"UBE Blogs"

quarta-feira, julho 06, 2011

A ESSÊNCIA DO SER: George Orwell e Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, sessenta anos depois

A ESSÊNCIA DO SER: George Orwell e Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, sessenta anos depois

George Orwell e Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, sessenta anos depois

George Orwell e Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, sessenta anos depoisTerça, 28 de Junho de 2011

por Acabra .Net

Por Jacinta Maria Matos, docento do Instituto de Estudos Ingleses da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Orwell publicou o romance "Mil Novecentos e Oitenta e Quatro" em 1949 Foto por D.R. Share

Comemorou-se a 8 de Junho o 62º aniversário da publicação do mais famoso romance de George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, obra que consagrou o escritor junto da crítica e do público e lhe concedeu o estatuto de celebridade mundial de que ainda hoje goza.

Sem dúvida um dos mais influentes textos político-ideológicos do século XX, a um tempo fenómeno de vendas e obra canónica da academia, inspiração de “reality shows” e leitura obrigatória nas escolas, influência assumida de músicos como David Bowie e objecto de inúmeras adaptações cinematográficas e re-escritas ficcionais, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro continua a ser uma referência incontornável no nosso panorama cultural e a ter uma indiscutível presença na própria linguagem do nosso quotidiano. Vale sempre a pena, portanto, revisitar a obra e refletir sobre as razões do continuado apelo deste derradeiro romance do autor.

Ninguém teria ficado mais surpreendido (e em certa medida desagradado) do que o próprio Orwell por esta fama que lhe aconteceu depois de morto se dever tanto a boas como a más razões. Com efeito, essa projecção de um futuro distópico em que o mundo se encontra dividido em três superpotências, permanentemente em conflito umas com as outras, e onde o estado totalitário exerce um controle absoluto sobre o indivíduo através de uma constante e rígida vigilância, foi sujeita a leituras abusivas durante a Guerra Fria, tendo sido popularizada como manifesto anti-comunista e utilizada como arma de arremesso do Ocidente contra o regime soviético. Deliberadamente ou não, ignorou-se que o pesadelo repressivo de Mil Novecentos e Oitenta e Quatro tanto deve aos princípios e práticas do Estalinismo e do Fascismo como às tendências potencialmente totalitárias que o autor detectava na sua própria – e supostamente democrática – sociedade.

Orwell, homem de Esquerda, não ficou indiferente ao inquietante cenário do pós-guerra, que lhe parecia prefigurar um futuro incerto para o Socialismo democrático que advogava. Mil Novecentos e Oitenta e Quatro reflete, assim, em forma romanesca, sobre muitas das preocupações do autor, já expressas nos ensaios escritos na última década de vida, e que agora assumiam uma particular urgência: a re-escrita totalitária da história, a manipulação ideológica da verdade, a relação entre a corrupção da língua e a apatia política, a multiplicação dos mecanismos estatais de limitação das liberdades individuais, a ameaça nuclear e suas implicações na divisão geopolítica do mundo, e muito em particular a influência das novas tecnologias na manutenção das velhas oligarquias ou na criação de novas.

Seis décadas volvidas, o alerta que o autor nos deixou sobre os perigos (sempre presentes) de uma aceitação submissa e acrítica da dominação tirânica é ainda, infelizmente, de grande actualidade. Num mundo em que a retórica política se reconhece facilmente como ‘duplopensar’, em que os novos media são mais omnipresentes que o ‘telecrã’, em que a evolução tecnológica permite formas de controle do indivíduo cada vez mais subtis e indetectáveis, existem ainda muitos Big Brothers que continuam a tentar convencer-nos que dois e dois são cinco. Orwell serve ainda, na ‘sociedade da vigilância’ em que vivemos, como modelo de denúncia dos discursos dominantes e de questionação das ortodoxias.

Um dos méritos do romance é precisamente o de nos ter fornecido uma linguagem e um vocabulário para podermos discutir publicamente estas matérias, discussão que Orwell pretendia extensível a toda a sociedade e não limitada às elites intelectuais, filosóficas e políticas. Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, em virtude da fama que alcançou, concretizou sem dúvida um dos propósitos orientadores de Orwell: o de promover o empenhamento e a intervenção crítica do cidadão comum na história, na ideologia e na política. Só deste modo, com efeito, podemos continuar a pôr em prática o que ele entendia como a melhor definição de liberdade: ‘ter o direito de dizer às pessoas aquilo que elas não querem ouvir’.

*Por escolha do autor este texto não segue o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa


Este artigo, copiado de um site português, revela o descontentamento a que estão sendo submetidos todos os falantes de Língua Portuguesa pela imposição da Nova Ortografia. Assim como a autora deste artigo, muitos brasileiros estão descontentes com a nova artimanha política na qual a língua se torna instrumento ao bel-prazer de suas convições, haja vista a inutilidade de tais medidas que visa apenas desconcentrar a memória intelectual ao focar regras desmedidas como Forma e Norma.