sobre como analisar a história presente nos textos, visto que “não há história sem documentos”. E que, nem todos os documentos e monumentos relegados à posteridade têm a preocupação de disseminar a verdade. Muitas vezes, o historiador precisa ter sentido apurado para determinar a autenticidade do documento histórico, já que o “documento é composto de elementos que funcionam como um inconsciente cultural”, não sendo, portanto, uma produção “inócua”. E provavelmente sejam “o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época e da sociedade que o produziram”.
História e Literatura eram consideradas áreas distintas, porém como afirma SIBIN (2001) citando Linda Hutcheon, a partir do início do século XX, “literatura e história eram vistas como pertencentes à mesma área de conhecimento, visto que ambas objetivavam interpretar experiências de vida e fornecer orientação aos indivíduos” . Como arte, a literatura utiliza-se do cenário da história para construção da narrativa ficcional. E assim, entrelaçadas, são estudados os romances históricos a partir do século XX.
Ao seguirmos os apontamentos de Le Goff (1996), quanto à importância documental para analisar a história e, podendo visualizar a história por meio de obras literárias, a tenacidade empregada para ambas, deve ter o mesmo peso e medida. Quer dizer, presume-se que a história construída cientificamente utiliza-se o mais próximo possível da verdade, pois, para Le Goff, “o melhor historiador é aquele que se mantém o mais próximo possível dos textos” . Da mesma forma, para o romance histórico, quanto mais verossímil se apresentar, maior a chance de se tornar ícone de uma cultura ou de um tempo, já que, tanto a história quanto a literatura descrevem minúcias avaliáveis no futuro. Os detalhes a serem analisados surgem nas:
[...] palavras. Signos. Paisagens e telhas. Com as formas do campo e das ervas daninhas. Com os eclipses da lua e a atrelagem dos cavalos de tiro, com as análises de pedras feitos pelos geólogos e com a análise de metais feito pelos químicos. Numa palavra, com tudo o que, pertence ao homem, depende do homem, serve ao homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem .
Na literatura, encontramos pistas, frinchas nas quais podemos observar uma paisagem, um costume ou uma atividade que exprima o modo de viver e agir do homem, naquele recorte tempo/espacial. A análise literária absorve, compara e reflete sobre os detalhes expostos na obra e a intenção do autor ao fazê-lo, pois o texto “exprime o ambiente que o produziu, monopolizando um instrumento cultural”.
Portanto, com as palavras de Le Goff (1996), seguiremos a dualidade de olhar para o passado, visando o presente do passado refletido sobre o contexto político social, presentes no tempo em que ocorreu o conflito do Contestado. Objetivo deste estudo, cujas obras serão analisadas comparativamente conforme sugere Tânia Franco Carvalhal, teoria exposta no próximo subtítulo.

1.2 COMPARAÇÃO: PONDERAÇÃO ENTRE SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS

Comparar é um ato que Tânia Franco Carvalhal analisa como positivo e natural, porque “é um procedimento que faz parte da estrutura de pensamento do homem e da organização da cultura, por isso, valer-se da comparação é hábito generalizado em diferentes áreas do saber” . Portanto, um confronto entre obras literárias, de mesmo tema, não precisa necessariamente “fundamentar juízos de valor” ou “tomar ares de método”, mas assumir a responsabilidade de buscar por similaridades e diferenças que possam se traduzir em conhecimento sobre os autores. Desta forma, o estudo analítico e histórico tem como objetivo considerar aspectos sociopolíticos e culturais, revelando-se “um meio e não um fim”. A autora, ao explorar a história da literatura comparada, encontra na França o conceito de literatura como "um conjunto de obras aceito sem discussão desde o seu aparecimento" e, que a técnica de comparar favoreceu a noção de valor relativo das produções literárias, quando estas obras alcançam importância no meio crítico e literário, defendendo, desta forma:
[...] a ruptura com as concepções estáticas e com os juízos formulados em nome de valores reputados intemporais e intocáveis, preconizada pelo historicismo dominante. A difusão da literatura comparada coincide, portanto, com o abandono do predomínio do chamado "gosto clássico" que cede diante da noção de relatividade.
Diante da conceituação de que o movimento literário nasce a partir de um conjunto de valores e características impregnados em obras de vários autores, não se percebe, por parte da autora, a imposição para que o artista ou autor produza a partir de moldes pré-estabelecidos, ao contrário, mais adiante ela conclui que não existe uma receita prévia para se impregnar uma obra de cultura e beleza a partir dos moldes já existentes. Cada nova leitura ou nova produção carregará em si as diferenças ou características inerentes ao tempo de sua produção. A autora descreve a tendência negativa de associar a produção literária brasileira por meio dos moldes europeus, cuja comparação causa choque entre a cultura e produção literária, com base nas palavras de Brito Broca que diz:
Mas isso, como sabemos, não é apenas um fato literário, mas cultural. Se abrirmos o livro de Brito Broca, A vida literária no Brasil — 1900, veremos como ele descreve a situação brasileira do início do século: Auferir da existência tudo o quanto ela nos poderia dar de belo e de bom, era uma receita que então só se aviava no bulevar... O chique era mesmo ignorar o Brasil e delirar por Paris .
A tentativa de se equiparar e não de comparar, inevitavelmente descairá para mediação entre superioridade e inferioridade, haja vista a diferença cultural e o meio social das quais ambas as obras foram produzidas. Justamente por seguir a receita cultural europeia, que a crítica literária teve dificuldades em analisar a produção literária brasileira como formuladora da própria cultura.
Portanto, a aceitação da capacidade de ser influenciado e, ao mesmo tempo, construir uma identidade, advém da possibilidade de comparar, assimilar e (re)produzir a partir de interpretações que, indubitavelmente modificará o significado primeiro. Conforme cita a autora:
[é] E nessa confrontação, aparentemente absurda, tudo começa a ganhar sentido: os textos são na aparência iguais, mas a face invisível deles, a que se revela pelo deslocamento temporal efetuado (o texto de Cervantes reaparece idêntico três séculos depois), modifica integralmente o significado. A re-produção de Menard logra outros sentidos interpretativos, graças ao novo contexto em que ela é relançada. O deslocamento no tempo e no espaço resulta, portanto, benéfico. Ao copiar o Dom Quixote, Menard o reconstrói. Sob a pena de um autor deste século, as idéias de Cervantes surgem com nova roupagem; ganham interpretações renovadoras, que somente um leitor do século XX lhes poderia dar. Cobre as palavras, agora, uma capa de ambiguidades, de duplos sentidos, que as enriquecem .
Refletindo sobre essas palavras, enquanto tentamos entender a teoria na prática, rememoramos às críticas feitas aos autores brasileiros, por exemplo, acusados de escrever por imposições de ordem política ou como atividade elitista, ou, ainda, sob a égide da influência europeia. Quer sejam essas críticas infundadas ou com base de fundamentação, elas se tornaram obsoletas, haja vista que a história literária brasileira foi construída independente da crítica. Portanto, nenhuma obra deve ser desmerecida, principalmente, quando a relação entre elas está além dos limites superficiais da escrita, da forma ou da norma, abrangendo áreas distintas como da história ou, ainda, seja construída mesclada por ideias e leituras, cujas influências determinarão seu próprio eixo.
Bloom não distingue entre história da poesia e influências poéticas, pois, para ele, os grandes poetas fizeram essa história deslendo outros, de maneira a criar espaço imaginativo para si próprios. Para o autor, a relação dos grandes poetas entre si é conflituada: trava-se entre eles uma verdadeira luta de Édipo e Laio, entre filho e pai, num processo continuado de apropriações.
Apropriar-se é desconstruir uma obra, a partir da “desleitura”, da qual resultará uma nova e continuada construção. Parece paradoxal, mas a ideia de luta mitológica, abordada por Bloom explica de uma forma diferente que a apropriação se define na intenção de não devolução.
A partir das reflexões de Tânia Franco Carvalhal, percebe-se a possibilidade de confrontar três obras literárias com o mesmo tema sobre o Contestado sem prejuízo de desvalorizá-las. A importância de tais obras está vinculada ao modo, meio e tempo de produção. A visualização como cada proposta foi diferenciada e que sentidos diferentes puderam produzir.

1.3 O CONFLITO DO CONTESTADO: ESTRATÉGIA POLÍTICA QUE LAVOU AS MANCHAS DE QUESTÕES MAL RESOLVIDAS COM O SANGUE SERTANEJO

Não se compreende a obra de Jaime Balão Junior, se antes não se conhecer a história sobre A Guerra do Contestado. Por isso, uma breve explanação histórica será feita, embasada nas obras de Maurício Vinhas de Queiroz (1977), Demerval Peixoto (1995), August de Saint Hilaire (1820), discorrendo sobre a história.
Contestado foi como se denominou a área que correspondem aos atuais municípios de Palmas, União da Vitória (que depois do conflito se dividiu em União da Vitória, cidade paranaense e Porto União, cidade catarinense), Canoinhas, Mafra (da qual faz parte a cidade de Itaiópolis, antiga Lucena, e Rio Negro), Caçador, Fraiburgo, Videira, Curitibanos, Campos Novos, Irani, General Carneiro, Matos Costa, Três Barras, Lebon Régis, São Cristóvão do Sul e Timbó Grande.
Este evento histórico rendeu importantes trabalhos de pesquisas nas últimas décadas e lembrará seu centenário em 2012. O Conflito do Contestado permeia a história da formação do Estado do Paraná e de Santa Catarina, portanto, o tema é tratado e explorado com a importância devida: há uma universidade com seus respectivos campus em diversas localidades da região catarinense - UNC ; um museu em honra ao Contestado. Em Irani, cidade palco de uma das batalhas, ergueu-se um monumento para lembrar o episódio.
Conforme apontamentos feitos por Maurício Vinhas de Queiroz, que estudou o fanatismo presente no Contestado, o tempo entre 1912 a 1916 marca o apogeu do conflito entre fanáticos e tropas legais que, em síntese, não deveria estar associado ao conflito sobre limites de terras. A questão de limites teria iniciado décadas antes, desde que o município de Lages passa a pertencer à Santa Catarina.
O acordo para estabelecer os limites definitivos entre os dois Estados somente foi assinado em 1916 com a participação dos governadores: Afonso Camargo, do Paraná e Felipe Schimidt, de Santa Catarina e do presidente da República, Wenceslau Brás.
O Estado de Santa Catarina, logo que o Paraná é desmembrado da Província de São Paulo (1853), questiona também, a posse do restante das terras até a Argentina, até então, pertencentes à província de São Paulo e, cujos limites, se estendiam até a fronteira com o Rio Grande do Sul. O Paraná, embora vinculado à Província de São Paulo, exercia naquelas áreas o domínio político econômico, por meio de postos de arrecadação de impostos, serrarias e indústrias de mate. A cobrança de impostos era feito desde a Constituição de 1891, quando a República deu autonomia econômica às Províncias e Vilas. Portanto, o embate, entre tropas e fanáticos, deveria ter apenas cunho de manutenção das áreas de exploração econômica, reivindicadas pelos fazendeiros locais que reclamavam da invasão de posseiros, mas, que se somou ao extremismo imposto pelo coronelismo sulista aos grupos de sertanejos que perambulavam pelas terras do sul.
Fato que ocorreu depois que a ferrovia SP/RS foi repassada para Empresa norte-americana, a Brasil Railway e as terras ao lado da ferrovia foi repassada para a sua subsidiada Southern Brazil Lumber and Colonization Company em 1906. A referida empresa montou seu escritório dentro da área contestada em 1907 e começou a trabalhar em 1908. Tendo terminado a construção, em 17 de dezembro de 1910, depois de exatos dois anos. O administrador da companhia, Percival Farquhar, não cumpriu a promessa de devolver os trabalhadores às respectivas cidades. Esses trabalhadores engrossaram o contingente de pequenos fazendeiros expulsos de suas terras, devido à desapropriação para a construção da estrada de ferro. Para complicar, já tão sensível território, políticos paranaenses e catarinenses facilitavam à especulação das terras para serem vendidas aos estrangeiros, usando sua influência política para comprar ou regularizar terras tomadas de pequenos fazendeiros. Essas negociatas de compras de “largos pedaços de terras por preços irrisórios, eram chamadas bendengós” .
Portanto, o contingente sentindo-se roubado e explorado resolveu invadir postos da Companhia Railway, queimar serrarias da Lumber, enquanto mais e mais famílias se juntavam ao grupo denominado de fanáticos. O grupo foi assim denominado porque eram liderados por um monge que pregavam o fim do mundo e o restabelecimento de uma monarquia celestial ali, nas terras do contestado. Não houve apenas um monge, mas foram três lideres que perambularam pelo Sul do Brasil.
Porém, antes de chegarmos até os monges é justo que se diga que muito antes da data em que empresas americanas chegassem ao Sul do Brasil, os monges lideraram uma turba de fanáticos, em 1897. Uma guarnição do Rio Grande do Sul e uma guarnição do coronel Vidal de Oliveira Ramos, de Santa Catarina silenciaram uma turba, que segundo Vinhas de Queiroz, denominou-se “Canudinhos de Lages” .
A questão de limites, entre Paraná e Santa Catarina, fomentou os sertanejos que “eram recrutados e dispensados, armados e desarmados nos bandos rivais. Mas sempre aprendiam algo que mais tarde souberam aproveitar” . O discurso histórico, que se propagou sobre a reunião dos sertanejos, era que tais grupos aliados aos abandonados pela empresa americana se instalaram na mata com a pretensão de instaurar a monarquia celestial e construírem uma cidade santa. Este evento ocorreu, segundo o autor:
Próximo à casa de Chico Ventura havia uma igreja de madeira. Em torno desta cresceu em poucos dias um arraial com casas improvisadas de ranchões de pinheiros, suas ruelas de barro e lama; passaram a chamar ao vilarejo de cidade santa. Uma semana depois, calculava-se já se encontrarem concentradas trezentas pessoas, entre homens, mulheres e crianças, e o número aumentava dia para dia. Famílias inteiras continuavam a chegar da Serra de São Sebastião, de Tamanduá e do Timbó, de vários pontos dos municípios de Curitibanos e Campos Novos e até Canoinhas e do Irani .
As palavras de Maurício Vinhas de Queiroz compõem uma imagem de um movimento de pessoas em torno de um objetivo, cuja decisão se tomou de um dia para o outro, reunindo pessoas de diversos lugares para ocupação de uma determinada área. Os homens reunidos foram definidos pelo autor como:
jaguncismo reuniam, sob a bandeira com a cruz verde no centro, homens de todas as classes e condições sociais daquela vasta área, exceto apenas a camada superior dominante, dos maiores proprietários rurais .
Jagunços eram leais capangas de grandes proprietários rurais e se infiltraram nos sertões se juntando ao fazendeiro espoliado e ao empregado abandonado pela Empresa americana. Depois da morte do primeiro monge passaram a seguir outros possíveis monges até elegerem “Taquaruçu como a cidade santa, lugar no qual o monge ressurgiria dos mortos” . Luis Roberto Soares, ao prefaciar o livro de Demerval Peixoto, relata que “o contencioso entre Paraná e Santa Catarina começa com [...] a fundação de Lages em 1766” , pelo então governador de São Paulo, Luis Antonio de Sousa Botelho de Mourão. E mais, que a fundação já objetivava a proteção da região contra as investidas espanholas, conforme citado na história de Santa Catarina:
Entre os tropeiros que, constantemente, através do "caminho do sul", demandavam aos campos de Viamão, em terras rio-grandenses, encontrava-se Antônio Correa Pinto, encarregado em 1766 de fundar uma povoação no sertão de Curitiba, num local que servia de paragem, chamada Lages. A determinação era de que a futura Vila deveria chamar-se Vila Nova dos Prazeres. Como argumento, dizia que havia a necessidade de proteção dos habitantes da região, mas também previa o desenvolvimento da agricultura e pecuária local e também como elemento estratégico, contra as investidas dos espanhóis .
A data de 1766, como data do inicio do contencioso entre Paraná e Santa Catarina é confirmada pela história postada no site do Estado de Santa Catarina, mas difere, por exemplo, do que atestou o historiador August de Saint Hilaire, quando viajou pelo Brasil em 1820. O historiador e geógrafo deixou registros importantes sobre sua estada nas terras do Paraná e Santa Catarina e confirma que:
[...] a comarca de Curitiba é limitada ao norte pelo rio itararé, ao sul pelas províncias de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, a leste pelo oceano e também pela província de Santa Catarina; a oeste os seus limites não parecem estabelecidos com exatidão, estendendo-se deste lado, vastas regiões despovoadas. No começo de 1820, a comarca compreendia, além de sua sede, as cidades de Guaratuba, Paranaguá, Antonina, Cananéia, Iguape, Lages, Castro, e Vila Nova do Príncipe ou Lapa, no planalto. No final deste mesmo ano Lages foi anexada à província de SC. .
Em síntese, Santa Catarina solicitava uma extensão de terras, da qual pudesse angariar as taxas de impostos sobre produtos, serviços, indústrias e profissões, que a República propiciou aos Estados desde 1881. As áreas solicitadas eram ricas no extrato de produtos exportados para a região do Prata como, por exemplo, o chá, a madeira, o charque e o gado. Portanto, a área Serra Acima, assim denominado toda área acima do litoral catarinense e depois da Serra do Mar, era campo explorado tanto por paranaenses, quanto por catarinenses. Ambos, os Estados eram importantes troncos de distribuição dos produtos, Santa Catarina, como tronco de entrada e saída das frotas portuguesa e espanhola, e Paraná, como caminho das tropas para Sorocaba.
A indefinição na delimitação do território entre os dois Estados por parte do governo Federal se revela como o fogo que acenderá o estopim. A demora em definir os limites esbarra nas trocas de presidentes que chegam ao Catete .
A rivalidade partidária era outro entrave na política brasileira naquele tempo, pois os partidos políticos representavam seu Estado e o mais influente elegia o presidente, por exemplo, Nilo Peçanha era do PRF, Partido Republicano Fluminense; Wenceslau Brás era do PRM, Partido Republicano Mineiro. Nesse meio tempo, enquanto o acordo não saía, os políticos dos dois Estados usavam de subterfúgios para pressionar política e psicologicamente um ao outro, usando da força jagunça, assim como da mobilização de toda agente aliada a eles para invadir ou intimidar o outro Estado. E para comprovar tal suspeita, assim como para comprovar o descaso político, encontramos artigos no Jornal Diário da Tarde de Curitiba, dos dias 05, 07,08 e 14 de janeiro de 1910, revelando o ambiente político no qual as estratégias politiqueiras envolviam-se sob o véu do Contestado .
O Conflito do Contestado se revelou de grandes proporções, quando hoje se reconhece a mortandade das gentes sertanejas de um lado e, por outro lado, o contingente militar e a artilharia pesada usada pelo governo. Enquanto os governos estatais poderiam ser os possíveis provocadores da revolta, agem ao contrário, como se fossem os prejudicados e se unem: governos estaduais do PR e SC, governo federal e os grandes fazendeiros, contra um grupo de sertanejos que já havia sido humilhado e escorraçado pelo coronelismo e pela empresa construtora da ferrovia.
Enquanto isso, o discurso contínuo era de que os fanáticos tentavam a criação de uma cidade santa nas terras “de ninguém” . Ou como o governo as denominava ao entregá-las à empresa norte-americana: “terras devolutas” , cujo significado passara de terras de sesmarias que, ao término de cinco anos de improdutividade, deveria voltar à coroa portuguesa, para terras sem proprietários ou patrimônio público.
Mas, então, como entender o envolvimento dos sertanejos embalados por uma religião apocalíptica que pregava a ressurreição do monge João Maria, que às vezes, confundidos no próprio fanatismo, com D. Sebastião, rei de Portugal morto em expedição à África, que por sua vez era confundido com S. Sebastião, o santo católico num conflito sobre limites estatais?
Antes, se deve investigar a história e entender quem eram os monges que se teima em responsabilizá-los pelo ocorrido e por que, apenas eles, carregaram o estigma de fanáticos e revoltosos. De acordo com o autor, Maurício Vinhas de Queiroz, existiram três monges importantes que perambulavam desde São Paulo, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Porém, o mais importante sobre eles é expor antes, que o sertão do Brasil tornou-se o ambiente fecundante de figuras místicas, figuras “que se escondiam no âmago da floresta” e eram “curandeiros, benzedores, mandraqueiras, entendidos, puxadores de reza, adivinhos, penitentes, capelães leigos” . Todos tinham como propósito aliviar as dores da alma e do espírito sertanejo oferecendo-lhes alguma esperança metafísica já que fisicamente estavam à mercê do infortúnio. Esses líderes místicos exerciam autoridade sobre seus adeptos, por serem considerados munidos de poderes sobrenaturais. Esse dom despertava nas gentes uma profunda reverência e respeito à pessoa do líder que agia, como autoridade eleita, determinando os usos e costumes dos grupos que comandava.
Maria Isaura Pereira de Queiroz, citando Max Weber em sua obra O messianismo no Brasil e no mundo (1965), analisando as diversas formas de religiosidade praticada pela humanidade desde seus primórdios, afirmando o reaparecimento do fanatismo sempre que determinado grupo “se sent[e]ia insatisfeito com as condições habituais de existência”, desejando, desta forma, um paliativo para a realidade calcado na esperança de um “reino ideal” .
Analisando sob a perspectiva de uma liderança religiosa comandando um grupo sertanejo para uma terra ideal, percebe-se que o movimento dos fanáticos do sertão do Sul do Brasil, em nada se diferenciaria dos demais movimentos messiânicos que ocorreram, por exemplo, em Canudos, se intrínsecos a ele não coabitassem outros fatores subversivos aliados, principalmente, à política separatista e à manipulação da fé religiosa, para agir como força repressora entre os Estados.
Retomando a história dos monges, foram eles três: João Maria, o primeiro monge, “desde que acabou a guerra do Paraguai, vivia perambulando pelos caminhos do sertão, entre o interior do Rio Grande e sul do Mato Grosso” . Praticava uma medicina diferente dos rezadores, pois não precisava ver o doente, “bastava que algum parente o procurasse, rezasse com ele e levasse a mezinha”. Principalmente o “chá de vassourinha”. Uma planta que invadia o campo de cultivo e que, pela própria denominação, servia para varrer o quintal e a casa. Porém, com as rezas do monge, a planta se tornava milagrosa, assim como tudo que o monge tocava. Diversas fontes de água, por onde, acredita-se, que o monge tenha passado, foram nominadas “Olho d’água São João Maria” e, por muito tempo, essas águas se transformaram em pia batismal dos recém-nascidos. Havia a necessidade de dois batismos, um feito na igreja católica e outro feito nas águas abençoadas pelo monge.
Maurício Vinhas de Queiroz diz que o primeiro monge era de origem italiana, “natural de Piemonte, [...] nasceu em 1801, apareceu em Sorocaba em 1844, andou pelo Rio Grande do Sul e foi expulso para o Rio de Janeiro” . Mais tarde foi visto em Lapa, Rio Negro e Lages. Diz-se que morreu em 1870 em Sorocaba, mas reaparece em 1906 em Araraquara.
O segundo monge, dizia se chamar João Maria de Atanás Marcaf, era, provavelmente, sírio e apareceu:
A partir da Revolta Rio-Grandense de 1893, quando surgiu com os soldados maragatos no Vale do Rio do Peixe. Trazia consigo uma bandeira branca com a figura de uma pomba vermelha ao centro (a bandeira do Divino) [...] anunciou o retorno de Gumercindo Saraiva á frente de um Exército de Anjos. Foi ele quem, no município de Lages, manteve longa discussão teológica com o frei católico, Rogério Neuhaus, franciscano germânico. Acusou outro franciscano [...] de ter ordenado matar os bugres. [...] Anunciava o fim do mundo. Desapareceu em 1908 .
O terceiro monge surge em Campos Novos em 1912. Apresenta-se como José Maria de Santo Agostinho. E como afirma o autor: “veio a ser um personagem socialmente controvertido e, assim, não é tão simples elucidar o que há de mito e o que há de realidade” . Não se mostrava tão puritano quanto os demais. Instituiu três virgens que deviam segui-lo e executar suas ordens. Criou a estratégia de ataque e defesa dos redutos usando a narrativa sobre o Imperador Carlos Magno e os doze pares de França, história baseada na formação do exército a serviço de Roma que atacaram os mouros e venceram em nome da fé católica. Trabalhou como curandeiro para ganhar o sustento e dizia se chamar Miguel Lucena Boaventura. “Viveu algum tempo entre a população de posseiros do Irani” . “E diz-se que morreu lutando de armas na mão” .
Os monges, embora tenham sido considerados ícones místicos pela população sertaneja, não foram os únicos místicos a perambular pelos sertões do sul. Depois deles, qualquer indício poderia ser traduzido como mensagem sobrenatural do monge para alguém do reduto. Sem contar as inúmeras fraudes de falsos santos agindo em nome dele. Os falsários eram, geralmente, produzidos pelos homens que buscavam poder de comando sobre a força sertaneja. A lenda do poder místico no sertão foi tão forte e se desenvolveu, principalmente, depois da morte de São José Maria. As “virgens” assumiram o comando, mas a fraude também se propagava entre “as virgens”. A virgem Theodora, em depoimento ao pesquisador, Maurício Vinhas de Queiroz, diz ser orientada por alguém mais velho. Depois das “virgens”, os primeiros cavaleiros, dos pares de França, assumiam a ordem da aldeia e assim sucessivamente, de acordo com as determinações do grupo. O grupo acreditava que o monge ressuscitaria com seu exército encantado e restabeleceria a monarquia celestial. Porém, também seguiam Dom Sebastião (sebastianismo, crença vinda de Portugal que acreditava na ressurreição do rei D. Sebastião), que às vezes se transformava em São Sebastião, o santo católico. Gritando vivas aos santos e morte aos “peludos” . “Peludos” era o apelido dado aos soldados da força legal enquanto os fanáticos e sertanejos tinham o apelido de “pelados”, por terem a cabeça raspada por causa da propagação de parasitas.
Nesta incoerência religiosa, se antes, no tempo do primeiro monge, João Maria, os sertanejos não pegaram em armas, se no tempo do segundo monge João Maria, os posseiros armavam-se de paus, facas e facões, com a chegada do terceiro monge José Maria, os desabrigados formaram, então, um exército de guerra sob a égide do imperador Carlos Magno e dos doze pares de França . E defenderam-se enfrentando e derrotando algumas investidas da força legal, com armas que conseguiam dos comerciantes. Entre eles, Manoel Alves de Assumpção Rocha, que ganhou a promessa de ser coroado imperador. Tudo em nome de uma monarquia paralela à formação do regime republicano brasileiro. A força com a qual os rebelados venceram as primeiras batalhas determinou a ordem de aniquilamento, pois, conforme Maurício Vinhas de Queiroz:
Tal a força e amplitude do movimento jagunço que as polícias estaduais eram impotentes para conter os fanáticos, embora houvesse a opinião, atribuída aos oficiais da guarnição do Rio e de Curitiba, de que elas, não o Exército, é que deveriam encarregar-se da repressão. O fato é que os coronéis, por si e com os seus capangas, não possuíam força para enfrentar os fanáticos sem a ajuda das milícias estaduais e do Exército Nacional .
A religiosidade poderia ter gerado a coragem necessária para proporcionar a reunião de pessoas em torno do objetivo de construir uma cidade santa, mas isso não seria motivo relevante para um massacre se outros elementos não estivessem vinculados ao movimento. O alvo dos ataques dos sertanejos, inicialmente era contra a Brazil Railway e a subsidiária Southern Brazil Lumber and Colonization Company, por ter sido a causa da desapropriação das terras dos habitantes que passaram então de proprietários para posseiros ou invasores. A empresa, além de não oferecer nenhuma outra opção para os sertanejos, ainda instituiu uma força de 200 homens com o propósito de proteger a empresa, mas que, segundo as informações de Maurício Vinhas de Queiroz, cometiam atrocidades contra o sertanejo e contra os funcionários da estrada de ferro “que protestaram contra a falta de pagamento ou reagiam aos desmandos dos feitores [enquanto] cadáveres boiavam nas águas do Rio do Peixe quando não ficavam sob as via férreas” .
A partir da pilhagem das terras e do abandono por parte do governo, os sertanejos se agruparam, em princípio, não ofereciam perigo. No inicio, contavam com a benevolência dos fazendeiros que lhes ofereciam o alimento e a terra para permanecerem. Mas à medida que o número de pessoas aumentava, práticas criminosas eram comuns. Por exemplo, quando os revoltosos passaram a se apropriar dos produtos e riquezas das grandes fazendas para alimentar o séquito, cada vez maior, de sertanejos, os fazendeiros buscaram ajuda do governo.
Para complementar os elementos conflagráveis, as terras vendidas para estrangeiros ou grupos econômicos começaram a apresentar certos obstáculos para que o caboclo não extraísse das fazendas o que precisava. De um lado, a contratação de capangas, pelos fazendeiros, para escorraçar os posseiros. Por outro lado, as fazendas começaram a ter muros ou cercados protegendo contra a invasão dos sertanejos. A erva-mate e o gado antes solto e à vontade, agora tinha dono. A empresa norte-americana foi a principal devastadora das terras e da madeira do sul do Brasil. Mas não agiu sozinha. A posse de grandes glebas era destinada a políticos brasileiros que se apropriavam ou compravam as terras a preços irrisórios. A compra se efetuava pela influência política. Principalmente no momento de legalizar a posse por meio dos tabelionatos ou advogados que trabalhavam pela causa dos proprietários em troca de somas significativas. De posse legal das terras, esses políticos vendiam-nas por somas vultosas. Essa prática endossou a grotesca espoliação somando-se à violência com que os coronéis mantinham seus pequenos reinos. E o sertanejo daquele tempo, sem o conhecimento sobre leis e documentações, se viu ludibriado pelos fazendeiros e advogados que compravam suas terras para depois repassar aos grandes proprietários que já não permitiam a extração da erva, da madeira e do alimento. As palavras de Maurício Vinhas de Queiroz confirmam que:
Já os campos do Irani tinham sido tomados, desde aquela mesma época, pelo coronel Juca Pimpão, tido como um dos homens mais ricos do município, e que os utilizava para criar gado à solta. Graças a seus amigos e à sua força política, pode o coronel registrar como de sua propriedade, nos cartórios do Paraná, não apenas os campos, mas todas aquelas terras entre os rios Xapecózinho, Jacutinga e Uruguai, constituindo assim a Fazenda do Irani. Este verdadeiro feudo, dentro de cujos limites ideais continuavam, pois, vivendo os posseiros, foi vendido pelo coronel, ainda no século passado, à Companhia Frigorifica Pastoril Brasileira [...] Otávio Marcondes de Albuquerque era o gerente da Companhia Frigorífica. [...] e já havia entrado em conflito com os posseiros. É sabido que, desde alguns anos, aventureiros e foragidos vindos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e idos daqui do Paraná, se iam localizando ao sul da Fazenda do Irani e ali construindo cabanas e plantações , formando um núcleo perigoso pela arrogância com que se apoderavam de terras que não lhes pertenciam, apesar dos protestos da proprietária daquela fazenda que era então a Companhia Frigorífica .
Para o autor, não havia dúvidas de que “o movimento do Contestado era a reivindicação ao direito de terras” . Pelo fato de que os revoltosos planejaram ações de vandalismo, destruindo cartórios e derrubando as cercas das fazendas. Para o sistema governante, interessado na expansão comercial e na segurança da unidade federativa, os sertanejos que, até então, eram os soldados defensores contra as investidas espanholas, os trabalhadores da estrada, os laçadores do gado, os catadores da erva-mate e os agricultores da região tornaram-se invasores, jagunços, malfeitores, fanáticos, intrusos e maltrapilhos que precisavam ser contidos em nome da República, da propriedade e dos interesses econômicos.
Demerval Peixoto refere-se ao impasse dizendo que o nome “Contestado [era] o cenário geográfico onde se deu o conflito [e] coincide [...] com a vasta região disputada, política e judicialmente” . E que a contestação das terras, ainda segundo Peixoto, se vincula “acidentalmente ao movimento messiânico e as lutas entre os poderes oficiais e [...] ora chamados jagunços, ora fanáticos, às vezes, ‘peludos’, os habitantes da região” .
O termo “acidentalmente” soa, deveras, irônico, quando se reconhece os fatores desencadeadores do conflito, assim como se reconhece que a ordem de extermínio empregada pelos governos, Federal, paranaense e catarinense, associava-se à justificativa de proteção ao grande proprietário, à propriedade e, principalmente, ao sistema republicano, haja vista as diversas insurreições que marcaram a história do Sul do Brasil no tempo da monarquia.
Ao todo, são sete conflitos armados que ocorrem no sul do Brasil em menos de dois séculos: 1756 - A guerra das missões, no Oeste do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul que culminou com a expulsão dos Jesuítas espanhóis pela coroa portuguesa; 1777 – a invasão das tropas espanholas apoderando-se da ilha de Santa Catarina, mas que, em 1772 já havia invadido o Rio Grande do Sul (Colônia de Sacramento). Essas invasões questionavam os limites entre Portugal e Espanha; 1835-1845 – Estoura a Revolução Farroupilha, movimento separatista com a instauração da República Rio-grandense (1836) até 1845, quando então assinam o tratado de Paz. Neste conflito, Santa Catarina torna-se a capital da nova república; 1864 a 1870 - Guerra do Paraguai iniciada pelo avanço do Paraguai sobre o Mato Grosso. Acordo da Tríplice Aliança entre Brasil, Uruguai e Argentina contra o Paraguai; 1893-1895 - Revolução Federalista , maragatos contra pica-paus ou chimangos - Partido Federalista brasileiro contra Partido Republicano Rio-grandense; 1872-1898 - Movimento messiânico dos Mukers, em Sapiranga - RS, liderado por Jacobina Maurer. Depois de dois ataques do exército gaúcho e um terceiro ataque feito pela própria comunidade gaúcha de Sapiranga, os membros pertencentes à seita de Jacobina, são presos e/ou exterminados; 1912 a 1916 – o Conflito do Contestado no qual se envolveram, aproximadamente, 20.000 sertanejos e não se sabe o número exato dos que foram massacrados pelas Forças Legais, já que as informações históricas trazem números discordantes. Sabe-se, contudo, que as mortes ocorreram dos dois lados, pois antes dos sertanejos serem massacrados, por várias vezes o exército debanda em retirada depois de perder número expressivo de soldados.
Além desses movimentos havia a reivindicação da Argentina sobre as terras contestadas por Santa Catarina. Contra esta investida, o Brasil se defendeu utilizando-se da Lei de ocupação. Lei que o Brasil reivindicou para aplicação contra o país vizinho, mas que declarou ilegal aos habitantes do Sul do Brasil.
Diante de um contexto explosivo, como era o Sul do Brasil e, diante da necessidade política de fortalecimento regional, seria previsível supor que qualquer revolta deveria ser controlada de maneira incisiva. Mauricio V. de Queiroz alude ao conflito do Contestado como uma continuação dos movimentos anteriores, já que:
Perto de Vila Nova do Timbó, estabelecera-se o antigo maragato Demétrio Ramos, que reunia em torno de si alguns “sertanejos assalariados” em armas. Agia por conta de Santa Catarina de cujo governo recebia recursos de toda ordem. Por outro lado, o Paraná começou armar paisanos para reforçar as fileiras de sua força pública. [...] Em 1909, Aleixo Gonçalves de Lima, antigo capitão da guarda nacional e tal como Demétrio Ramos, antigo maragato, capitaneando cerca de 500 homens e auxiliado pela polícia catarinense, transpôs o Rio Negro, e invadiu o território do Paraná, proclamando que visava impedir a cobrança dos impostos estaduais.
A possibilidade de ataques semelhantes aos dos maragatos alimentara uma reação preventiva nas fronteiras por parte do Paraná. Qualquer movimento de invasão seria recebido como tentativa de insurreição sulista contra a república brasileira. Insegurança alicerçada na histórica experiência proporcionada por Gumercindo Saraiva, o chefe maragato, quando da invasão e tentativa de saque contra a cidade de Curitiba.
A partir dessa concepção, a primeira ideia de que eram sertanejos abandonados, morando nas matas e praticando sua religiosidade, se desvanece. Segundo o autor, não se esclarece, também, a tese de que os sertanejos pretendiam derrubar o sistema de coronelismo na região, ao contrário, muitos dos envolvidos no movimento tinham relações políticas tanto com o governo de Santa Catarina quanto com alguns dos coronéis, assim como havia também, uma estratégia de invasão que jamais poderia ser arquitetada pelo sertanejo religioso, pois, de acordo com as mensagens trocadas entre os chefes do reduto foi interceptada uma carta do coronel Elias de Moraes que dizia:
Na carta ao coronel Salathiel de Paula, filho de conhecido político gaúcho, enviada para Ponta Grossa, Elias de Moraes faz carga contra a estrada de ferro. Insiste para que o coronel se aposse de Ponta Grossa e dinamite a ponte de Itararé na divisa paulista. Elias se incumbiria de fazer o mesmo na ponte do Rio Uruguai e se comprometia a atacar certas localidades: São João, em seguida União da Vitória e, por outro lado, Rio Negro. Acrescenta que os jagunços contavam grandes depósitos de gêneros e 5000 homens armados para lutar “contra a República que não prestava” .
Pelas palavras expressas na carta de um dos chefes jagunços, ao que parece, o movimento tomou rumo próprio e, sem controle, atingiu alguns dos principais coronéis, acusados pelos desmandos. Estabelecendo, desta forma, indícios de que a tentativa de derrubada do coronelismo tenha sido uma das explicações plausíveis para o ataque contra os redutos dos fanáticos. O autor traz o depoimento do Capitão João Teixeira de Matos Costa, responsável pela proteção dos serviços finais da ferrovia São Francisco, que acusava abertamente o coronel Fabricio Vieira, e havia conseguido “cartas e documentos que comprometiam o coronel” . Os documentos acusavam “os coronéis de vender terrenos para serem pagos em prestações e quando o lote estava quase remido, tocava os caboclos de lá; depois pediam socorro ao governo” .
Matos Costa, em campanha para pacificação do reduto Bom Sossego, recebeu de Elias Moraes, o chefe dos caboclos, a seguinte exigência para baixar armas: somente “depois de liquidados os coronéis Arthur de Paula, Fabrício Vieira, Chiquinho de Albuquerque, Amazonas Marcondes, Affonso Camargo, Pedro Vieira, Pedro Ruivo e os irmãos Michinicovsk” . O coronel Francisco de Albuquerque é citado pelo autor como político catarinense e antigo federalista, que enriqueceu tomando terras das viúvas e de pequenos agricultores. Sua fazenda ficava em Curitibanos e Taquaruçu fazia parte do seu feudo . Explica ainda Mauricio Vinhas de Queiroz que:
Dentre as causas que contribuíram para a eclosão do movimento, o Cap. Matos Costa, pouco antes do seu trágico desaparecimento, apontava o coronelismo ou, em suas próprias palavras, a “baixa e repelente politicagem das competições pessoais e a exploração dos régulos de aldeia, de parceria com inqualificáveis injustiças e arbitrariedades praticadas contra os habitantes dos sertões” .
Considerando a região Sul, que se contentava em vender os produtos produzidos com fartura pela natureza, como era o caso da erva mate, da madeira, do gado em pé ou, ainda, de produtos industrializados de modo artesanal como era o caso da erva-mate torrada e do charque, e oferecia possibilidades para o mercado internacional, o autor pontua fatos que desencadearam a atitude tomada pelos governos envolvidos, pois, além dos revoltosos oferecerem perigo ao sistema de governo ainda em fase de instauração, confrontava a própria ideologia capitalista implantada na Europa e nos EUA, que visava à apropriação de terras que oferecessem possibilidades de produção para exportação. Menciona ainda que, no desenvolver do conflito, a esperança do sertanejo deixou de ser a posse das terras para se voltar contra o sistema político republicano. Atitude percebida na tentativa de estabelecer acordos e parar o avanço dos guerrilheiros, pois, durante a campanha de posse das terras os guerrilheiros ocuparam um território aproximadamente:
Igual a Alagoas [...] Fazia limites, ao norte, pelo Rio Iguaçu e a Estrada de Ferro de São Francisco, desde perto de União da Vitória, envolvendo Canoinhas, até junto à Vila de Rio Negro; ao Sul, inflectia sobre Lages, aproximava-se de Curitibanos e de Campos novos; a leste compreendia Itaiópolis. Papanduva, as picadas das colônias Moema e Iracema, os contrafortes da Serra do Mirador e as demais cabeceiras do Itajaí; a oeste, a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande .
O fanatismo há muito tempo se tornara apenas um elemento manipulável nas mãos de quem sabia como usar a força daquele povo. Alguns acordos foram propostos, mas as exigências se tornavam cada vez mais complexas. A inépcia dos comandantes militares em não cumprir os acordos foi uma resposta aos jagunços de que deviam continuar. Foi o caso de alguns sertanejos que se entregaram e foram mortos. A virgem Maria Rosa perde o posto de vidente mística quando os jagunços escolhidos como chefes dos pares de França desconfiam da tentativa de negociação de acordo com o Capitão Matos Costa , então o movimento assume a verdadeira face do terror. No inicio, as vilas eram apenas saqueadas e convidadas a participar do movimento. Ao final, são saqueadas e posteriormente incendiadas. O Capitão Matos Costa foi morto em ataque de jagunços. Ninguém entrava e ninguém saia dos redutos sem ordem expressa dos chefes jagunços. As estradas e caminhos eram vigiados. A estrada de ferro ficou inoperante por algum tempo. Da reunião para entoar louvores agora se ouviam os gritos de guerra. A ideia era estabelecer a monarquia e já não importava se celestial ou não, pois planejavam ir até o Rio de Janeiro. O 1º ataque em que pereceu uma cidade inteira, ocorreu em 5 de setembro de 1914 Calmon e São João; Taquaruçu, dia 8 de fevereiro de 1915 ; dois meses depois, o exército é derrotado em Caraguatá; Em 26/09/1915 em Curitibanos; e prosseguiu até outubro de 1915, em Pedras Brancas e São Pedro, desta vez, o último reduto foi incendiado por Euclides de Castro, capitão da guarda catarinense.
Ao final, o conflito produziu seus mártires. Os fanáticos jamais foram os reais comandantes dos redutos, nem os jagunços, mas ambos se uniram aos coronéis que se ofereceram para ampará-los enquanto o governo fechava os olhos e disparava a arma. Uma manipulação política de unificação do Estado Federal contra um grupo separatista de políticos que se aproveitaram da ignorância sertaneja, primeiro para subtrair-lhe as terras, o único valor de pátria que conheciam, depois, para usá-los como força de ataque para pressionar o governo. Conforme consideramos, depois dos apontamentos de Queiroz (1977).
Diante do contexto histórico exposto por Maurício V. de Queiroz (1977), da teoria de Jacques Le Goff (1996) e a comparação literária proposta por Tânia F. Carvalhal (2006) abordar-se-á, no capítulo seguinte, a formação da literatura paranaense, objetivando a busca por obras que expressem a história do Contestado enquanto explica o momento político vivenciado pelos Estados do Paraná e Santa Catarina.
CAPÍTULO II

FORMAÇÃO DA LITERATURA PARANAENSE

2.1 O DESENVOLVIMENTO DA LITERATURA PARANAENSE A PARTIR DA LITERATURA BRASILEIRA: DISTANCIAMENTO E APROXIMAÇÕES

O movimento literário, foco desse estudo, é o modernismo, portanto, o comentário a seguir focará o modernismo fazendo apenas uma breve reflexão, sem tentar, neste trabalho, estudar os movimentos literários brasileiros e sim, justificar as diferenças que se contrapõem quando há diferenças culturais entre uma e outra produção literária. Essa breve ponderação demonstrará o distanciamento da produção literária brasileira e da produção literária europeia, demonstrando desta forma, o mesmo processo que distanciou a literatura brasileira da produção literária paranaense. Tal afirmação pode ser justificada pelo processo pelo qual o Brasil assimilou os movimentos literários europeus: numa sequente afirmação e negação da própria cultura devido à tardia inclinação dos intelectuais brasileiros em experimentar as próprias raízes. Como exemplo, podemos citar a produção nacionalista e/ou indianista, determinado a mistificar o nascimento cultural ou reorganizar a cultura brasileira. Desta concepção nasce O Guarani (1857), de José de Alencar, a raiz mitológica de uma nação formada a partir da miscigenação entre o índio e o europeu. Diferente do romance indianista, o próprio José de Alencar caracteriza a influência europeia ao produzir, no romance urbano, o ambiente da corte portuguesa no Brasil com personagens em estilo europeizados. Essa visão de José de Alencar não estava restrita a ficção, mas demonstrava a sede de cultura que o brasileiro buscava da Europa. Justificando, desta forma, as constantes idas e vindas entre o que se idealizava e o que se produzia.
O ideal de nacionalidade como identidade cultural é perseguido no Modernismo e Pós-Modernismo tendo como resultado a conscientização da assimilação antropofágica cultural e social da qual Mário de Andrade e Oswald de Andrade foram seus principais protagonistas. Mário de Andrade, quando compôs a Paulicéia Desvairada (1922), propôs: romper a forma e o estilo literário; inaugurar o movimento modernista e romper com as influências futuristas da Europa. No entanto, lança “Amar, Verbo Intransitivo” (ANDRADE, 1927), deixando antever sua inclinação antropofágica na necessidade de se criar um ideal nacional , para em seguida escrever Macunaíma (1928), criando um herói caboclo às avessas. Um índio disforme pela rudeza do sertão e pela mistura étnica e mística. Uma contradição normatizada diante da diversidade cultural brasileira. A contradição simbolizada como palavra de ordem no Modernismo fechou um quadro imperfeito no que justifica a definição de quaisquer movimentos a partir dele, consagrando desta forma, uma sequência interminável de contemporaneidades ou de novidades inseridas na Novidade atraindo para a crítica literária uma “estética pleonástica” .
A partir das considerações acima, seria válido afirmar a inconstância da arte literária elaborada seguindo moldes ou teorias, quando pensamos um Brasil multifacetado econômico, cultural e geograficamente. Primeiro, por ter a produção e a sistematização centralizadas nas principais capitais brasileiras no que se refere a intelectualidade e a cultura assimiladora das “novidades europeias”. Segundo, e finalmente, a realidade de que os demais Estados como representantes culturais brasileiros se formaram e, vem se formando ao longo dos últimos dois séculos.
Este é o caso dos Estados do Sul do Brasil e a formação de sua sociedade e, por conseguinte, de sua literatura. Isto significa que, enquanto o Paraná ainda se desenhava em linhas geográficas assimilando praticamente todos os movimentos estéticos. Segundo Marilda Binder Samways, a primeira produção teria traços românticos em 1820 até depois de 1853 , enquanto representava uma simbiose entre o Trovadorismo e as poesias românticas de Julia da Costa, no qual, por extensão, “se fundiam o Parnasianismo e o Simbolismo” nas obras de Emílio de Menezes. O Simbolismo, cuja poesia , vez ou outra, resgatava o romantismo como era o caso de Emiliano Perneta, se desenvolvia também no romance No Hospício (1905) de Rocha Pombo. E a poesia ganhava espaço até, por exemplo, alcançar o haicai japonês nas obras de Helena Kolody, de Paulo Lemiski e Alice Ruiz.
No Modernismo, enquanto São Paulo e Rio de Janeiro rompiam com o futurismo, o Paraná participava com poesias, artigos em jornais e, como presenciaremos ao final deste trabalho, Jaime Balão Junior se propôs à produção de um romance futurista.
Porém, a intenção desta pesquisa não visa esquecer aos já consagrados escritores paranaenses, portanto, no próximo subcapítulo, será evidenciado a produção paranaense e alguns de seus escritores, embora a escolha possa deixar escritores tão importantes quanto aos apontados pela impossibilidade de listar todos.

2.2 LITERATURA PARANAENSE: O HOJE E O ONTEM

O autor e crítico Nestor Sampaio, em GURSKY (2004), criticava a falta de literatos paranaenses que representassem “o inédito complexo de raças do planalto que ainda não figura[va] no ensaísmo brasileiro” . A época desta crítica, 1937, o Paraná já contemplava autores capazes de elevar o Paraná ao patamar nacional, portanto, a crítica de Nestor Sampaio encontrou a resposta nos nomes que consagraram-se no desejado patamar do reconhecimento nacional.
Figura entre eles, nome como o de Dalton Trevisan (1925), considerado o maior contista paranaense pela série de trabalhos reconhecidos nacionalmente. Produziu o romance intitulado A polaquinha (1985) e, de acordo com o site do Clube Brasileiro do Livro , Dalton Trevisan ganhou o Prêmio Jaboti de 1960 pela obra Novelas Nada Exemplares (1959). Ganhou o premio Jaboti de 1965 com Cemitério de elefantes (1964), o Prêmio Jaboti em 1995 com o conto Ah! é? Em 1975, um filme foi produzido a partir do conto Guerra conjugal (1969). Em 1996, recebeu o Prêmio Ministério da Cultura de Literatura pelo conjunto de sua obra e em 2003, com o livro Pico na Veia, dividiu com Bernardo Carvalho o 1º Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira.
Outros nomes continuaram a surgir, por exemplo: Paulo Leminski produziu o romance Agora é que são elas (1984). Recebeu o Prêmio Jaboti de 1995, em poesia. Sua produção merece atenção pela relação música/poesia, que se tornou representativa na musica brasileira. Alice Ruiz produz na mesma linha que seu esposo, Paulo Leminski; Domingos Pellegrini obteve reconhecimento nacional com O Homem Vermelho (contos) em 1977, Terra Vermelha (1998), que narra a história sobre a colonização do Norte do Paraná e, ganhou o Prêmio Jaboti 2001 com o romance O Caso da Chácara Chão (2000), também lançou uma releitura sobre a Guerra do Paraguai na obra Questão de honra (1999); Cristovão Tezza ganhou o Prêmio Jaboti em 2008 com a obra Filho Eterno, mas em 2005 ganhou reconhecimento literário nacional com a obra O fotógrafo figurando para o terceiro lugar para o mesmo prêmio. Sem esquecer as escritoras femininas, têm-se as poetisas Adélia Maria Woellner e Helena Kolody responsáveis por rica produção da poesia paranaense, e a escritora e professora Pompília Lopes dos Santos, curitibana nascida no dia 7 de agosto de 1900, foi a primeira presidente da Academia Feminina de Letras do Paraná, do Clube Soroptimista Internacional de Curitiba, Sala do Poeta. Foi a primeira mulher a ingressar na Academia Paranaense de Letras. Publicou: Literatura Infantil (1944); Biografias de Rachel Prado (1953), Azevedo Macedo (1955), e Georgina Mongruel (1971); Página de Saudade (1955) e quatro romances: Afinidade (1949), A Fila Triste (1951), Origens (1961), romance histórico, que obteve o primeiro prêmio em concurso promovido pelo Centro de Letras do Paraná; e Caminhada – da Universidade a Itaipú (1975).
Figura ainda entre os romances paranaenses, a obra Casa Verde escrita em 1963 , pelo Procurador de Justiça Noel Nascimento , hoje, aposentado e integrante da Comissão do Memorial do Ministério Público do Paraná - MP-PR. O autor tem mais três obras recentes: A Revolução do Brasil (2005) ; A nova civilização (2005); Contos fantásticos (2005); além dos poemas: Nuvens (1951); Coreto de Papel (1983) e ensaios. É membro da Academia Paranaense de Letras Nº. 27. Nascido em Ponta Grossa (1925), formado em Direito pela Universidade Federal do Paraná, em 1949. Promotor Público em 1964. Foi afastado do cargo por motivos políticos. Com a Lei de Anistia, reassumiu o cargo em 1979. Obteve em 1995 o primeiro lugar no Concurso Nacional de Romances, promovido pela Secretaria da Cultura do Paraná, com a obra Arcabuzes (s/d).
A edição de Casa Verde (2001) usada para este trabalho é parte da Coleção Brasil Diferente, um trabalho do governo do Estado do Paraná em prol de resgatar a memória histórica do Estado paranaense por meio das literaturas.
Analisando os autores aqui mostrados, percebe-se que as datas da produção desses autores e os romances por eles produzidos norteiam a modernidade, com a exceção de Dalton Trevisan. Assim como se percebe o destaque paranaense apenas recentemente no trabalho literário romanesco quando consideramos o romance A polaquinha (1985), de Dalton Trevisan. Porém, antes destes notáveis escritores, outros nomes não teriam se levantado como precursores, ensejando o romance como produção?
Pesquisando esta questão, as palavras de Regina Elena Saboia Iorio dizem que o Paraná, enquanto ainda respirava o simbolismo mesclado de romantismo, adotava o marinetismo por um grupo e o Pós-modernismo por outro grupo, num espaço conflituoso, não na distância de um Estado como ocorreu em São Paulo e Rio de Janeiro, mas de algumas quadras como ocorreu em Curitiba. De acordo com os apontamentos de IORIO (2003), Coelho Junior e os intelectuais que participaram da geração simbolista implantavam o modernismo para em seguida, menos de um ano, arrematar com o futurismo. Qualquer que fosse a razão da mudança, era necessário mudar em prol da novidade. Como atestado de mudança, foi redigido um manifesto de compromisso futurista, pelo escritor Coelho Neto, objetivando o rompimento com a mesmice e clamar pelos “desvairados e os originais, os herméticos e os sibilinos, os exóticos e os rebelados, os que sonham coisas enormes dentro de formas deliciosamente absurdas” .
Embora o movimento futurista e modernista tenha nascido para romper barreiras e inaugurar o novo, IORIO (2003) confirma, por meio da sua pesquisa, que a Academia de Letras do Paraná, enquanto vaiada pelos modernistas, apoiou financeiramente Jurandyr Manfredini , gaúcho disposto a inaugurar o modernismo no sul, quando de passagem pelo Paraná rumo ao Rio de Janeiro. No relato do “conto do camelo” , percebe-se que a arte derruba obstáculos, renova pensamentos apoiando-se nos já existentes enquanto ruma à novidade.
Marilda Binder Samways, ao estudar a literatura paranaense, aponta a dificuldade ante a conceituação dos movimentos literários que nem ao menos tem em si terminologias específicas, pois segundo a autora, “chamar esses eventos [produção paranaense] de fase já é uma provocação [uma] vez que alguns autores preferem ‘período’ ou ‘era’ e denominam diferentemente os fatores da divisão” . O esforço de aproximação, muitas vezes, resulta em uma lista classificatória longa demais ao tentar catalogar os “fatores da divisão” ou se perde por não conseguir estabelecer a norma harmônica de acordo com as características pré-estabelecidas por fase, estética ou estilo. Dificuldade diante da produção literária paranaense que eclode ao mesmo tempo abarcando aos diversos movimentos, como afirma Samways:
Há um [vários] fato [s] [problemas] histórico e regional que não pode ser desprezado pelo pesquisador. No espaço de mais ou menos uma geração, encontramos no Paraná pequenos grupos com tendências diferentes, oponentes: naturalistas e simbolistas, remanescente românticos, parnasianos, [...] o isolamento geográfico; o caráter provinciano das formações intelectuais; a carência de bibliotecas e livreiros; a pobreza jornalística; a ausência de contatos com os principais centros brasileiros irradiadores (Rio e São Paulo) e internacionais; [...] outro de ordem ideológica: a Liga Anticlerical Paranaense, desde agosto de 1901, vinha se opondo aos senhores do campanário coordenados pela Cúria e o Jornal Estrella.
SAMWAYS (1988) proclama os maiores nomes da arte e da literatura do Estado do Paraná, apontando suas produções e esquematiza um histórico importante dividindo a literatura paranaense nos seguintes movimentos:
1-Precursores e pioneiros (1853 -1895), correspondente aos românticos; 2-Naturalistas, Parnasianos, Simbolistas – geração dos simbolistas (1895 -1898), Novos (1898 - 1913), Novíssimos (1913 - 1922); 3- Modernistas, futuristas (1922 - 1926), novos (1926 - 1939); 4- A obra de Rodrigo Júnior (1939-1945); 5- O advento de Joaquim (1945 - 1948); 6- Moderníssimos (1949 em diante).
Dentre os movimentos destacados pela autora, trabalhar-se-á o início da produção literária no Paraná. Os Precursores ou Pioneiros (1853 -1895); Simbolistas e parte da geração dos simbolistas (1895 -1898). E o período Modernista Futurista (1922 - 1926)
Os Precursores ou Pioneiros (1853 -1895) aponta Dario Velloso, cuja produção literária inicia como pioneiro, mas avança juntando-se aos inauguradores do Simbolismo brasileiro, pois em 1895, despontava participando efetivamente dos jornais e das primeiras revistas como, por exemplo, “O Cenáculo, dirigido por Dario Velloso, Silveira Neto, Júlio Perneta e Antonio Braga” . Em 1901 surge o Jornal Estrella coordenado pela Cúria e, em seguida, surge o jornal Electra, “um dos mais combativos periódicos anticlericais do Paraná, dirigido por Generoso Borges, Ismael Martins, Euclides Bandeira e Leite Junior” . Foi nesse ambiente, repleto de ideologias opostas que o Paraná vivenciou a possibilidade de experimentar a fama, antes reservada aos principais centros culturais do Brasil. Conforme analisa a autora:
Movimento do livre-pensamento, do positivismo, do ocultismo, da maçonaria e do simbolismo. Embalados por estas ideologias se fixam em nosso panorama literário: Dias da Rocha Filho; Leôncio Correia; Emilio de Meneses; Domingos Nascimento; Silveira Neto; Emiliano Pernetta; Nestor Victor; Dario Velloso; Nestor de Castro; João Itiberê da Cunha e muitos outros que tornaram o movimento simbolista de complexidade notável .
A partir dos estudos de Marilda B. Samways e Regina Elena Saboia Iorio entende-se a sociedade paranaense ativa intelectualmente desde 1820, cuja produção literária alcançou a modernidade, assim como, o reconhecimento nacional é desfrutado desde o simbolismo, ainda que mesclado ao romantismo e trovadorismo. Resta, portanto, a busca pelos romances ou pelas narrativas que pontuem a história sociopolítica da sociedade paranaense. Para iniciar a pesquisa, nos próximos subcapítulos, apontar-se-ão algumas biografias de autores que representaram os primeiros movimentos literários paranaenses: Dário Velloso como representativo dos Precursores e pioneiros; Rocha Pombo como representante Simbolista; Jaime Balão Junior como representante Modernista Futurista.

2.2.1 Dario Velloso

Dario Persiano de Castro Velloso (1869-1937) é o nome completo de Dario Velloso, encontrado nas páginas do museu maçônico do Paraná. Veio aos 16 anos, com a família (pai e mãe) do Rio de Janeiro para o Paraná em 1886. Inicia sua vida profissional como tipógrafo na oficina do Jornal Dezenove de Dezembro, desenvolvendo atividades de poeta, escritor, educador, sociólogo, jornalista, orador e professor. Participa e inicia o trabalho em várias revistas, entre elas, a revista Cenáculo (1895) e, segundo o que registra SAMWAYS (1988), Dario Velloso participou ativamente do movimento Simbolista da Primeira e da Segunda fase, fazendo parte da Liga Anticlerical (1901) por meio do periódico Electra, “um dos mais combativos periódicos anticlericais do Paraná” .
Sua produção foi condensada em cinco volumes distribuídos da seguinte forma: OBRAS Volume I- prosa - Pitagorismo: Horto de Lísis 1922; Símbolos e Miragens 1922; Do Retiro Saudoso 1915; A Trança Loura 1925; Jesus Pitagórico 1936; OBRAS Volume II- prosa - Literatura: Primeiros Ensaios 1889; Esquifes, 1896; No Sólio do Amanhã 1905; Da Tribuna e da Imprensa 1915; No Limiar da Paz 1923. Livro de Alyr 1920; Flauta Rústica. 1941; Psiquês 1941; OBRAS Volume III- poesia - Literatura: Efêmeras 1924; Alma Penitente, 1897; Esotéricas 1900; Helicon 1908; Rudel 1912; Cinerário, 1929; Atlântida 1938; Fogo Sagrado 1941; OBRAS Volume IV - prosa - Estudos Científicos: Templo Maçônico 1924; Lições de História 1949; Derrocada Ultramontana 1905; Voltaire 1905; Compêndio de Pedagogia 1907; Moral dos Jesuítas 1908; OBRAS Volume V- prosa - Literatura: As Encantadas 1933. .
Depois de Dario Velloso, apresentar-se á breve biografia de José Francisco da Rocha Pombo e Jaime Balão Junior.

2.2.2 José Francisco da Rocha Pombo

SAMWAYS (1988) cita a produção de Francisco de Rocha Pombo, estabelecendo os poemas do autor como pertencentes ao Romantismo e o romance No hospício (1905) como pertencente à Segunda Fase da Geração Simbolista. A obra No hospício (1905) foi aceita como romance, embora uma das características do Simbolismo seja a produção poética. Independente da contradição, certo é que a obra foi reconhecida por se destacar inclusive do próprio período. Pela colocação da autora, pode-se perceber que Rocha Pombo não se encaixa perfeitamente em uma corrente literária. Ou está à frente do seu tempo ou trabalhar no Rio de Janeiro, onde ocorrem os maiores burburinhos literários do país, influenciou sua produção.
Recentemente, a obra No hospício (1905) foi editada e faz parte da Coleção Farol do Saber , com o patrocínio da Prefeitura Municipal de Curitiba. No prefácio da obra, dois grandes estudiosos das letras postaram sua contribuição: Wilson Martins, crítico literário paranaense e Cassiana Lacerda Carrollo, organizadora da obra.
José Francisco da Rocha Pombo foi sócio efetivo do Instituto Historiográfico Brasileiro desde 1900, condição que explica o porquê da história ocupar lugar de destaque dentre as suas publicações. Publicou: Nossa Pátria, (1917, com 80 edições); História Universal, (1928); História da América (1903); História do Rio Grande do Norte, (1928); História do Brasil, (iniciada em 1905 e terminada em 1917); Compêndio de História da América (1900 a 1925); História do Paraná, (1929); O Paraná no centenário, (1900); História de São Paulo, (1919); Paraná-Santa Catarina (1905).
Contribuiu com a língua portuguesa do Brasil escrevendo o Dicionário de sinônimos da Língua Portuguesa num momento da história da língua portuguesa brasileira que se cogitava a possibilidade de unificação como língua nacional.
Para a educação, seus legados são: Petrucello (1889); Nova crença, (1889); A supremacia do ideal, (1889). Dos gêneros diversos que produziu temos ainda: Dadá, (1882); Honra do Barão, (1881); A religião do belo, (1882); Visões, (1891); A Guairá, (1891); In excelsis, (1895); Marieta,(1896); Contos e pontos, (1911); Notas de viagem, (1918).
Marilda B. Samways descreve a obra No hospício (1905) de Rocha Pombo como um escritor engajado em construir seus personagens sob o véu da psicologia, valorizando o lado intimista mais que o materialista:
Livro de tendência espiritualista, cerebral, na linha do romance ensaio e de análise psicológica, cuja atmosfera espiritualizada e mística mostram muito os temas e formulas ao gosto dos Simbolistas.[...] eleito para a Academia Brasileira de Letras, cadeira nº 39. Foi deputado Estadual no Paraná de 1916 a 1918. Exerceu o jornalismo em Curitiba, de 1886 a 1887 .
Andrade Muricy dedica notas ao romance de Rocha Pombo referindo-se à obra como “um ensaio (essay) de psicologia dos primórdios da conversão religiosa que cria ali, figura de gente e afeta faculdades de locomoção, de sensação, que encarna sentimentos” .
Diante da produção sobre a história, vislumbra-se a predileção de Rocha Pombo pelo Paraná. Sua vida profissional centrou-se como historiador, jornalista, professor, desde os dezoito anos, e político do Partido Conservador. Rocha Pombo tinha boas influências com os adversários políticos do Partido Liberal, porém foi sua escolha política que o impediu de fundar a educação superior no Paraná enquanto desfrutava sua vida política. No entanto, escreveu sua própria história, pois é lembrado como principal incentivador da construção da primeira universidade paranaense, a Universidade Federal do Paraná, UFPR. Plantou o projeto, mas não assistiu a execução. Morreu em 1933 e a universidade, embora inaugurada em 1916, foi embargada por problemas políticos, reabrindo em 1942.
Participou da Liga anticlerical, integrando-se o grupo juntamente com “Emiliano Perneta, Emílio de Menezes, Silveira Neto, Dario Velloso e Euclides da Cunha fundando então o Centro de Letras do Paraná” .
E foi professor de Jaime Balão Junior, escritor e político, o qual terá sua biografia relatada no próximo subtítulo.
2.2.3 Jaime Balão Junior

As informações sobre a produção ou a bibliografia de Jaime Balão Junior não são completas. Há informações biográficas, do pai do autor, nas páginas do site da Wikipédia e sua participação na criação da ópera Sidéria com Augusto Stresser . E não se encontrou artigos, teses ou fontes que citassem, estudassem ou endossassem as informações biográficas ou a produção literária de Jaime Balão Junior, o filho. Há um estudo de Marta Morais da Costa citando Jaime Balão Junior como partícipe da dramaturgia paranaense. Porém esse estudo não traz informações completas, ao contrário, apenas amplia o leque de informações a serem consideradas ou pesquisadas com afinco. De acordo com as palavras da autora:
A roda-viva dos espetáculos e da crítica era incrementada ainda mais por apresentações de grupos amadores. Dramaturgos curitibanos - bissextos ou de produção contínua - alinhavam-se na vanguarda do movimento de afirmação do teatro local: José Cadilhe, Ernesto de Oliveira, Paulo Assumpção, Alcides Munhoz, Ernesto Niemeyer, Jaime Balão Junior, Ernesto Merlin, José Buzetti Mori, Benedito Nicolau dos Santos e outros (COSTA, 1998, p. 4).
A obra Seara Morta (1925) é lembrada em quatro trabalhos: por Andrade Muricy em A nova literatura brasileira (1936); por Maurício Vinhas de Queiros na obra Messianismo e conflito social (1977) ; por Nestor Vítor (1973) e por Regina Elena Saboia Iorio (2003) que aponta para a produção de Jaime Balão Junior como participante entre os autores novelistas que se destacaram na década de 1920. Conforme as palavras da autora, diz que:
Foram publicadas também algumas obras importantes da literatura paranaense, em sua maioria, a expensas dos próprios autores, entre elas, destacaram-se a novela espírita "Emy" do acadêmico Santa Rita, "A trança loura" do seu colega Dario Velloso, e os romances "Seara Morta" e "Terra dos Pinheirais", dos jovens Jayme Ballão Jr., e Eurico Branco Ribeiro, respectivamente .
O nome de Jaime Balão Junior aparece aqui com a grafia anterior a 1929, mas as duas grafias são encontradas tanto em jornais como nas próprias obras do autor. O autor é citado na Obra crítica de Nestor Vítor (1973), juntamente com Menotti Del Picchia, escrita em 1927, muito próxima ao lançamento do livro de BALÃO JR. (1925), na qual Nestor Vítor refere ao autor, dizendo que: “É preciso conhecer o Paraná, as nossas paisagens e a nossa gente humilde para sentir-se como Seara Morta efetivamente vem dessa terra” . Também é de Nestor Vítor a crítica mais contundente e mais verdadeira para a referida obra quando questiona se os “senãos” encontrados na obra são “displicências do autor” . A pergunta parece não exigir uma resposta.
Marilda Binder Samways classifica a produção do autor como pertencente ao Futurismo da Terceira Fase, juntamente com Octávio de Sá Barreto Leôncio Correia e Jacinto Anacleto do Nascimento. Fase em que, segundo a autora:
os jovens foram corajosos e tentaram participar do momento, mesmo por brincadeira, do que entenderiam por modernismo, isto é, “escrever versos sem rimas e colocá-los de maneira arrevesada; rebelar-se contra as pontuações, as maiúsculas, a gramática; começar livros de trás para diante, abalançar-se a tudo que fosse encenação estrambólica” mais ou menos à moda da orquestra futurista .
Estas palavras explicarão a tentativa de aplicação da estética modernista na obra Seara Morta, que analisaremos mais adiante. Porém, não explicarão todo o complexo da obra, já que o futurismo primava pela valorização do progresso industrial e tecnológico e, segundo o manifesto futurista de Filippo Tommaso Marineti, rompia com a forma gramatical, sendo, portanto, mais propenso à poesia e à pintura, artes que melhor caracterizaram a estética de movimento e de sonoridade marcadamente Futurista.
Diante desta retomada, o autor de Seara Morta rompe, até mesmo, com os alardes modernistas, cujas notas chegam a Curitiba informando sobre a provocação de Marineti em Paris em 1921, montando “uma orquestra Futurista composta de 29 artefatos ou instrumentos inventados para produzir ruídos organizados” .
Em busca de informações sobre o autor, a pesquisa se estendeu para a biblioteca da UFPR e a Biblioteca Pública do Paraná na cidade de Curitiba. A obra que contribuiu significativamente para esta pesquisa foi A emoção e o ritmo na arte e no estilo de Jaime Balão Junior (1963), de Herbert Munhoz Van Erven, na qual o autor faz de sua obra, uma critica positiva sobre a produção de Jaime Balão Junior, apresentando a produção e alguns comentários sobre o autor e dividindo suas produções em duas fases: safra de primavera e safra final, além de artigos, estudos e ensaios .
Safra de primavera é composta de: Romance de meu pai (1933) – autobiografia do adolescente; Sagrada solicitude (1921) – Contos e Paisagens do Paraná; Eterno sonho (1918) – Novela, louvada por João do Rio, Teatro Ibseniano; Orando ao crepúsculo (1921) – Teatro; O amor morre (1922) – Conferência realizada no Centro de Letras do Paraná e aclamada de ‘Magistral’ pelo imortal Euclides Bandeira; O pensamento poético de Gonçalves Dias (1924) – Conferência; Seara Morta (Rio, 1925) – Novela considerada como “uma viva representação emocional da paisagem paranaense” pelo historiador Romário Martins. Laureada pela Academia Brasileira de Letras; O Livro do Expedicionário (1944) – Contos patrióticos; Impressões Literárias (1938) – Considerada como crítica impressionista pelo excelso e glorioso historiador Pedro Calmon;
Safra final: Dona Isoldina, Professora Rural (s/d) – Romance de costumes; Quilômetro 65 (s/d) – Romance de ficção e história; Roteiro da Montanha (1960) – Arte, emoção e pensamento; Mensagem da infância (1957) – Memorial emotivo; Os gatos - esses desconhecidos. (sd) – Fragrante de subúrbio; Meu bairro pobre (s/d) – Novela da Água Verde; Sangue Verde (s/d) – Romance da erva-mate; O menino da Água Verde (s/d) – Novelas; Garimpo das pedras verdes (s/d) – Poemas; Transfiguração (s/d) – Romance psicológico;
Estudos e Ensaios: L. Romanowski; Otávio de Sá Barreto; Ribas Silveira; Helena Kolody; Allegretti Filho; Dona Jandira de Almeida França; Anita Camargo Piloto e Pompília Lopes dos Santos; Serafim França; Alceu Chiachorro; Durval Borges; Leonardo Henke; Andrade Murici; Sharfenberg de Quadros; José Augusto; Aplecina do Carmo; Manoel do Carmo; Laurindo de Brito; Dr. Aluizio França e Dr. Alfredo Egídio de Souza Aranha e o Dr. Acácio Ribeiro Vallin; Dicesar Plaisant; Euclides Bandeira; Sotero Ângelo; Pedro Macedo; Lange de Morretes; Ciro Silva; Silvas do Brasil; Ulisses Diniz e Ribas Silveira.
O Dicionário Bibliográfico do Paraná de Júlio Moreira (1960) aponta a obra Passionata (1921) que não foi relacionada por VAN ERVEN, (1963). Porém a obra Roteiro da Montanha (1960) de Jaime Balão Junior fornece as informações bibliográficas dizendo que: o autor nasceu em Curitiba, a 9 de fevereiro de 1891, filho de Dona Ana Aurea Lisboa Balão, esposa do Dr. Jayme Ballão, intelectual que ajudou a organizar a política do Paraná. A biografia confirma a precocidade do autor por montar o primeiro Jornal infantil chamado O estudo, quando tinha apenas onze anos de idade. Jornal que, ele mesmo redigia, compunha, paginava, revisava e distribuía. Estudou nos ginásios: Nacional, Alfredo Gomes, Silva Ramos e Ginásio Paranaense. Estudou no exterior: EUA e na Sorbonne (Curso Rolin). Diplomou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo. Foi aluno de Rocha Pombo. Foi redator secretário do “Diário da Tarde”, jornal dirigido por seu pai. Foi correspondente do jornal “Estado de São Paulo”, no Paraná. Figura na “Galeria Paranaense”, de Sebastião Paraná. Assim como figura nas obras críticas de Andrade Murici e Nestor Vitor e nas referências críticas do escritor Herber Wanhêrver. Jaime Balão Júnior se classifica como ficcionista e novelista.
A informação sobre a obra Seara Morta (1925) pode ser encontrada na obra intitulada Mensagem da Infância (1957), também do autor, a qual corrobora que Seara Morta (1925) foi escrita como desabafo sobre acontecimentos que marcaram sua infância, assim como a vida pública do pai. A questão contundente se refere à política que firmava o Paraná como um dos Estados Federados. Na citação transcrita, logo abaixo, o autor revela um dado importantíssimo que afetou a vida familiar e política de seu pai, Jayme Ballão, dizendo:
Ah! A revolução federalista! Quantas recordações e complexos afetivos, compensados, certamente, mas que me fizeram sofrer! Nunca me há de esquecer que meu pai foi mártir da revolução, mártir moral .
Na obra Memória da infância (1957), Jaime Balão Junior fala da amizade entre seu pai e o Barão do Serro Azul, do sofrimento do pai ao saber que a morte do amigo estava entrelaçada pela mesma escolha política que fez. Porém, para entender a fala do autor, uma retomada da história do Barão do Serro Azul se faz necessária.
Jayme Ballão, o pai, teria sido um dos batalhadores pela instauração da República brasileira, mas a república do Marechal Manuel Deodoro da Fonseca fez rebentar vários protestos, dos quais refletia a insatisfação dos Estados produtores brasileiros por serem obrigados a arcar com os Estados improdutivos. Dessa questão, entre outras revoltas espalhadas pelo país, insurge o separatismo sulista comandado por Gumercindo Saraiva. No Paraná Jayme Balão e Idelfonso Correia Pereira, o Barão do Serro Azul , figuravam como políticos paranaenses.
Gumercindo Saraiva, um dos chefes da Revolução Federalista (1893/94), invade o Paraná para seguir até o Rio de Janeiro. A ideia era derrubar a república. O governador foge do Paraná em busca de reforço para contra atacar os Maragatos. Enquanto isso, Curitiba fica abandonada e Idelfonso Correia Pereira assume o governo e negocia com o chefe Maragato, pagando dos cofres públicos, uma quantia exigida por ele, para não saquear a cidade.
A política, no entanto, teve seus entraves, Deodoro da Fonseca renuncia ao governo e assume o vice-presidente, Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro , cujos partidários se autoproclamavam “florianistas” ou ainda “legalistas”. O presidente, para firmar a república – demite os governadores da maioria dos Estados e prende os que fizeram parte do pensamento separatista ou insurgiram contra o governo federal. Nesta leva de sentenciados, o Barão do Serro Azul é acusado de beneficiar as tropas Federalistas dando-lhes dinheiro. Numa trama do Cel. Ewerton de Castro, o Barão do Serro Azul e mais alguns companheiros são chacinados na viagem de Curitiba até Paranaguá, onde embarcariam para o Rio de Janeiro para apresentar defesa perante o presidente da República. Jayme Ballão fugiu para o Rio de Janeiro, mais tarde foi preso e sem provas contra ele, foi libertado.
Segundo o site, que conta a biografia de Idelfonso Correia Pereira, por 40 anos o nome, a vida e os feitos do Barão foram proibidos de ser mencionados. E somente a partir de 1950 a história começa a ser vasculhada. Hoje, o episódio da morte do Barão é lembrado na história do Paraná como o massacre do Km 65. A mancha da recordação sobre o episódio, que aconteceu ao seu pai, permanece tanto na vida política, quanto na vida literária de Jaime Balão Junior, que expõe a lembrança sobre o evento trinta e dois anos depois de ter escrito Seara Morta e como desabafo, ergue a seguinte referência à obra:
Perdão há em Seara morta o retrato daquela melancolia, o diagnóstico sentimental de todas as deficiências criadas pela revolução. Aquelas paisagens, aqueles céus, aquela irradiação de leve vem a compressão do meio em que eu vivi, as incertezas, as perseguições, a fuga de meu pai para a Serra do Mar... 1893...1894...As grandes verdades ainda estavam na nossa frente. [...] Eis o perfil lapidado na minha infância que revive neste melindroso livro, não como o ouro do amor, mas como a mirra ardente da mortificação pelo pavor daqueles ares de agonia e morte. Falava-se em crimes, martírios e tragédias espantosas na Serra do Mar...Meu Deus, meu Deus, que vida sepulcral![...] tiros quebravam o silêncio das noites tristes. Crimes. Estupros. De tempos em tempos as vinganças reacendiam-se, violentas. Nas maçonarias havia conferências longas. Erguia-se a voz sonora e libertária do Sergio de Abreu, denodado legalista que pegara em armas contra a revolta, e servira como voluntário. Um arrepio de jacobinismo o arrepiara todo; palpitavam-lhe, em fogo nas veias! E o menino escondia-se de medo.
A partir deste relato e a partir da obra Seara Morta, entende-se um pouco mais o povo paranaense por meio das lembranças de um menino, que ainda com certo temor, percebeu os movimentos revolucionários que atingiram o Estado. Um tempo apreensivo, pois a própria autonomia estatal atuava em frentes diferentes entre República unificadora e Monarquia separatista.
Diante das produções e dos autores aqui considerados, percebe-se uma literatura paranaense que se diferencia dos parâmetros propostos para a literatura brasileira. Os autores paranaenses representaram, por meio da produção literária, uma sociedade preocupada com os caminhos da nacionalidade. Seja por intermédio de obras históricas a que se propôs Rocha Pombo. Seja pela crítica social e religiosa proposta pelo simbolista Dario Velloso, cuja forma de produzir corrobora a expectativa de que a produção de contos ou novelas paranaenses já apresentava em 1895, importante veio questionador.
A história pelo qual a família de Jaime Balão Junior suportou na perspectiva de consolidação de uma política justa para o Paraná, traduz-se na história de uma geração, cujo teor, muito pouco foi repassado para a posteridade, haja vista a proibição quanto aos fatos que marcaram a vida pública do Barão do Serro Azul.
Na busca pela história presente nas literaturas, no próximo capítulo, analisar-se-á as obras Seara Morta (1925), de Jaime Balão Junior, Chica Pelega: a guerreira de Taquaruçu (2000), de Aulo Sanford Vasconcellos e a obra Casa Verde (2001), de Noel Nascimento.
CAPITULO III

A QUESTÃO HISTÓRICA DO CONTESTADO NA ANÁLISE DAS OBRAS SEARA MORTA (1925), CASA VERDE (2001) E CHICA PELEGA: A GUERREIRA DO TAQUARUÇU(2000)

3.1 ANÁLISE DA OBRA SEARA MORTA (1925), DE JAIME BALÃO JUNIOR

Antes de se iniciar a análise da obra, se faz necessário esclarecer que a grafia da mesma é anterior à primeira reforma ortográfica da Língua Portuguesa brasileira que ocorreu em 1929, portanto, se respeitará a grafia que o autor empregou ao produzi-la e, com isso, será comum o aparecimento de consoantes dobradas ou o uso do ‘ph’ como ‘f’, assim, como termos do português arcaico. Sabe-se que o autor Maurício Vinhas de Queiroz trabalhou com uma edição da obra de 1959, mas a edição proposta nesta análise é de 1925, única encontrada.
A leitura e o contato com a obra Seara Morta permite o uso das sensações como elemento analítico. Se associada à pintura, certamente em conjunto às Searas de Van Gogh comporia além do último trabalho do artista: O semeador (1881), Campo de trigo com ciprestes (1889), A seara e os corvos (1890) e, por fim, a Seara Morta (1925) de Jaime Balão Junior estabelecendo uma sequência em que o trabalho de cultivo da terra altera sequencialmente sua paisagem. Embora Van Gogh trabalhe numa estética impressionista, que segundo o conceito de Arnold Hauser apresenta as características da não momentaneidade:
A representação da luz, do ar e da atmosfera, a dissolução da superfície uniformemente colorida em manchas e pinceladas de cor, a decomposição da cor local em valores de perspectiva e aspecto, o jogo de luz refletida e sombras iluminadas, os pontos sacudidos, trêmulos, a as apressadas, desconexas, e abruptas pinceladas, toda técnica improvisada com esboços rápidos e toscos, a percepção fulgaz, aparentemente descuidada do objeto. [...] uma arte de acordo com esse mundo não enfatizará apenas a natureza momentânea e transitória dos fenômenos, não verga no homem, simplesmente, a medida de todas as coisas, mas buscará o critério de verdade no aqui e agora do indivíduo .
Exatamente como pinceladas se concebem as narrativas de Seara Morta (1925). Um querer dizer, não dizendo. Um querer terminar, não terminando, deixando transparecer que muito mais havia a ser dito. O autor classifica a obra como Novelas de paisagens emotivas e almas humildes e foi dividida em dez narrativas, cuja ordem e subtítulos são: 1º. Quase um romance; 2º. Terra virgem; 3º A menina santa; 4º. Um drama; 5º. Rosa louca; 6º. Grandeza e decadência do Pinheiral; 7º. Philosophos; 8º. Meu bacharel; 9º. A grande mãe; e repetindo o título: 10º. Seara morta,
As narrativas apresentam o Paraná, com suas paisagens de pinheirais e de campos; suas gentes e os traços culturais de chimarrear, porfiar (fazer trova musicada com a viola), ou oferecer uma hospitalidade simplória, sem os rebusques de uma educação elitizada. Uma simplicidade que alude ao marasmo como, por exemplo, na atitude ao receber alguém em sua casa a personagem Orlandina de Quase um romance diz simplesmente: – “A casa é sua, arriscou a mulher, de cócoras, alisando palha seca de milho” .
Por outro lado, os conflitos socioeconômicos, principiando pelo corpo doentio e cansado porque “trabalhavam ali os pobres até morrer” e tendo diante de si a única riqueza da “choça de miséria resignada” rematavam em conflitos sentimentais que explodiam ante a monotonia do ermo quando o silêncio se transformava repentinamente num cântico de morte sob o ritmo monótono das tristezas, angústias e dores, opondo-se ao brilho do sol e da natureza exuberante oferecendo “as largas cachoeiras [...] numa symphonia de concordia e paz” .
O narrador observa e relata a paisagem e a vida daqueles sertanejos e, apresenta-se em apenas uma das narrativas como personagem. Nas demais narrativas, o narrador ora intervém, ora permite que suas personagens se mostrem, mas sempre fragmentadas, limitadas, com cuidado e mistério. As narrativas se apresentam de modo desordenado, as personagens transitam livremente entre uma e outra narrativa, sem, contudo, apresentar uma evolução. Ao contrário, às vezes uma regressão é percebida pela abrupta entrada da personagem de outra narrativa. Ocorrência que propõe outra forma de ordená-las. E assim faz-se conforme as palavras de SAMWAYS (1988) que lembram as características Futuristas cujo lema era desordenar a poesia, ou o texto.
Jaime Balão Junior vai além, desordena quase um romance ficcional e histórico. E o faz de tal maneira que são necessários quase um século de pesquisa para propor uma hipótese do que o autor pretendia, pois, quando contextualizadas ao Conflito do Contestado, as narrativas poderiam ser ordenadas da seguinte maneira: 1ª. Grandeza e decadência do Pinheiral; 2ª. Meu bacharel; 3ª. Rosa louca; 4ª. Terra virgem; 5ª. Um drama; 6ª. Quase um romance; 7ª. Seara morta; 8ª. A grande mãe; 9ª. A menina santa; 10ª. Philosophos.
A ordenação das narrativas de modo diferente busca o desenvolvimento da trama, a qual só pode ser observada quando se ultrapassa o limite de uma narrativa, transformando-as num complexo narrativo, por exemplo: primeiro percebe-se a demonstração do ambiente, depois, se percebe o ambiente sendo alterado a cada nova narrativa sobreposta até atingir o clímax do Conflito, então se suaviza numa linha decrescente.
Vejamos a proposta de alteração analisando cada brecha deixada nas narrativas: por exemplo, Grandeza e decadência do Pinheiral , a primeira narrativa, descreve o ambiente na beleza e a imponência da floresta de araucárias. Depois, paulatinamente a devastação vai sendo observada na descrição do narrador. A narrativa levanta-se como uma elegia, um canto fúnebre à terra dos pinheirais. “O pinheiro é solitário; debaixo de suas ramas há uivos e lutas, porém o rei palra com o silêncio” e junto ao pinheiro há outras árvores como “carobas, imbuias, timbós, cambarás, cornucheiras [...] e os paus raros de tinturaria” . São árvores raras, que:
uns americanos que andavam sedentos de dinheiro viram longe o pinhal e tiveram ímpetos ferozes: fundaram serrarias e fabricas de papel. O caboclo abria pasmado os olhos para as machinas novas; aquillo, era um inferno, um desastre, oitenta pinheiros comia – as serras num dia – um capão! Depois, era uma pura maravilha: o pinho entrava como saia da mata e sumia-se num mechanismo estranho de moenda e trituradores, cortadeiras, peneiras, o diabo! [...] Foi uma derrubada cruel; dia e noite trabalharam as serrarias. Os pinheiros iam caindo transformados em vil papelão .
A forma com que o autor empregou as palavras para relatar o momento do corte dos pinheiros constitui-se numa sinfonia poética com as terminações em /ia/: abria, serrarias, comia, saia, sumia-se, dia; em /am/: andavam, viram, fundaram, trabalharam; /eiro/ dinheiro, pinheiro; em /ão/: capão, papelão. Construindo o sentimento de tristeza do povo sertanejo observando a queda dos pinheiros e o trabalho das máquinas. O narrador assiste a terra transformar-se. Vê que “o homem semeou campos estéreis. Os animais desappareceram, as aves fugiram, seccaram as águas. O Iguassú corre lento, vagaroso, arrastado” . O “pinheiro real foi deposto pela serra circular dos estrangeiros” .
Partindo da hipótese de o narrador entoar uma elegia pelo desmatamento, pode-se traçar o início do trajeto da história do Contestado, no qual a devastação dos pinheirais foi o primeiro passo para construção da ferrovia. A data de início seria 1890, quando a estrada de ferro é iniciada pelo engenheiro Teixeira Soares, mas somente em 1906 os americanos assumem a construção e os pinheiros começam a cair pelas serras do americano. Nenhuma destas datas é citada pelo narrador, porém, são pistas, frinchas deixadas pelo narrador e que possibilitam a análise.
Depois de apresentar o ambiente e os primeiros sinais do desenvolvimento da narrativa, o narrador apresenta as gentes da terra. Portanto, a segunda e a terceira narrativa que abrem essa possibilidade são Meu Bacharel e Rosa louca . Nelas, o narrador apresenta o caboclo e seus problemas. Em Meu Bacharel convida o leitor a participar da frustração de um pai, fazendeiro, trabalhador e humilde, que manda seu filho para estudar na cidade grande, a capital de São Paulo. O ambiente é Pirahy, a estrada de ferro já é uma realidade, assim como o serviço postal também, pois o pai do bacharel recebe o primeiro “papelucho azul” trazido em casa pelo próprio telegrafista, contando a novidade da volta do filho. Os personagens são: o pai, Serapião Piedade, o filho, Antonio ou Tonico para os familiares, Nhô Quim, o negro Dito, dona Benta, o turco Nagib Assis, “todo vivendo de lucrar, de vender caro, de enganar os caboclos com bugiarias reles de S. Paulo” , e Marianinha de Menezes, ex-namorada de Antonio.
O sonho de formar um Bacharel na família e se livrar da humilhação, que lhe é imposta pelos homens da cidade se concretiza e o velho Serapião Piedade suspira ao dizer: “meu glorioso e bello bacharel em sciencias importantes ai vem” , mas o filho retorna com o canudo na mão, o anel no dedo, “perdido e tysico” . Antes, Tonico era “espadaúdo de pescoceiro de boi, mas ia, porém, se deformando no asphalto paulista em contato com a maldade e o alcool” . Depois de recuperar parcialmente a saúde, o jovem Bacharel participa de um julgamento. Bom orador, palavras bonitas, “barbaridade, tanta fala pra livrar o homem”, “os jurados pareciam estar num êxtase; nada entendiam” . Terminada a audiência as conversas giram em torno das coisas do campo: “a carreira de domingo, os gafanhotos na roça, o tédio” . As informações que desviam o assunto do campo são duas: sobre o circo Pepino: “Tibúrcio sem pressa já roncava, alquebrado pela melodia, amarguradamente no pistão, a marchinha sentimental – tão apreciada – das noites queridas do circo Pepino” . Nada haveria de interessante na informação, se a Companhia circence não trouxesse para a plateia, a história de um gaúcho cangaceiro agrupado em bandos semelhantes aos nordestinos. Outra informação que destoa do campo é a conversa de Mario Borba discutindo “as graves posturas municipaes (d)e atacar com selvagismo raro, certos impostos de uma iniquidade sem nome” .
As informações, aparentemente desconexas, refazem-se em sentidos, quando se retoma as causas que suscitaram a questão de limites entre os Estados de Santa Catarina e Paraná: os jagunços fanáticos na região do Contestado na primeira informação e a corrida na arrecadação de impostos na segunda informação.
A terceira narrativa, Rosa louca, é forjada entre a volúpia da carne e as consequências do adultério no sertão do sul do Brasil. Rosa se transforma na flor do pântano, segundo o falatório das gentes, erva rasteira, que embora flor, é planta vulgar, “germina em qualquer terreno, inclusive na lama e no esterco” . O ambiente é Campo do Tenente. A personagem Rosa tem 15 anos. Casou-se há um ano com o turco Chico Pinto. O trabalho de Chico faz a jovem esposa ficar só por até dois meses. Numa dessas viagens, um médico chega de São Paulo, pela via férrea Rio Negro-Serrinha, para clinicar e ali prosperara: “Tinha a fé na bondade humana e colhia dinheiro entre mendigos malgrado o horror da acção.” . Rosa não consegue evitar a paixão pelo médico, o doutor Claro de Castro Pimentel. Depois de alguns encontros, Rosa descobre que está grávida.
A novela permite o olhar sobre as convenções morais da aldeia. As convenções não são de cunho religioso. Também não são exigidas por lei. A necessidade de lavar a honra de um marido traído, não parte do sentimento de ciúme ou posse com relação à esposa, mas da comunidade que julga: “com rancor e execração havia opiniões decisivas: que o marido devia expulsal-a ou matal-a!” . A vila julga e ironiza até que a tragédia aconteça. A maledicência transpôs fronteiras da vila e foi parar na capital política do Estado: “Os insubmissos da capital sabiam da negra história [...] e atiravam frases como lascas de aço [...] Rosa Louca, vaes para o chôco”. Elemento que determina a classe social de Rosa, ela não era uma camponesa pobre. Sebastião Cardoso (coronel), o pai de Rosa, é um “typo ancestral a quem o governo servia de escóra e consentia que a própria filha andasse a passear com o médico” . O marido traído não pode fugir a responsabilidade de arcar com a resposta que a vila pedia. E depois do assassinato dos amantes, no paiol, o marido foi julgado e absolvido diante do “espanto do povo”. Quer dizer, o mesmo povo que antes julgava Rosa agora julga o marido. “O Estado vive da violência” diz o narrador ao volver os olhos para a tragédia e para o senso de justiça. E a roça não tem mais assunto.
As citações sobre o Contestado vêm primeiramente para expor o ambiente: o doutor viera pela via férrea de Rio Negro – Serrinha, sentido sul – a área contestada. Em segundo, pela voz do médico, numa expressão irônica quando diz que “anda(va) messianicamente fazendo o bem” , referência ao messianismo do monge José Maria, cuja ocorrência suscitava ironia e incitação à fraude para os que chegavam de fora. Em último, na voz do narrador, quando aponta os políticos “insubmissos”, aqueles que não estavam totalmente envolvidos com a República e as leis do Estado como o caso do Pai de Rosa. A “escora do governo” como no tempo da Monarquia.
A informação que faz a narrativa de Rosa louca venha depois de Meu Bacharel é a morte do personagem Nhô Quim. Na narrativa de Meu Bacharel, o personagem roncava durante o julgamento em que atuava o jovem Bacharel e, na narrativa de Rosa louca, foi morto pelos remédios receitados pelo médico impostor.
Em ambas as narrativas, o narrador coloca o leitor em contato com os vícios do campo e da cidade, de um lado o povo ignorante, de outro lado a fraude dos que se diziam estudados ou dados às ciências: o médico fraudulento, a justiça ineficaz, o político insubmisso e a cobrança de impostos. Desta forma, em narrativas de construção simples a partir de um par romântico e a tragédia ao final, o narrador aponta um ambiente que promove ligações entre as pequenas e as grandes cidades e as consequências negativas como resultado desse entrelaçamento. A passividade do camponês mesclado às nuances do progresso não se converte em vantagem, ao contrário, atrai a tragédia, para o lugar ermo. A formação acadêmica, que deveria dar os primeiros passos para ajustar a aldeia rumo ao futuro, esbarra na promiscuidade e nos vícios proporcionados pela cidade grande. Transformando, deste modo, o sonho do certificado em tuberculose. O doutor Bacharel não teve estrutura psicológica para enfrentar os perigos da cidade grande, enquanto o representante da cidade grande era uma fraude no campo.
Continuando a ordenação e análises das narrativas, agora se percebe a alteração do ambiente por elementos inseridos gradativamente até se obter o clímax trágico. Em quarto lugar, a novela Terra Virgem , apresenta, além dos caboclos, outras gentes: um cabo de polícia, um militar e um escrivão do crime, “baixo, gordo e estúpido” . Percebe-se também, a presença da etnia europeia contrapondo as gentes do lugar, por exemplo, quando cita a discussão na rua entre o policial e o polaco alcoolizado. O encontro é uma reunião de natal em casa de Manoel de Andrade, o Maneco, o que estabelece o mês de dezembro como data possível, mas não há o ano. Na festa compareceram: padre Lamartine; o Desgarrado “celebre nas Cavalhadas e torneios de desafio, intrépido como um tigre, viageiro de léguas e léguas, conhecia o íntimo do pinhal, os caminhos novos, os estratagemas usados nas lutas” ; o escrivão Casusa; o alemão Schimidt; Antonio dos Santos, o trovador; Dona Benta e outras personagens secundárias. Os detalhes sobre o conflito são comunicados na rápida conversa entre Tonico e Antonio dos Santos sobre o fato que:
mais de mil homens haviam feito cabaninhas de pau em torno de um bosque serrado, vagando pelo arruamento de arvores e arbustos, creanças e mulheres armadas; e terminou dizendo que ia haver uma guerra tão grande que as pedras de Curitybanos iam chorar sangue.
De acordo com Maurício V. de Queiroz, a construção das cabaninhas ocorreu em 1º de dezembro de 1913 . E conforme Jaime B. Junior, a conversa complementada pelas frases soltas ensejavam o trágico diante “dos gemidos e do choro do rio São João e os macacos e gralhas que uivam sinistramente” . Outras falas, parecendo espontâneas, dão o toque de assombro na voz dos habitantes “durma em paz que aqui não há justiça” ou “aqui se vive no perigo”. Na sequência, o padre Lamartine fala em solilóquio: “Bem sei que trago a caixa da vida arrebentada e ainda agora com as diabruras do fanatismo” . O termo fanatismo fala por si e estabelece a primeira analogia com o conflito do Contestado. Depois dessas insinuações mais concretas, a conversa toma o rumo comum dos caboclos: se discute o remédio feito de ervas ou das ramas das árvores. Dona Benta vai ao quintal buscar ervas para fazer um chá, enquanto os convidados estão “gosando as delícias do fandango” , quando ela volta, um crime aconteceu. Antonio é esfaqueado porque cantou uma “trova sarcástica e covarde” que não soou bem ao ouvido do criminoso.
A trama apresenta três personagens importantes para a próxima narrativa: o padre Lamartine, o alemão Fritz Schimidt, chamado de teuto pelo narrador e o Desgarrado, apresentado como um ótimo atuante das Cavalhadas . A informação sobre a festa das Cavalhadas desprende-se da narrativa para ser reconhecida em dois ângulos diferentes: o reconhecimento da cultura brasileira por influência portuguesa e a organização dos sertanejos contra a força legal. Na cultura brasileira, a Cavalhada consiste numa encenação de luta entre cruzados católicos (azul) contra os mouros (vermelhos). A encenação consta nas histórias do Imperador Carlos Magno e os doze pares de França que são os defensores do imperador. A luta de espada acontece entre os vinte quatro pares (doze de cada lado) montados em seus cavalos, trajados com o uniforme e espadas, adornadas com fitas, na cor que defenderá (azul ou vermelho). O público participa da luta representando as gentes a serem conquistadas pela fé, enquanto os infiéis (os mouros) são derrotados. Esta modalidade desportiva ainda é lembrada em Guarapuava - PR e Pirenópolis - GO. Ao mesmo tempo em que a narrativa propicia a viagem pela cultura brasileira, também prepara o cenário para outra luta, num ponto diverso ao da cultura: conforme cita Maurício Vinhas de Queiroz:
os pares de França [dos redutos dos fanáticos] se escolhiam entre os mais ágeis, os mais destros e os mais habilidosos no manejo do facão. Eram geralmente antigos praticantes do cotejo, uma espécie de esporte de esgrima popular em que muitos sertanejos se exercitavam .
A informação propicia o cenário do conflito, quando os sertanejos colocaram em prática, a partir da literatura, a estratégia de guerra do imperador Carlos Magno e dos doze pares de França, primeiro para se defender e, depois, para atacar a força legal. De acordo com a ordenação das narrativas, percebe-se que o ambiente vai sendo construído para uma luta maior.
Em Um drama , a quinta narrativa, traz o ambiente da cidade de Lucena . No desenvolver da narrativa, o narrador apresenta um ambiente com a musicalidade paranaense na voz de Mário, o cantador de trovinhas e do fandango. As personagens mariasinha e Jeremias formam o par romântico. O suicídio de Mariasinha é o cenário para que o narrador insira elementos importantes sobre o Conflito do Contestado como, por exemplo, a figura do exército em Lucena, quando descreve a cidade “durante um sítio militar” e também na concepção de Jeremias, havia “sertões ínvios, - a Serra de Santa Maria, no desterro, onde um monge curte a sua embriaguez demente” . Nas palavras de Jeremias, o fim do mundo ficava na serra próxima à colônia. Confrontando a expectativa sobre o que ocorria nos sertões, o narrador descreve o significado de pátria para o sertanejo, pois para Jeremias: “o Brasil - era Lucena” . Expõe o significado contraditório da liberdade conquistada por D. Pedro I no Grito do Ipiranga, estaticamente exposto numa “oleographia verde” na parede da casa da protagonista. Uma liberdade distante da realidade dos confins do sertão. O tenente fardado, inserido na aldeia produz falatórios, difamação e tragédia. Mariasinha difamada pelas constantes visitas do tenente á sua casa, perde o noivo Jeremias e, para provar sua inocência, se suicida. A música melancólica das trovas embala a morte de Mariasinha, e a “fanfarra do regimento ali estacionado para combater o fanatismo, choramingava no gramado da estrada” . Permitindo a partir dessas palavras, antever a proximidade da luta: de um lado os pares de França e de outro, o regimento do exército acampado em Lucena.
Quase um romance , a sexta narrativa, surge como o clímax das narrativas. Ambientado na cidade de Lucena, o mesmo ambiente de Um drama. Os diálogos, antes feitos por monossílabos, agora se avolumam se estendem e, embora as personagens não entendam a luta, se estarrecem diante do grotesco. O ambiente se cobre de um pessimismo e de uma ansiedade incomum frente a monotonia antes descrita. As personagens assumem ares de dramaticidade. O par romântico é Pedro Gomes e Julinha, são namorados e fizeram juras de amor eterno. O namorado demora-se a voltar para casa. Trabalha na estiva de Nhô Ito. O narrador descreve a simplicidade das vendas enquanto segue o caminho com o personagem: “o vendeiro sabe tudo; não há viageiro que não pare nunca à porta de uma venda para tomar distâncias dos pousios” . Pedro chega à venda a caminho de casa e ouviu que:
os soldados de ranchada organizavam excursões; uma luta entre fanáticos e a força legal começava a perturbar aquella zona, e ressoavam, as vezes, tiros que pareciam indicar o encontro com o inimigo, mui perto.
A conversa entre os visitantes da venda de Delarício Martins ressaltavam sobre os “cães que trocam a sua terra por qualquer mil réis” quando, de repente, conversa é entrecortada por perguntas sobre as Cavalhadas e o milho que está queimado por causa do inverno. Então alguém levanta a voz e diz:
Que frio qual nada! É acabar com isso! Isso não é brinquedo é mortandade, é barbaridade, é contra os direitos dos homens! – é como lhes digo: uma ceifa de gentes, como nunca se viu [...]. Que colham tempestades semeadas! O sulco do arado do mal é sangue.
A indignação aflora justamente pela ignorância de não se saber o que realmente acontecia nas entranhas das matas. O sertanejo é alheio ao conflito, pois “[...] ninguém ali sabe dos fatos sinão por calculos e imaginações [...]” . E quando tais notícias chegavam, vinha fragmentada, entrecortada ou distorcida pela ignorância do contador ou pelo ouvido do sertanejo não habituado às grandes reflexões e comumente a prosear monossílabos.
Julinha vai à venda e encontra o Schimidt e pergunta sobre a luta, o alemão responde que:
– De parte a parte, ha luta é grande; eu parei no acampamento.
– não viu ninguem morrer? Indagou a mulher.
– Vi; isso é uma barbaridade, as aguas vermelhas pulam de dentro do leito dos rios.
– E não soube si d’aqui morreu alguém?
– Não.
– Não soube nada?
– Nada.
– Nem do monge.
– Não.
– Mas porque esta briga?
– A questão é complicada: limites entre estados, religião e ignorancia .
A questão era complicada. Naquele momento o alemão cita três, os elementos complicantes: “limites, religião e ignorância”. Não citou a política, porque esta estaria envolta nas sombras dos lados dominantes. O terceiro elemento é o manipulável, a ignorância do povo. Julinha perguntou ao alemão quanto tempo levaria para chegar ao acampamento, ele responde que: “tres dias de viagem sem parar e caminhos onde mula não vara” , respondeu-lhe Schimidt e prossegue:
Você não se lembra mais quando em agosto, os bandos entraram aqui e em Papanduva, pelo morro do Taió? Com velhos patriarchas de grandes soiças? Pois esses fanáticos estão espalhados por ahi, invadindo, conquistando palmo a palmo, os reductos, nesse mato de meu Deus; o grosso acampou na Serra, homens do povo, descalços, creanças, mulheres e moças, velhos respeitaveis martiryzados pela chimera. Do nosso lado a caboclada está prestando um grande serviço [...] combatendo como feras, tendo morido às levas [...] .

Na citação sobre Papanduva e o morro do Taió se traduz a inteireza do assunto por parte do alemão. Conhecimento obtido se o personagem andasse entre os revoltosos. Mas o mais importante é a descrição dos fanáticos. O grupo não era composto apenas “de pés descalços”, havia entre eles, “os velhos patriarchas de grandes soiças e velhos martiryzados pela quimera”. Duas classes de homens respeitáveis: os patriarcas de grandes soiças e os martirizados. Duas classes sociais bem definidas: os fazendeiros importantes e os fazendeiros não tão importantes engrossando o contingente daquele grupo conhecido como posseiro e bandido.
Num outro momento, o padre Lamartine encontrou Schimidt no meio das “forças militares de assédio, desenhando mapas e entalhando artefactos toscos [...] vendo aquela figura alta, sadia do teuto como a traição, retornou para Lucena” . Lamartine questiona Schimidt se a posição dele “não devia ser entre as forças” , cobra do teuto a devoção à pátria num momento que a “pátria sangrava” e Schimidt responde:
– É um symbolo, como o cão era outro, para os antigos, e até a vacca.
– É a nossa honra, os nossos mortos!
– É uma idéia abstrata; a força é que governa o mundo.
– E a república?
– A república é uma prostituta; uma imagem.
– Então o fanatismo tem razão?
– Não há razão política no mundo: há uma convenção, interesse político!
– E as consequencias desse desastre?
– Alguns inventários!
Tanto o Schimidt, Lamartine e o Desgarrado são personagens dúbios, pois o padre ora está a favor da força legal e ora está a favor dos sertanejos. Se, era traição o que o alemão fazia ao desenhar os mapas dos redutos, então por que o padre se posiciona como contrário aos fanáticos? O fato de padre Lamartine perguntar se o fanatismo estava certo, soa o mesmo que apregoar a hipótese de que o fanatismo estava errado.
O posicionamento do colono alemão diante dos acontecimentos é frio e calculista, seu lema é “o trabalho fortalece e regenera” , demonstra ser trabalhador da terra. Sua estadia entre os sertanejos passa despercebida, pois “nem sentiam o contacto da mão operária do colono, a qual no começo, arrebanhando tudo, lhes causava [...] indignação” . Os mais humildes atribuem o sucesso do teuto como algo inexplicável, quase místico. O que os camponeses desconheciam, não estava visível nos olhos azuis do alemão e nem nos calos das mãos, pois as mãos do sertanejo também eram calejadas. O que não estava visível tinha séculos de existência: era o saber; a cultura; a herança da técnica do cultivo; a razão sobrepondo a emoção, ferramenta imprescindivel para domar a natureza e transformá-la em riqueza.
Ao contrário do europeu, o sertanejo nutria o respeito pela natureza. Conhecia seu poder. Envolvia-se e dela fazia parte. O respeito à terra devotada pelo sertanejo, diferenciava-se da técnica do europeu no manejo dos instrumentos, que fazia o resultado, independente da vontade da natureza: “O centeial dos polacos tinha, depois, aspecto de fartura alegre” . Diferenciava-se das garantias que o europeu conquistou tendo o mercado estrangeiro para vender sua produção e a terra legalmente comprada como mandava a lei . Diferenciava-se inclusive na própria concepção de verdade e lealdade. O alemão trabalhava e buscava seu lucro, seu sucesso. O camponês apenas vivia e sobrevivia. O sentido de pátria que conhecia era a terra na qual trabalhava.
Julinha é a heroína sem cavalo, sem manto, nem fitas, nem rendas brancas ou vermelhas, sem espada de prata, sem a determinação de lutar por um ideal de sociedade. Ela luta por seu homem, seu futuro, sua descendência, seu amor. O narrador segue a personagem enquanto ela busca Pedro. Estava com ela quando o medo devia sobressaltá-la, pois “tenebrosas eram as noites que ali se passavam” . Seu olhar ao redor só enxerga a escuridão onde as sombras se levantam. Ela sai em seus trapos. Busca o amado e ao encontrá-lo morto, preso ao pinheiro, toma igual caminho. O narrador aceita o sacrifício da heroína. E ao final, ele a coloca num mundo metafísico que, certamente seria melhor que o mundo físico, cujas práticas tinham o poder de matar.
O autor dá ao teuto a vantagem do discurso político, enquanto Lamartine cumpre apenas o religioso. Ambos, porém, condenavam a mulher perante a sociedade sertaneja. Lamartine pediu que a cabocla voltasse e o teuto deu-lhe o caminho para que seguisse. Quaisquer dos caminhos seria a perdição de Julinha. Viúva e sem casamento cairia na mesma desgraça de Mariasinha de Um drama, que abandonada pelo pai e a mãe doente, ficou à mercê da maledicência do povo da aldeia. Seguindo ao encontro do amado, poderia encontrar a morte. Diante de quaisquer desses desfechos, a melhor escolha de Julinha seria acompanhar Pedro, mesmo que a morte fosse o destino. A frieza do estrangeiro, quando bradou contra a República, contradiz-se no quase orgulho quando levanta dentre o povo escorraçado a heroína da tragédia: “Aqui só há um caracter: a Julinha que foi a pé, sem recursos, pedir a um coronel do exército perdão para o namorado” .
Dois outros personagens, ainda mais importantes que os bombeiros, são inseridos da história na ficção pelo autor. Estes têm seus nomes reais e função reais garantidos da história. São eles: o monge José Maria e a virgem Maria Rosa lembrados pelo autor, quando cita, por exemplo, “o monge José Maria, allucinado de ouvido, escutava, a cada momento, a voz de Deus que o ordenava a prosseguir na tremenda batalha fraticida” . O autor condena o monge e ao mesmo tempo diz que “havia nelle um poeta que sonhava” , condena a luta e condena o fanatismo, do mesmo modo, como condena as causas por ter “a infeliz gente, corrida pelos chefes políticos e exploradores, roubada pelo polaco, excitada pela cachaça” . Ele percebe que o governo é uma ordem necessária quando diz que “o patriotismo é uma realidade feita de ideal e não de ódio. É um sonho e não um crime” . Maria Rosa é vista guerreando ao lado do Desgarrado e depois “Maria Rosa, enfeitada de rendas e fitas vermelhas, morria nas tranquillas margens do rio Caçador” . Fechando desta forma o conflito do fanatismo com a informação de que “em Lucena soube-se que o fanatismo estava jugulado” .
Depois da narrativa de Quase um romance, cujos movimentos violentos e rápidos se encaminharam para o trágico, as quatro próximas narrativas trazem de volta, num movimento de mansidão gradativa, o sertão e o seu estado primeiro, quase na mesma monotonia e mesmice. As narrativas são: Seara morta; A Grande Mãe; Menina santa e Philosophos.
Seara Morta, a sétima narrativa, relata o triângulo amoroso entre Luiza Margarida que amava Chico Pinto, que era amada por Virgílio de Alencar, o poeta e fazendeiro para quem os pais de Luiza Margarida trabalhavam. A tragédia não ocorre por ciúmes, nem adultério, mas pela ignorância e truculência de Chico que mata a amada diante da recusa da entrega. Depois do assassinato, Chico se suicida. O subtítulo, Seara Morta, é a narrativa na qual se apresenta o tempo na descrição da paisagem que “reflete o tom de ouro dos prados já calcinados pelo rigor das geadas de agosto” . A “ponte negra de Iguassú” é a ponte construída entre União da Vitória e Porto União. Virgílio, depois de ver seu amor aos beijos com Chico Pinto e ver a seca acabar com as plantações, vende tudo, fazenda, bens, inclusive as próprias roupas e se propõe à vida solitária.
Dos monges? A pergunta fica sem resposta. Porém esta narrativa apresenta a vida do narrador. Ele se mostra para contar que esteve sempre muito perto do conflito. Agora ele observa ao longe o resultado da tragédia, mas o longe é perto o suficiente para enxergar a bandeira dos fanáticos, a solidão e o silêncio deixado pelo vazio de gentes trabalhando na Olaria, que:
[...] longe, longe piscam as luzes. Tristeza! Paz! [...] choças arruinadas. Mastros de S. João panejando às casaes ermos. Uma velha roda de moinho chora por detrás de uma olaria sem vida. Silencio! [...] nos dias de sol refulgia tudo, e a própria morte era boa, sonhadora .
A seara mostrava o seu lado triste depois da seca. O inverno cobria com seu manto de morte, até mesmo o imponente pinheiral se arcava ante a majestosa natureza, pois “açoutados pelos aguaceiros do inverno [...] o pinheiral vergava soluçando, verde-negro, verdecendo, serpenteava, triste. O campo da ceifa, farto de produzir, morria” . Seara Morta, o subtítulo, não é uma narrativa intensa, ao contrário, a tragédia é pano de fundo para apresentar o personagem filósofo que aconselhava Virgílio de Alencar. Trata-se de Magnus Sondhal (1918) . Esta é a única narrativa que traz uma data expressa, 1918 ao lado do nome de Sondhal, que pregava a plutometria ou a medida justa da produção e consumo ou o socialismo igualitário num momento que o capitalismo no Brasil já estava profundamente arraigado. A plutometria era pensamento de corrente positivista e libertária. Lima Barreto leu o catecismo baseado nas palavras do positivista Sondhal, assim como João do Rio compôs uma narrativa explicando o encontro com o filósofo no Rio de Janeiro na mesma época do autor de Seara Morta. Portanto, o que o narrador faz é ambientar os acontecimentos do momento com as correntes ideológicas contrárias: de um lado, o sistema socialista e igualitário de produção e consumo e consequentemente de riquezas. Por outro lado, o sistema de coronelismo e latifúndio, embora sob o regime republicano de bandeira positivista, ainda mergulhado no eterno vício herdado da Monarquia. Usando e explorando a República. Prática que tornou o sistema tão pérfido quanto o anterior: defendia o capitalismo e os meios de produção, por meio da técnica no plantio ou no trato de animais, alcançava níveis de produtividade e riquezas, cujos ganhos continuavam apenas para os senhores das terras.
A Grande Mãe, como a oitava narrativa, inicia-se a partir das palavras de Braga que diz: “Não conheces a lenda da nossa padroeira? Escuta”. À medida que vai explicando, as palavras revelam o sentido de que a padroeira ou a santa poderia ser a floresta e não uma fé ou religião, pois:
A cathedral em fogo, da floresta exelsa, santa, canta, explue e ama pela voz clara das aves e pela melodia das águas e, o vento que cicia na paineira em flor ainda é a paixão da terra. [...] e nos braços verdes dos pinheirais há uma litania de amor. A terra ama .
A sonoridade das palavras verseja sobre a paisagem, a grande mãe, por um momento, incorpora as virtudes e rudezas da natureza. O amor da terra é o amor que germina, faz crescer e depois mata. Mas a terra “ama”. Mais adiante, percebe-se que o narrador brada em prol de justiça numa invocação contra o céu injusto, ante o espetáculo funesto. As palavras são pronunciadas enquanto a igreja queima e do taquaral caem as cinzas que se levantam em “espira de fogo”. O narrador ergue a elegia ao “Céu azul lavado, de porphiro. Céu bíblico. Céu de Raphael. Céu abrindo em botões de oiro. Céu de faiança fina, de porcelana” . A catedral em fogo lembra o ataque em que a capela e as casas do último reduto foram incendiadas, porém a grande mãe natureza se transforma na visão de Mariasinha do Carmo “que está séria e assombrada, porque no seu sonho lhe aparece uma santa derramando estrellinhas do céu” . A santa é denominada Nossa S. da Luz, padroeira da cidade de Curitiba. Agora não são mais as palavras do monge a sussurrar nos ouvidos das virgens, mas a imagem esplendorosa num céu feito de porcelana, fino e delicado, que a qualquer momento pode quebrar.
A menina santa , narrativa de número nove, descreve a quietude do lugar. A protagonista “Chama-se Maria Pinto Ferreira. Pequena, pallida, cabelos negros, olhos profundos reflectindo a meditação da morte” . A menina se encontra em Florianópolis, mas é natural do interior de Santa Catarina. E no mesmo processo como ocorreu com a personagem Mariasinha do Carmo, de A grande mãe, tem a visão resplandecente da imagem de N.S. de Caravaggio, a padroeira de Florianópolis. A menina é “catholica fervorosa”, “usa uma fita encarnada”, faz milagres, curas milgrosas por meio de ervas como “cambará, pariparoba e caldo santo”. O que nos parece uma retomada das receitas formuladas pelo monge João Maria. A narrativa termina com o narrador dizendo, “chama-se Maria da Graça por antonomásia” , propondo possibilidades de análises, por exemplo: da Graça por ter tido a graça de receber o dom de ver a santa ou por paracer com as virgens visionárias do monge.
As narrativas de número oito e nove, além de oferecer a possibilidade de se perceber a religiosidade deixando fanatismo e retornando à Igreja católica, estabelece as duas capitais políticas dos Estados envolvidos no Conflito do Contestado: Curitiba e Florianópolis.
Por último, fechando as narrativas e retomando a rotina, inclusive na cidade, insere-se a narrativa Philosophos . Novela representando a vida distante do trágico. O ambiente é urbano, diferente das demais narrativas, cujo ambiente é o sertão. Reúne um grupo de intelectuais escrevendo uma novela. Do grupo, fazem parte: o professor Pimpão, uma arrumadeira negra de nome Brigida; Atílio Borba; Rosado; Pedro, o jornaleiro; o príncipe literário, Jayme Alencar de setenta anos; o gordo Pimentel e o doutor Oliveirinha. A trama se desenvolve apresentando a vida de Juracy Tavares, um jovem que frequenta hotéis, mas é diferente no modo de se relacionar com as mulheres. Ele foge delas. Ele “viveu no mato, entre pinheiros e imbuias, sósinho” . Juracy tinha medo de amar, porque “o amor mata e na vida é preciso ser insensível”.
O elemento que a insere por último é a morte do personagem Fritz Schimidt. Nesta narrativa ele é o teuto que trabalhava na “fazenda do Nhô Ito laçando touros, que criara-se no Matagal de Blumenau e tinha um defeito único: aprendera a negar sua pátria” . A mesma fazenda na qual trabalhara Pedro Gomes, o mártir de Quase um romance.
Seara Morta se levanta como desabafo perante as injustiças, ora climáticas, na qual a natureza, quase como uma deusa, ergue sua mão calamitosa tingindo a terra com sol e a chuva, com a seca e a geada. Sempre em medidas extremas prejudicando o trabalho do plantio ou da colheita. Ora comandada pela ignorância do homem, espalha sangue e violência por entre a mata, as colinas e os rios sem noção do fruto que irá colher.
A natureza e o homem se entretêm e se revezam na arte da destruição. O choque entre as diferenças étnicas se estende para o pensamento e as atitudes. O caboclo é um ser social, se compadece de seus iguais. Mas ao mesmo tempo em que necessita do seu vizinho, ele se transforma no obstáculo para sua vivência seja pela traição ou pela ironia quando levanta sua voz contra a personagem Rosa de Rosa Louca ou contra o jovem bacharel tuberculoso. O estrangeiro, às vezes, toma as dores do sertanejo e, às vezes, também se transforma num obstáculo ou numa agressão moral, principalmente quando analisa os pobres iguais aos animais.
A simplicidade de umas gentes que se contradizem, enquanto a seara colore-se e descolore-se de acordo com as estações de inverno verão e primavera, plantio, germinação e colheita. O camponês aguarda as fases de cultivo enquanto percebe a vida transformar-se no mesmo eterno ciclo do verde para o amarelo, da vida para o amor, do sofrimento para a morte. Os olhos azuis e as mãos calejadas de Schimidt destoam de Lamartine que apoia a República e do “Philosopho” que lê Plutarco em meio ao jardim às margens da ribeira. O amor de Julinha por Pedro destoa da sexualidade adúltera de Rosa, cujo apelido Rosa louca entrou morte adentro metaforizada em rosa, que embora guarde em si a essência e o perfume de flor, rasteja no banhado da luxúria. E enquanto o heroísmo de Pedro destoa da covardia de Chico Bento, a “villinha” destoa das cidades e dos algozes “mandões de caras abetumada impertinenciando sempre como creanças reineiras; e olímpico orgulho” para compor a harmonia trágica na paisagem verdejante.
A República era o símbolo da justiça, do progresso, da prosperidade e se transforma no monstro atroz que devora àqueles que incomodam. Os personagens vivem as diferenças e a maioria não entende o sistema político: Pedro Gomes, o simples trabalhador de estiva; o padre Lamartine e a sua consciência pesada; Fritz Schimidt, o estrangeiro em busca de trabalho e riqueza; Virgílio o intelectual que não servia aos moldes do sertão; os políticos que encontraram um veio de ouro verde entregando a terra para os estrangeiros; os negociantes de sobrenome Polonês que tentavam a vida do modo mais simples e honroso, diferente dos polacos que roubavam o sertanejo; fazendeiros que se aproveitaram de um sistema de governo que ainda não estava completamente estabelecido; os trovadores como Antonio Santos cuja modinha de viola não aplacou o mal da ignorância do sertão; Magnus o philosopho, escondido, sofrendo a ausência de um mundo ideal; Serapião Piedade, o pai do Bacharel, o sonho de justiça como bandeira desfraldada; Desgarrado, o bandido, o bom laçador, bom nos jogos, nas cavalhadas da cultura sulista, mas, ainda assim, estranho.
Às vezes, a sombra do mal não precisava ser a morte. Ela toma forma diversa, como de charlatanismo do personagem “Dr Claro de Castro Pimentel, alto, magro, manco e charlatão”; da cidade grande com os vícios como em Meu Bacharel; do crime como os advogados que ávidos em ganhar dinheiro beneficiavam os grandes senhores da capital; da justiça ineficaz que absolveu o marido que matou Rosa, que não puniu o crime de Antonio Santos, justiça que permitia a espoliação das terras dos sertanejos.
Enquanto os homens da política, das terras, e os coronéis eram os que, tomados da fúria gananciosa agiam contra si mesmos. Na voz do narrador, os políticos e os coronéis acenderam o estopim para “incêndio” que devastou a seara, pois:
Desde o começo da conflagação sertaneja, uma obsesão terrível atacava-os, alucinava-os, matava-os: a perseguição! Eram vampirizados, humilhados: o Bernardino, – escorraçado de Canoinhas, escorjando de dor, esfaimado, por uns miseráveis esfolacaras ervateiros, depois de perder um anno de serviço; o Jeronymo que entisycou, vendendo erva a credito para um polaco que o chicoteou, sem o pagar, no ajuste de contas; as prisões arbitrárias sofrida pelo bom Antonio Santos, calunniado, maltratado e roubado, por um grupo de polacos; a desgraça lamentável do Amancio. Com seu chapeirão de quatropancadas, beiçorro largo, a barba de oito dias, a pescoçeira queimada de sol e um embruxamento triste no olhar, assassinado de ranchada com outros innocentes, em quanto, coitados! Afogavam as maguas no calor amigo de uma pinguita; Ovídio Gomes, velhinho bom, a plantar o seu sebolo a correr o mato a pé, com o mesmo traje na roça do anno, a ouvir tantas queixas de violas, - vítima do odio feroz de Samuel Marcondes; o supplicio de Sebastião Pitanga, amarrado fortemente a uma velha caneleira, emquanto por detraz o feriam, o lanceavam nos lados, o estilhaçavam e açoutado até verter sangue em fio, por vender cancheada falsificada para um rico chefe de Canoinhas; o crime mysterioso do Padre Ruivo; do “Dente de Ouro” o homicidio do Euzebio, perseguidos pelos políticos e roubados pelos polacos e pelos turcos... O resultado fatal, assim, não podia demorar: a fogueira flammejava! A falta de garantia ao trabalho nacional e ao brasileiro, e as perseguições produziam o incendio .
A Natureza rija do sertão devorou o monge. Aceitou-o como sacrifício de sangue para aplacar a própria. A Natureza que antes tomava forma quase mística, no final de Quase um romance transforma-se na Pátria imaginária, sem os limites inventados pelos homens, pois “O sertão depois de cear o monge, devorava-o, allucinado [...] A Terra esculpida em patriotismo e amor, em heroismo e liberdade, com estrelas na bandeira verde e aurea, matava os filhos ignorantes, em nome da paz” . Terra, grafada em letra maiúscula, simbolizando o sistema político do que representava o Brasil naquele momento.
A obra Seara Morta (1925) mostra as pistas deixadas pelo autor para que se chegue à história sobre o Conflito do Contestado. São pistas analisáveis conforme exposto durante a análise da obra. Pode-se vincular a história, por exemplo, por meio dos personagens Fritz Schimidt e o Desgarrado. Ambos eram dois personagens dúbios que tinham a função de bombeiro das partes contristadas. O alemão, Fritz Schimidt era o bombeiro por parte das forças legais. Desenhou os mapas com os quais o General Setembrino de Carvalho conseguiu chegar aos redutos dos fanáticos e combatê-los. O sobrenome do personagem ficcional se aproxima do personagem real, pois Maurício Vinhas de Queiroz relata que:
(Walther Schimdt) Quando soube do fuzilamento de (Venuto Baiano), resolveu fugir de casa, disfarçado de fanático, usando fita branca no chapéu, a fim de encontrar as forças legais e entender-se com ela. Foi ele quem confeccionou os mapas cartográficos para a coluna Sul. Esmiuçava, para os oficiais de Estillac Leal, toda a história dos limites e dos fanáticos. Conhecia os chefes e os cabecilhas. Suas informações foram de grande utilidade para as forças da legalidade.
A citação pode explicar o entrave entre Schimidt e o padre Lamartine, afinal, quem era o alemão Fritz Schimidt, fanático ou sertanejo do lado das tropas legais? Embora o personagem transite em outras narrativas, a conclusão de que ele possa ser um bombeiro só acontece na narrativa de Quase um romance. O autor dá um desfecho para o alemão Fritz que morre nas margens do rio na narrativa de Philosophos. O personagem Desgarrado, como o próprio nome diz, era alguém que não tinha lugar fixo, andava de venda em venda e de festa em festa para fazer o trabalho de bombeiro dos fanáticos, pois a certa altura o narrador o descreve lutando ao lado de Maria Rosa.
Os nomes de Maria Rosa e do monge José Maria são os únicos nomes de personagens históricos que se encontrou dentre as narrativas. A história, segundo Maurício Vinhas de Queiroz, relata que a virgem Maria Rosa luta ao lado dos pares de França depois da morte do monge José Maria. Se o Desgarrado lutava ao lado de Maria Rosa, isto significa que ele era um dos pares de França, pois na ficção encontra-se os dois “atacando trez homens, [e] venceram-nos sorrindo”. Enquanto o Desgarrado fazia seu papel de bombeiro por parte dos fanáticos, a história conta que a virgem Maria Rosa pereceu numa luta próximo ao Rio Caçador. O autor de Seara Morta confirma a história quando revela que “Maria Rosa, enfeitada de rendas e fitas vermelhas, morria nas tranquillas margens do rio Caçador” .
Outro momento em que a história e a ficção se entrelaçam surge nos protestos contra a República, contra os coronéis e contra os políticos. O ambiente de Seara Morta é o Conflito do Contestado, as causas do conflito estão bem delineadas quando apontam, por exemplo, os políticos como:
Os canalhas do governo que em Curityba enchem a pança e abandonam os caboclos, os cães que trocam sua terra por alguns mil reis, os ladrões de todo gênero que comem o Estado à custa de bendengós infames e vendem as terras publicas por tostões para a camarilha de saque, enquanto um caboclo, a lutar a vida inteira, nem sete palmos de terra tem para se enterrar .
Maurício Vinhas de Queirós explica melhor a palavra bendengó usada pelo autor como alcunha aos homens que não roubavam a terra para si, apenas faziam o serviço sujo para a ”camarilha” na função da grilagem das terras. Peão ou agregados dos coronéis trabalhando para os políticos ou senhores das terras envolvidos na venda de terras.
Diante desses apontamentos, percebe-se que o autor, antes de qualquer estudo histórico a respeito do Conflito do Contestado, produz uma obra em qual entrelaça a ficção e a história. Ele revela também, a cultura e o viver da sociedade paranaense naquele momento. Indica o fadango as trovas, as lutas nas cavalhadas para o sertanejo mais simples e as leituras permitidas somente aos intelectuais. Descreve o sertanejo e o seu modo de vida e descreve o político e os fazendeiros. Expõe a miséria e a necessidade de um governo que realmente se preocupasse com o sertanejo abandonado nos confins do sertão. Propõe considerações convincentes sobre momento político da sociedade brasileira, no geral, quando confronta o ideal de república como sistema político e a politicagem como corrupção do sistema idealizado que se transforma numa “imagem esculpida”.
Seguindo reflexões sobre história e ficção, apresentar-se-á, nos dois próximos subtítulos deste trabalho, a análise de obras que se basearam em obras históricas, relatórios de documentos do exército, relatórios e processos judiciais, boletins da polícia civil e notícias vinculadas nos jornais da época para compor a narrativa ficcional. Segue, portanto a análise das obras Chica Pelega: a guerreira do Taquaruçu (2000) de Aulo S. Vasconcellos e Casa Verde (2001) de Noel Nascimento.

3.2 CHICA PELEGA - A GUERREIRA DO TAQUARUÇU (2000), DE AULO S. DE VASCONCELLOS

Chica Pelega - a guerreira do Taquaruçu é uma das bibliografias exigidas nos vestibulares das Universidades Catarinenses. O autor da obra, Aulo Sanford de Vasconcellos organiza-a em XXIV capítulos: I - O Capitão Palhares; II - Zinho da Chiquinha; III – A última festa da Ninica; IV – Uma habilidade Natural; V – Planos de casamento; VI – Gentlemen, these Lands are Ours ; VII - O Senhor Bom Jesus de Taquaruçu; VIII – O régulo contrariado; IX – Chica Pelega; X – A obediente retirada de Taquaruçu; XI – A gleba ocupada; XII – O vexame oficial no heroico chão do Irani; XIII – Os abomináveis corós de Jerônimo; XIV – Zé Biriva, o homem do laço e do raio; XV – Não eram óculos; XVI – Dinamiza-se o arraial de Taquaruçu; XVII – Uma ameaça de castração; XVIII – Emprenhou, foi trocado e apanhou; XIX – Um local de florzinhas silvestres; XX – Viram chispas de raio e sangue no chão; XXI – Desaparecem Jerônimo e Zé Biriva da Cidade Santa; XXIIA sumária justiça do Coronel; XXIII – A sequestrada; XXIV – O massacre de Taquaruçu.
A obra pretende ser um romance histórico, pois a estrutura e o conteúdo estão firmados em dados históricos sobre o Conflito do Contestado, por exemplo, nas datas (1912-1916) ; nomes de cidades, nomes de pessoas e eventos relacionados direta ou indiretamente ao conflito. Apenas algumas personagens têm nomes fictícios, embora seja imprudente afirmar quais nomes são históricos e quais não são, visto que as lendas alcançaram proporções indefinidas na concepção popular do que foi o episódio do Contestado e quem foram os sertanejos, os vaqueanos ou os feitores da estrada de ferro.
O narrador é Pedro da Silva, jornalista aposentado, que explica aos leitores seu fascínio pela história do Conflito do Contestado depois de ter lido uma obra que trata do assunto. Ele faz comentários pessoais a respeito do conflito que ele chama de “uma guerra tão feroz quanto burra” . A trama, construída sob a visão do autor, alcança a onipresença, visto que está em muitos momentos e lugares diferentes ao mesmo tempo e, enquanto mescla a história das lendas e da ficção, permite demonstrar nuances do pensamento catarinense sobre a tragédia do Contestado.
O ambiente da trama é próximo da estação Limeira. O tempo é 1910 , estabelecido entre a festa de inauguração de parte do trajeto da linha férrea até o seu término, em 1914 , com o segundo ataque do Exército Federal contra o reduto de Taquaruçu que, segundo o autor, o Tenente Coronel Aleluia Pires ataca e mata enfermos, mulheres, velhos e crianças, enquanto os guerreiros, sabendo do ataque, fogem para o reduto de Caraguatá.
A personagem principal é Francisca Roberta e algumas das personagens secundárias são: Zinho e Chiquinha - pais de Chica Pelega; Zico, o namorado de Chica; Ninica, irmã de Jeronimo; o Monge São José Maria; Zé Biriva; Jerônimo; Joaquim, o menino de deus; as virgens Maria Rosa e Theodora; os vaqueanos, os coronéis e políticos que permearam a história do Contestado e cujos nomes históricos são mantidos, embora em alguns relatos a visão do historiador e do escritor tenham interpretações diferentes, por exemplo, o Juca Ruivo, o personagem ficcional, na voz do narrador, é um régulo a serviço do coronel Francisco Albuquerque, “servil por natureza” . O personagem histórico relatado por Maurício Vinhas de Queiroz é um tabelião que parece ter atuado como emissário que “contribuiu para envenenar a situação” entre o coronel Albuquerque e o monge José Maria, pois quando o coronel chama-o para uma conversa, ele manda avisar o coronel. “que a distância era a mesma” . Assumindo, portanto, o autor, a contradição história/ficção em favor do coronel Albuquerque.
O narrador confirma o nome dos três monges: dois Joãos Marias e um José Maria de Campos Novos , embora a narrativa tenha sido construída enquanto o monge José Maria dominava os redutos. Mantém também, o nome do Frei Rogério Neuhaus, franciscano condutor da Igreja católica em Santa Catarina , assim como, os nomes dos principais fazendeiros e chefes políticos: de Lages (Cel. Vidal Ramos) , de Curitibanos (Cel. Henrique de Almeida), de Canoinhas (Cel. Albuquerque) e o Henriquinho Rupp, de Campos Novos. O Cel. Almeida e o Cel. Albuquerque eram adversários políticos na região e dominavam suas áreas com terror idêntico ao terror propagado pelos capangas da ferrovia, pois “cabia a ele (Cel. Albuquerque) conseguir meios de impedir a consumação da preocupante ameaça”. Percebe-se a acuidade do narrador ao transitar livremente entre os tempos do evento e da atualidade quando informa aos leitores, por exemplo, do acordo assinado entre os governadores dos dois Estados e o Presidente da República ou quando cita os Campos de Irani, município da região central do antigo Contestado que passou a se chamar Concórdia.
O autor elege a personagem Francisca Roberta (Chica Pelega) para heroína da trama. Chica é o guia visual do narrador para adentrar os redutos e construir o caráter das outras personagens. Filha única de uma família que vivia no vale do Rio do Peixe “desde 1875” e de onde foram espoliados pelos capangas dos feitores responsáveis pela guarda da estrada de ferro. Ela e a mãe, depois de terem a casa queimada, o pai, Zinho, e o pretendente Zico mortos pelos capangas, encontram o monge José Maria e “mãe e filha atrelaram-se à longa fila dos coletores de bênçãos” e rumaram para Taquaruçu.
Outros personagens importantes e de nomes fictícios são Caloceno, Dilzo Cabeção e Bocudo . Eles eram os capangas contratados pelo Capitão Palhares “para limpar de posseiros aquela área” . Os três capangas são responsáveis pelos estupros, pelas degolas dos trabalhadores e, “por manter a ordem espalhando o terror”. Ao todo eram “duzentos pistoleiros, sob a chefia de Palhares, (que) compunham a Força de segurança da Empresa Americana” enquanto a ferrovia era construída. Esses vaqueanos dominavam, inclusive, as localidades próximas à ferrovia. Agiam por conta própria e tinham carta branca do capitão para tal atitude. Capitão Palhares, na observação do autor, era um fantoche nas mãos dos administradores americanos, como podemos observar nas seguintes palavras:
Ah! O Capitão Palhares! Dito ex-oficial do Regimento de Segurança do Paraná. Esse era o homem escolhido a dedo. Vai lá, Palhares. E o Palhares ia. Conhecia as ordens no idioma inglês. Falar inglês não falava. As ordens, porém, sabia-as traduzir sem erro. Eu mesmo, há muitos anos, fui dono de um cão. [...] chamava-se Plutão o meu cachorro. [...] falar nunca aprendeu, posso isso jurar. Mas entendia as minhas ordens, sem erro. Ataca, Plutão! E o Palhares atacava. Plutão, essa fera mitológica do inferno. “Ataca!”, e o Palhares atacava de rijo. Rosnava, escorraçava, mordia, trucidava .
Homem igual ao cão, ironia que se transforma na ferramenta, num dos poucos momentos em que o narrador utiliza a história para acusar com veemência a participação do próprio brasileiro como corresponsável na tragédia. A mordacidade utilizada para caracterizar o personagem Palhares permite o olhar para as diversas afrontas, de ambos os lados, na questão de limites entre os dois Estados, PR e SC, enquanto o americano realmente se fez dono daquelas terras e com supremo poder pelo qual nenhuma afronta surgiu por parte dos dois Estados, afinal era o progresso, independente dos prejuízos, da ironia e das mortes. A perspectiva de espoliação está fundamentada nesta mesma construção irônica: de que o brasileiro se tornou um animalzinho de estimação nas mãos dos espoliadores americanos. Epíteto justificado pela ignorância, tanto cultural quanto política, pois o sertanejo nem ao menos sabia pronunciar o nome dos americanos.
Dependendo da sorte, aventou para si mesmo, talvez pudesse ser cumprimentado, inclusive, pelo próprio Mrs. Bishop em pessoa! – o “Sr. Bicho”, na pronúncia do povo rude. O Capitão Palhares – “ataca Plutão!” -, depois do honroso convite, saiu daquele escritório levitando, embriagado de glória. Mandavam-no rosnar, e mandavam-no morder. Então ele rosnava e mordia .

Pedro da Silva, o narrador, se mostra impertinente com a falta de estrutura da política brasileira naquele momento. Ele estende ao personagem Pallares a sua revolta, assim, como do mesmo modo atinge o comandante da primeira tropa paranaense enviada para negociar com os revoltosos. Conforme diz Pedro Silva:
Será que aquele Cel. João Gualberto, um oficial do exercito Brasileiro comissionado Comandante Geral do Regimento de Segurança do Paraná não dispunha ao menos de uma caneta à tinta para escrever dita ordem? Ou fê-lo de proposito, num bilhete à lápis no intencional intuito de explicar seu completo desprezo pela caboclada abjeta? [...] O Cel. João Gualberto, ali estava para castigar os invasores catarinenses em terras do Paraná. Porque aquilo nada mais era que uma preconcebida invasão do Paraná por gente de Santa Catarina. - Que vergonha coronel! - Que fiasco!
A imperícia do Coronel João Gualberto não se limitou a ter escrito a lápis, o bilhete pedindo para que os sertanejos se rendessem. A inépcia do Coronel sucumbiu com ele no campo de batalha juntamente com o corpo do monge José Maria. A ironia na reconstrução dos fatos históricos permite observar a sede de vingança dos sertanejos catarinenses contra a República e contra os coronéis que dominavam o Paraná e Santa Catarina distribuindo sua ira ao poder mais próximo. Por exemplo, contra os feitores, contra o capitão Pallares, contra o Cel. Gualberto.
Porém, sem ironizar e, cuidando ao proferir palavras no papel, o narrador revê a abrangência do poder dos coronéis sendo fragilizado pela presença de um líder ainda mais fanático que os próprios coronéis. Um exemplo é o Cel. Albuquerque, afamado por usar todos os meios para manter seu pequeno reino, segundo informa o narrador: “Corriam ainda certos rumores, e ele não os ignorava, sobre o seu mórbido costume de colecionar, numa caixa, as orelhas dos seus desafetos, acondicionando-as em salmoura” . Prática comum na Revolução Federalista, confirmando o envolvimento do coronel Albuquerque com o grupo dos maragatos.
O poder exercido pelo coronel é explicado pela falta da mesma estrutura política incidente em todas as regiões do Brasil naquele período. A monarquia e a República usam do poder perpetrado pelo coronelismo, como artifício para manter a ordem. A condição do coronelismo, como estrutura política, é atestada pelo narrador, pois numa referência anterior ao hábito de “cortar e guardar orelhas de seus desafetos”, o narrador quase abona os atos cruéis do líder político quando afirma que “até a chegada das tropas, fazia-se necessário prevenir-se de algum [...] ataque pelos desordeiros monarquistas”. Estabelecendo, nesta citação, uma contradição entre o costume dos maragatos e a ideologia republicana.
Num determinado momento, o narrador protege o político das maledicências dos lideres católicos, embora evite questionar o poder da igreja, ao contrário há alguma bajulação em torno do Frei Rogério Neuhaus “o artífice do Colégio São José, em Lages [...], pois, esse piedoso franciscano, ao tomar conhecimento [...] do monge João Maria [...] mandou chamá-lo” . Num único momento de questionamento, o faz por meio de escárnio para suavizar a preferência ou a tolerância pela maçonaria do Cel. Albuquerque. Numa atitude clara e determinada responde “quanto a ser maçom, ora bolas, e se ele fosse?” . Essa colocação relata a importância do chefe político naquele momento em Santa Catarina. Na concepção do narrador, pode-se dizer que a obra levanta dois personagens de igual importância: Chica Pelega, por ter levado o nome ao título da obra como a heroína da trama, e o Cel. Albuquerque por sua função determinante em proteger a criação do Estado de Santa Catarina.
A construção da personagem heroica promove a desconstrução da história e recria por meio da ficção a lenda calcada na coragem da mulher sertaneja. Das virgens que acompanham o monge, o narrador observa pelos olhos de Francisca Roberta, a função, a singeleza e o devotamento da virgem Theodora e da virgem Maria Rosa. Na construção desta rápida observação, percebe-se a proposta do autor em estabelecer a diferença de personalidade e de presença da personagem Francisca apagando o brilho da virgem Maria Rosa, nome que “Francisca Roberta ainda ouviria mais tarde, a repetição” .
No reduto, Francisca Roberta recebe a função de cuidar dos doentes e dos animais. Dom quase divino recebido antes do seu nascimento quando sua mãe “catou uns restos de carvão [que] seriam por certo restos da fogueira do monge” , portanto, dom tão divino quanto das mensagens recebidas pelas virgens, compondo, desta forma, a construção psicológica da personagem.
A tarefa de cuidar dos doentes e dos animais rende algum prestígio à Francisca, em agradecimento, ela ganha uma “espécie de matilha ou echarpe de lã forrada, felpuda como um pelego, a qual, atada ao pescoço, cobria-lhe os ombros e, caída em ponta, ainda uma parte das costas.” . A partir do uso constante daquele presente, Francisca ganha o epíteto “pelega”.
Caracterizada física e psicologicamente, o narrador completa sua obra quando avista a heroína galopar pelos campos e se avilta dizendo:
Eis que ali vinha Chica filha da floresta, arremetida, lançando o seu estridente e feroz grito de guerra, dos olhos jorrando-lhe chispas de raio. [...] Em disparada, com o corpo curvado, com o rosto quase colado à crina do seu cavalo, projetou-se por detrás das forças inimigas agrupadas e aí foi fazendo enorme estrago, golpeando de gume e de ponta com fúria desconhecida, com brutal energia provinda da fé. [...] Surgia como um anjo da morte, como um demônio sanguinário. [...] eis aí a mulher-centauro, a imagem viva de todas as fúrias .
Embora Francisca Roberta seja descrita pelo narrador como alguém de “fisionomia brutalizada e cabelos maltratados, transtornada cobrindo-se de vestes sovadas [...] formando um conjunto medonho” , ou ainda num outro momento quando a descreve “Chica esfarrapada, Chica ninguém” , na totalidade da obra, ela se transforma numa sertaneja que não carrega as características do povo desvalido dos redutos. Ela se distância assumindo as característica de uma amazonas ou quem sabe uma Anita Garibaldi no seu traje de guerreira federalista. Chica Pelega, a guerreira de Taquaruçu, luta de igual para igual com os caboclos e contra a República.
Diante da análise da obra percebe-se, como dito anteriormente, a retomada histórica mesclada na ficção. O cenário histórico torna-se núcleo principal da qual o autor introduz apenas alguns personagens fictícios e desenvolve núcleos ficcionais como é o caso da heroína Francisca Roberta. O autor faz esse trabalho participando ao leitor que a retomada histórica ocorre justamente pelo fascínio a que foi despertado depois de ter lido uma obra histórica. Durante a reconstituição da história observa-se o modo de falar do sertanejo e, vez ou outra, a cultura do povo sertanejo é lembrada e inserida. Entre elas encontramos o fandango e as trovas, revelando exatamente o objetivo ao que se propôs a obra, recontar a história.

3.3 ANÁLISE DA OBRA CASA VERDE (2001), DE NOEL NASCIMENTO

Casa Verde (2001) apresenta o conflito armado do Contestado numa confluência entre messianismo e a revolta dos maragatos numa revolução antifederalista, que buscava a separação da parte Sul do território brasileiro.  O propósito do autor, ao produzir Casa Verde constitui-se em mostrar dois lados dos fatos históricos mais importantes do Estado do Paraná: a concepção popular sobre o monge João Maria e, depois, a deformação do movimento messiânico, quando outros elementos indexadores de uma ideologia política separatista se uniram aos sertanejos.
A obra está dividida em dois livros: Livro I e Livro II. No livro I, o narrador se detém na figura do primeiro monge, João Maria e suas andanças. A morada do monge nas matas dá o título ao livro, pois ele “tinha como templo o universo, como altar, a consciência” e o “sertão é a casa verde, soalho de relvas, teto no céu. Nela os homens devem abrigar-se contra a miséria e os horrores da guerra. A casa verde é a sua casa e está sob a sua proteção” . Casa verde passa a ser a denominação dos redutos no decorrer da narrativa, sempre pela voz do narrador.
O Livro II está subdividido em XVI capítulos, nos quais a narrativa se ajusta ao tempo entre – “19 de Janeiro 1907” na festa de São Sebastião das Perdizes, depois de inaugurado a ponte sobre o Rio Iguaçu até “03 de Abril 1915, sexta-feira da paixão quando o Coronel Estilac Leal telegrafava ao General Setembrino, relatando o resultado do último confronto” .
O livro I inicia descrevendo o monge João Maria e seu modo de vida. O ambiente da narrativa é a cidade da Lapa onde supostamente João Maria fixava morada, na serra de Santa Emídia. Na medida em que a narrativa se desenvolve, o narrador acrescenta informações sobre a passagem deste monge por várias cidades paranaenses, por exemplo, “nos arredores de Guarapuava” , “serra do Morumbi entre Castro e Tibagi” , “em Ventania” e em “Ponta Grossa” . Depois, andarilhando em Mafra, Rio Negro e União da Vitória até chegar “lá onde as sesmarias se perdem de vista, a região contestada em litígio entre o Paraná e Santa Catarina” .
Para atestar a existência de que eram três monges e não apenas um como o sertanejo acreditava, o narrador observa e transcreve os boatos que o povo comentava e a confusão que faziam quando tentavam explicar sobre ele ter vindo “de Belém, na Galiléia de onde ganhou o mundo depois de perder a esposa chamada Aisha” ou quando disseram tratar-se de “um cidadão francês chamado Anastas Marcaf” ou, ainda, sendo confundido com “um espião argentino”. A figura inexplicável do monge constrange, pois “vivia noutro mundo, no mundo da fantasia [...] desejava a paz. Impossível desvendar-lhe o passado, melhor aceitar o que dele diziam” . Para o narrador, entretanto, as faces e a história dos três monges sendo João Maria, João Maria de Agostini e José Maria, são claras: o primeiro era contra qualquer violência, o segundo carregava uma bíblia e mesmo sem grande entendimento, lia para o povo sertanejo. Conforme as palavras do narrador, o terceiro monge chamava-se:
José Maria [e] procede de um contingente procedente das ilhas das Cobras, foi soldado do 4º esquadrão nº 71 do 14º regimento de cavalaria, trata-se de um agitador, homem de instintos guerreiros, verdadeiramente indomável, é um índio com talvez 58 anos de idade, estatura elevada, barba ampla, cabelos caindo sobre os ombros, magro, direito e natural de Bom Jesus da Vacaria, fazia parte das tropas de Juca Tigre, foi muito denodado e respeitado .
O falsário saíra da cadeia de Palmas por ordem do delegado. O narrador conhece a história dos arquivos do exército e da polícia, condena a fraude do falso monge, mas a inocência do povo o aclama imperador. Da mesma forma, percebe a trama de José Maria ao insuflar o povo com a história de Carlos Magno e os doze pares de França, enquanto lidera incólume.
A trama romanesca se desenvolve entrelaçando a história sobre o Contestado e um triângulo amoroso entre as personagens: a virgem Maria Rosa, Antoninho, um peão, e Deodato . O amor de Deodato por Maria Rosa não é correspondido e não conseguindo concretizá-lo, “magoado e despeitado, esposava a vingança” .
Eles trabalham na fazenda de Elias Morais o coronel “miserável que não sabe domar burro xucro, jogar o laço e não crê em João Maria” , mas era dono de muitas terras e, assim como “a república era chefiada pelo Cel. Albuquerque” , todas as terras e as leis pertenciam aos coronéis, pois “além dos soldados, contando com os Pires e os Coletes, o Cel. Albuquerque assalariava os capangas para destruir e arrasar Taquaruçu” . E ele não agia sozinho, dependia “dos Camargos, dos Marcondes, dos Araújos, dos Paulas, dos Gordos” . Ao citar os coronéis, além de comprometê-los com a acusação de estrategistas do movimento. O narrador ainda faz uma comparação entre quem eram os coronéis e quem eram os sertanejos, segundo suas palavras:
Aquele mundo de camponeses maltrapilhos - os pelados – jamais gozara de conforto, jamais tivera o prazer de contar com o prato cheio, com a roupa, e até, com o que fazer – abandonado, alheio a civilização. Coronel gordo e rico a viver das crias das vacas era considerado honesto e trabalhador, porém quem vivia das próprias mãos se via tachado de preguiçoso, vagabundo .
Com estas palavras o autor derruba o estigma de preguiçoso que o sertanejo carregava por não ter a terra para trabalhar, mas sendo o único trabalhador das terras dos coronéis. A importância do monge e dos coronéis se sobressai à heroína. Muitos personagens tiveram mantidos seus nomes históricos, assim como, eventos, documentos , cantigas, poesias e orações foram coletadas em arquivos históricos e entrevistas e inseridas por entre a narrativa.
O par romântico, Maria Rosa e Antoninho se conhecem na festa de São Sebastião em Taquaruçu, Deodato também estava lá, mas Maria Rosa só tinha olhos para a fé em João ou José Maria. Deodato é peão da mata, laça boi corre raia e ganha sempre. Na festa todos da redondeza compareceram. A trama tem por objetivo contar a tragédia da cidade de Taquaruçu, na qual pereceram mulheres, velhos e crianças. Segundo a visão do narrador, a cidade:
Taquaruçu nascera como uma greve, uma resistência, uma festa de espoliados. Homens e mulheres abandonavam os serviços nas fazendas, nas roças, nas matas, nas serrarias onde só recebiam vales que não chegavam para pagar os armazéns e das quais dificilmente podiam escapar, iludindo a vigilância da guarda especial.
De repente o arraial estava em guerra. O narrador não entende. Ninguém entende. Na cidade só ficaram as mulheres, velhos, crianças e doentes. Os jagunços e os sertanejos receberam o comunicado de que os soldados estavam por perto, então rumam para Caraguatá. O narrador recorre ao jornal dos Camargos em Curitiba para saber qual a opinião do povo longe do conflito, as notícias dizem que:
O povo observa e ri, pois acha impossível que tamanha agitação bélica tenha só por fim bater um bando de caboclos fanatizados e que, se armados terão quando muito armas do tipo primitivo, talvez caçadeiras e as vulgares pistolas de sertanejo .
Por meio desta notícia, percebe-se o desconhecimento da verdadeira causa daquele ataque. Causa que estava sendo arquitetada entre os principais das políticas estaduais e federais tanto em Santa Catarina como no Paraná.
No reduto, o narrador observa que Maria Rosa escolhe casar com Antoninho, Deodato faz uma emboscada e mata Antoninho. A virgem desiste de se casar. Logo depois, Deodato cansado de esperar pela amada, se casa com Conceição, uma negra fagueira e adúltera. A mesma Conceição que Dadá livrara ainda menina, das mãos de um coronel, porque sofria abusos sexuais. Mas “Deodato não perdoava fraqueza, não perdoava ninguém. Por qualquer falta, decretava a morte como castigo. Punia por prazer, por loucura” . Degolou Conceição e se casou com a viúva de Alonso. Depois disso transformou-se num terror contra os fanáticos, qualquer motivo ou nenhum motivo era punido com a degola ou a estaca. Os sertanejos começaram a fugir, voltar para trabalhar nas terras dos coronéis. As doenças invadiam os redutos. Maria Rosa, ainda estava abalada com a morte de Antoninho, mas a fé na volta do monge era mais forte, transformou-se na heroína escoltada pelos pares de França:
Apesar da epidemia avassaladora, persistia a resistência. Montada em seu vistoso corcel ornado de prata e veludo, de franjas e fitas, Maria Rosa ia à frente dos retirantes, escoltadas pelos pares de França e seguida por mais duzentos cavaleiros. Com seu vestidinho branco, castanha cabeleira caída aos ombros, era a fada da utópica revolução, a inspirar ânimo e coragem até aos mais infelizes .
A heroína morre ou, como se diz na fala do crente, “passa”, pois a crença na ressurreição ainda é a base de sustentação da coragem daquele povo. Deodato continua seu reino de terror. Enquanto isso, fora do reduto o exército, composto da guarda legal paranaense, guarda legal catarinense, exército nacional e os jagunços dos coronéis se posicionavam em várias frentes. O narrador assiste ao alvoroço e percebe a ingenuidade daquele povo para o ato que estava prestes a acontecer, observa a força do exército e narra que “O regimento formado defronte à igrejinha de sinos chorosos, houve missa campal. Frei Silvério abençoou as armas cristãs defensoras do regime republicano” .
O narrador expõe o povo catarinense e a igreja como coparticipantes do massacre, pois, “no fim, os padres acabam ganhando, pensava (Frei Silvério) com seu rosário” , mas a vitória parecia ter gosto de derrota. O narrador, atento às notícias, busca saber o que pensa as gentes que assistiram, ainda que de longe, à tragédia. E as notícias são que:
A hecatombe de Taquaruçu será em canto lúgubre, uma nota dissonante, um sudário, uma mortalha estendida em farrapos sobre as páginas da história brasileira. (Do Diário da Tarde, edição de 1º de fevereiro de 1914) capa de rosto do capítulo XI. Se os fazendeiros e seus jagunços exultavam, se os policiais contavam proezas, tal não acontecia entre os saldados. A notícia de uma estrondosa vitória corria o Brasil, porém não se vira uma batalha, antes uma chacina.
De acordo com o narrador, a divisão territorial já havia sido decidida na casa do Cel. Amazonas, antes mesmo do último ataque que resultou na chacina, porém, era de extrema necessidade manter a área em boas condições, limpa e sem revoltosos. Os exércitos atacaram em peso, divididos em quatro frentes, só sobraram os que tinham saído antes dos redutos e Deodato que conseguiu fugir, mas depois de perambular pelas matas acaba preso. Alguns anos mais tarde, quando tentou fugir da prisão, Deodato foi morto.
O autor não se conforma com a chacina, é com dor e tristeza que consagra as últimas palavras sobre a tragédia e sobre os sertanejos quando diz que “jamais seriam vencidos os pelados se até o fim fossem unidos” .
Após análise da obra de Noel Nascimento, percebe-se que o autor estrutura a narrativa na história documental sobre o Conflito do Contestado. As inserções de documentos servem como instrumento para provar a ingenuidade dos sertanejos diante do devotamento religioso num falso monge e a possibilidade desse falso monge ter sido arquiteto por mentes interessadas no poder que a República delegava. Os momentos em que o conflito do Contestado pode ser visualizado como continuação da Revolução Federalista se desfazem diante do poder político que os antigos maragatos conseguiram como líderes, mas, também, permite que se observem as desavenças entre esses líderes políticos como instrumento de manipulação dos sertanejos, dos fanáticos e dos empregados da ferrovia até que eles não sejam mais necessários depois do acordo, que ocorre também entre os fazendeiros e não entre os governantes dos Estados e o presidente da República como se perpetuou na história.
Partindo deste pressuposto, considera-se que o autor, ao reconstituir a história por meio da ficção, utiliza-se dela como núcleo maior e insere a possibilidade ficcional de um triângulo amoroso entre a virgem Maria Rosa, Antoninho e Deodato, que na história chama-se Adeodato e, assim, mantendo praticamente todos os elementos históricos, ele questiona a verdade histórica propagada através dos livros.
As obras, Seara Morta (1925), Chica Pelega: a guerreira do Taquaruçu (2000) e Casa Verde (1ª edição em 1963), produzidas com quase meia década de distância temporal se contadas as datas de produção sequencialmente e mais de sete décadas entre a mais antiga e a mais recente quando analisadas sob a perspectiva da comparação, conforme teoriza Tânia F. Carvalhal, apresentam particularidades, embora ambas se refiram sobre o Conflito do Contestado. O que se observa mais proeminente é a conquista da liberdade para que o autor se posicione cada vez mais audacioso, mais crítico, mais juiz da própria história. O autor em Seara Morta entrelaça a ficção e a história, na qual a ficção toma proporções maiores que a história e, assim, revela a cultura e ao viver do sertanejo paranaense daquele tempo com veracidade. Indica o fadango, as trovas e as lutas nas cavalhadas para o sertanejo, contrapondo as leituras dos pensadores intelectualizados. Contrasta as gentes da cidade e as gentes do sertão. As narrativas não abstem-se de contar todas as histórias, inclusive a urbana, Analisa a forma degradante em que o caboclo é obrigado a viver, “igual ao negro americano”. Percebe a mão grande do americano nas riquezas da terra. Descreve o político insubmisso, os fazendeiros e os advogados que ursupam as terras dos pequenos proprietários. Expõe a miséria e a necessidade de um governo que realmente se preocupasse com as gentes do sertão. Propõe considerações convincentes sobre momento político da sociedade brasileira, quando confronta o ideal de república como sistema político e a politicagem como corrupção do sistema idealizado que se transforma numa “imagem esculpida”.
O autor em Chica Pelega: uma guerreira de Taquaruçu, produz a obra a partir da visão do jornalista aposentado e retrata o sertanejo catarinense. Trabalha, munido da ironia como forma de defesa da liberdade em produzir. Ironiza movimentos e acontecimentos que os outros dois autores não assumem a liberdade de fazê-lo. A descontração do autor firma uma afronta, um sacrilégio contra o resultado do conflito. Mas não comete erros contra a história, é fiel, até mesmo quando ressuscita resquícios da impertinência do sertanejo contra os desmando dos capangas ou dos feitores. Observa o perigo do capitalismo ideológico sendo implantado. Conscientiza-se do mandonismo dos coronéis e se posiciona favoravelmente, embora faça algumas restrições. Não questiona o poder da igreja, ao contrário, há alguma bajulação em torno do Frei Rogério Neuhaus pelo incentivo à educação no Estado de Santa Catarina.
O autor de Casa Verde é circunspecto, pragmático. Seu posto de observação é amplo, vagueia entre os redutos, entre os casarões dos coronéis e até muito próximo de onde se elaboram os acordos e as decisões de ataque. Perambula pelos jornais em busca das notícias, dos documentos, em busca de provas para desvendar o motivo da tragédia. Com a mesma intensidade de questionamento, observa o agir dos monges, o falsário e o verdadeiro. Declara tacitamente a defesa em prol do sertanejo e declara oposição aos poderes constituintes. Revela a intenção gananciosa da igreja, a falta de escrúpulos dos coronéis. Revê o sistema político, a estrutura frágil do Estado Federal diante dos crimes praticados contra a República e sofre com a morte dos soldados e dos comandantes. Eleva-os como mártires tais quais os sertanejos.
Diante destas considerações e, conforme expõe a teoria de Jacques Le Goff, percebe-se que a revolta dos sertanejos foi uma contra-ideologia diante da ideia de progresso imposta pelo novo sistema político republicano. Assim como o massacre foi uma atitude de defesa da ideologia republicana frente a possível morte de um sistema ainda em início de consolidação. O estrato social composto de pequenos fazendeiros e trabalhadores da ferrovia não estavam preparados para as mudanças. As duas principais organizações sociais como a educação e a igreja não estavam preparados para interagir positivamente. A educação inexistia e a igreja se tornou peso pendendo para o lado mais poderoso. No entanto, o mais preocupante foi o discurso histórico que se propagou depois do massacre, pois faz repensar a “história estudo, a história realidade e a história ideologia”, quando o que se seguiu foi uma camuflagem dos verdadeiros motivos do massacre delegando aos fanáticos a responsabilidade pela própria morte, assim como carregaram o estigma de preguiçosos, briguentos, jagunços, bandidos quando na verdade outros elementos se inseriram no movimento fazendo renascer a sede separatista da Revolução Federalista. A cegueira em manter uma hegemonia política por meio do coronelismo fez os políticos brasileiros não perceberem o que realmente estava acontecendo no Sul do Brasil.



CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa proposta, no início desse trabalho, era encontrar autores paranaenses que tenham expostos, em suas narrativas, os conflitos sociais e políticos que permearam o tempo histórico do Paraná e ao mesmo tempo, sirvam de base para um estudo mais aprofundado sobre o romance paranaense. O questionamento vincou-se na necessidade de reconhecimento da historia paranaense por meio das literaturas. Iniciada a caminhada pela história, o Conflito do Contestado proporcionou o parâmetro da pesquisa. Porém, a proposta visa uma imersão na história da literatura paranaense para se estudar obras que oferecessem a possibilidade de representação de um romance sócio histórico com o tema sobre o Contestado.
A obra Seara Morta (1925) de Jaime Balão Junior apresentou elementos importantes à intenção de pesquisa, porém, apresentou também, dois obstáculos: o primeiro, a dificuldade de ajustá-la aos movimentos literários estabelecidos a partir dos grandes centros culturais e literários do Brasil já que retrata um ambiente que se aproxima do naturalismo determinista por apresentar as personagens destinadas ao fim trágico da morte, por estarem ligadas a uma terra que cheirava morte. Aproxima-se do regionalismo quando exibe personagens abandonadas aos desmandos dos coronéis e da dura realidade de um sertão composto de trabalho árduo e nenhum conforto, mas contrapõe-se a ele quando revela o lado urbano na mesma trama. Apresenta característica Futurista, segundo Marilda Binder Samways (1998) quando o autor se utiliza de um modo que desarticula a ordem harmônica do que consistiria um romance.
No entanto, segundo as considerações de Tânia Franco Carvalhal, a obra oferece possibilidade de comparação por apresentar um tema “lide e deslido” também por outros autores como Noel Nascimento e Aulo S. Vasconcellos sem trazer consigo o estigma de inferioridade.
Refeito este primeiro embate, o segundo, que veio a confrontar a realização da pesquisa ocorreu durante a leitura e análise da obra, que se apresentou de estrutura complexa. Neste momento as características futuristas, que estabelecem a liberdade de desarticular para compor o movimento e a sonoridade nas imagens e poesias, apresentaram elementos para nortear a análise de um texto não poético. Embora já se soubesse, no exato momento de iniciar este trabalho, que o futurismo estava envolvido mais em imagens, que em textos, e mais em poesia, que em novelas. Porém, na reorganização das narrativas percebeu-se que os elementos políticos, econômicos e sociais que antecederam e permearam o Conflito do Contestado estavam presentes na obra e foram inseridos de forma gradativa pelo autor. Proposta que garantiu uma leitura da história por meio da produção literária de Jaime Balão Junior.
O resultado foi positivo, na medida em que as narrativas puderam apresentar um desenvolvimento dos fatos concernentes ao fato histórico do Contestado, mas para desenvolver esta análise, não se considerou o limite de cada narrativa, ao contrário, com o trabalho de análise buscou-se a obra como um todo. Ter garantido o desenvolvimento dos fatos históricos referentes ao Contestado, não garantiu a harmonia na construção dos personagens, pois muitos deles transitavam livremente entre as narrativas assumindo papéis diferentes como é o caso de Chico Pinto: ele é o assassino de Luiza Margarida e se suicida depois de matar a amada na narrativa de subtítulo Seara morta e era o turco, marido de Rosa na narrativa Rosa louca. Da mesma forma, a personagem Dona Benta é a mãe de Antonio em Meu Bacharel em Pirhai e estava na casa de Manuel quando Antonio Santos foi esfaqueado na narrativa Um drama, sem que uma ligação ou desligamento fosse antecipado pelo autor. Percebe-se também que apenas alguns personagens apresentam um desfecho satisfatório, outros transitam e somem por entre as narrativas fragilizando a obra quando se busca a estrutura do romance histórico. A tentativa de classificá-lo como romance histórico esbarrou também nas características estruturais que permeiam o romance histórico, por exemplo, as datas históricas, personagens históricos, eventos históricos e a construção dos personagens históricos de modo explícito. Em Seara Morta não há datas, as datas estão camufladas nas estações do ano e no processo de cultivo da terra ou diretamente ligado à história. Os únicos personagens históricos são Maria Rosa, que a história conta como uma das virgens a assumir a liderança do reduto de Taquaruçu, e o monge José Maria. Outros apontamentos de pessoas ou eventos culturais, que assinalam o momento que o sertanejo e a sociedade paranaense vivenciam, são encontrados ou explicados fora da obra. Não se pode considerá-lo como romance, pois este exige a constituição de vários núcleos de tramas diferentes, compondo personagens que transitam entre uma trama e outra e que ao final, pelo menos o protagonista tenha um desenlace positivo ou negativo. Na obra de Jaime B. Junior, tem-se um protagonista para cada narrativa. Então, restou enquadrá-la à novela, que também exige mais de um núcleo com enredos diferentes, restando apenas a narrativa de Quase um romance com características suficientes para ser uma novela.
No entanto, a obra Seara Morta é muito mais que apenas a novela Quase um romance, ela se transformou num complexo narrativo em qual se pode observar que o autor não estava preocupado em compor um romance segundo a estética de quaisquer movimentos, embora a característica Futurista seja proeminente, percebe-se um autor preocupado em evidenciar os elementos históricos, socioculturais e político-econômicos de uma sociedade que se formava em final de século XIX e inicio de século XX.
Jaime Balão Junior, certamente figura entre os precursores da narrativa na literatura paranaense, assim como, observar-se á as produções de Dario Velloso e Francisco da Rocha Pombo como autores preocupados com o desenvolver da sociedade brasileira, haja vista a produção sobre a história e a preocupação com a educação. A obra de Jaime Balão cumpre a expectativa de uma obra vincada em demonstrar para a sociedade paranaense, que no Paraná as histórias foram contadas, resta agora a reverência às obras e a história.

REFERÊNCIAS


BALÃO JR, Jaime. A Seara Morta. Rio de Janeiro: Typografia Annuario do Brasil, 1925.

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2 comentários:

O mais profundo do eu disse...

Hoje, pesquisar sobre o assunto parece fácil, mas encontrar uma obra do escritor paranaense que recontasse o história foi difícil. além de Jaime Balão Junior, escritor que não alcançou prestígio justamente por mostrar a cara do brasileiro naquele tempo, temos também a obra de Frederecindo Marés de Souza, outro paranaense, cuja obra não se eleva pelo mesmo motivo, mas bastava um paulista, um carioca ou um baiano soltar um grunido e todos os olhos e ouvidos se voltavam para seus escritos. Durante a pesquisa encontrei jornais de época, jornais paranaenses, que anunciavam as obras de José de Alencar e, inclusive, propagandeavam sobre o autor. Uma lástima, já que os escritores paranaenses continuaram no anonimato

Anônimo disse...

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