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quarta-feira, setembro 26, 2007

UM MITO SACRIFICIAL: O indianismo de Alencar na visão de Alfredo Bossi

Embora de forma não linear, Alfredo Bossi traça um paralelo entre a corrente do saudosismo europeu, caracterizado no romantismo pela retomada das figuras medievais, dos cavaleiros salvando suas donzelas e protegendo sua castidade enquanto defende o reino e seu rei, como as obras de François-Auguste Chateaubriand, Walter Scott e Xavier de Maistre nas quais identificamos profundo nacionalismo associado ao romantismo, chamado por Bossi como “historiografia romântica”.
É da necessidade em se criar símbolos nacionalizados para privilegiar a temática americana e incorporadas do elemento primitivo, visto a miscelânea de nações já instaladas aqui, destacando então, as diferenças do velho e do novo mundo, entre as quais: as paisagens naturais e frondosamente verdes e o índio ou ainda conforme Rosseau “o bom sauvage” que gera tal perspectiva.
Para expor seus argumentos Bossi faz um estudo das obras de José de Alencar em: O guarani, Iracema, O sertanejo e alguns cantos de Gonçalves Dias., detendo-se mais demoradamente sobre O guarani.
A descrição do “bom sauvage” que Alencar enfatiza tanto no feminino, como Iracema e no masculino, como Peri, apresenta o sentido de mito resignado e apaixonado, transformado em herói, forte, corajoso sendo rei da natureza e vassalo do amor da donzela e também subserviente ao senhor português. O mito se realiza pela força e coragem ao viver um amor que pode levá-los à morte ou ao abandono de suas raízes, tanto em Iracema que abandona sua tribo e segue seu amor, quanto por Peri que vê sua religiosidade colocada à prova em O Guarani. O paradigma da emoção sobre a razão valorizou ainda mais a beleza do elemento indígena dando-lhes aspectos religiosos e morais, a bravura e a pureza da alma nativa se tornaram fatores elementares para a formação de um povo puro e verdadeiramente brasileiro cujo aspecto mitológico só poderia ser conseguido através do sacrifício espontâneo.
O mito segundo Bossi é uma “cabeça de duas faces” na quais refletem contradições reais, uma olha para a história e tem a figura do colonizador como mediador da possibilidade em transformar seu servo em herói, e outra, a do próprio herói como súdito servil e bom, corajoso e forte, delegando à figura nativa qualidades que se contradizem, um salvo conduto para se expor em oposição a ela mesma em função de um bem maior: a formação lendária do Estado do Ceará em Iracema e Martim e do Estado do Rio de Janeiro em O Guarani de Peri e Cecília.
Tanto a figura indígena e a natureza exuberante estão simbolicamente representando uma nação livre do jugo colonial e da mazela que a invasão proporcionou. Bossi ressalta que não foi o povo indígena elevado à condição de herói, mas apenas, aqueles índios que juraram amar incondicionalmente a figura amada enquanto servilmente se sujeitava ao papel de colonizado, pois as demais populações indígenas eram inimigas, como os aimorés em O Guarani e os tabajaras/potiguares em Iracema. Esses exalavam a sua condição violenta, desumana e diabólica em contraposição ao cavalheirismo de D. Antonio e de Peri.
Alfredo Bossi dedica a Alencar o fato de trabalhar com o conceito de “atenuidade brasileira”, como uma forma de “não destruição das tribos tupis”, e sim para uma “construção ideal de uma nova identidade nacional”.
Enquanto que, G. Dias narra poeticamente as tragédias que o colonizador impôs ao índio e a colônia numa versão apocalíptica da destruição de tribos inteiras por quem ele chama de “velho tutor e avaro, cobiçoso da beleza de sua pupila, a América”. Bossi relata as diferentes narrações em que esse efeito catastrófico foi encontrado em outras nações latinas como se o povo latino profetizasse seu próprio extermínio.
E em outra análise, o resultante das visões sobre o nacionalismo atenuado de Alencar e o catastrófico G. Dias reside no fato de: Gonçalves Dias ter vivenciado “tensões locais anti-lusitanas que vão de 1822 à revolução Balaiadas”, enquanto José de Alencar desfruta dum momento político menos conturbado, pode agradar as jovens leitoras, que, culturalmente contaminadas pelas modernices européias curvavam-se diante das historietas amorosas.

Por: Regina Chaves
Unioeste/Cascavel/2006

O GUARANI

Um dos maiores clássicos da Literatura Brasileira, a obra Alencariana, “O Guarani”, configura-se num contexto de reivindicação de uma autonomia à produção genuinamente brasileira e como tentativa de historicização da formação da raça que cá habitava, mesmo que hipotético.
Buscando um passado mítico para conferir consistência à criação de um herói, “O Guarani” de Alencar é a representação do genesíaco, congregando elementos que acenam fortemente à construção do mito de caráter endêmico, ao mesmo tempo em que encena a evasão temporal na retomada de valores medievais.
A partir da obra e da adaptação cinematográfica desta, percebemos uma serie de elementos que se interceptam, bem como os aspectos que se distanciam.
Vale começar pelo papel da natureza explicitando nas duas composições: ao passo que no filme, esta figura como simples pano de fundo, na proposta de Alencar ela é concebida em toda a sua dinâmica mítica, expressando a idéia de gestação e origem de todo um povo. Confere-se grandiosidade aos cenários naturais na acentuação da cor local que distingue o Brasil, naquele ínterim do restante do velho mundo, que conhecendo de tal forma majestosa, o homem a integra harmoniosamente não é destacado no filme.
Um ponto interessante a ser analisado e que pode justificar a desimportância dada à natureza no filme, que parece primar pelos conflitos produzidos no interior da casa de D. Mariz: Álvaro X Loredano, Loredano X D. Mariz, Isabel X Cecília, Portugueses X Aimorés, com exceção das cenas representando o embate entre Peri X Loredano, Peri X Aimorés. Sugerindo maior importância à construção portuguesa, realçada pela bandeira exposta no alto das muralhas, que lembram um castelo medieval, com suas colunas, corredores e portões pesados. Ao ponto do filme mostrar reverência por parte dos aimorés, ao“imago mundi” português, no momento da invasão.
É a descrição do rio Paquequer e do rio Paraíba que principiam a obra literária, no filme a grandiosidade do rio surge apenas no final, simbolizando o grande dilúvio mítico cristão apresentado na obra como um ritual de nascimento da nova nação.
Na obra mais do que um recurso natural, tais rios são antropomorfizados: o próprio Paquequer é a representação de uma hierarquia medieval, quando de sua atribuição de “vassalo” do Paraíba, seu suserano. Este cenário nada mais é que a descrição simbólica da relação colonizadora X colonizado, porém esta relação natureza/ índio e índio/ português, exprime a inferioridade do colonizador diante da robustez e valentia, da harmônica integração. A inferiorização do estrangeiro concorre para a absorção do elemento constituinte da nova geração, num simbólico ritual quase antropofágico: marcado pela escolha da mulher frágil, dócil, européia e perfeita, e do homem forte, corajoso, dominador das forças da natureza, selvagem e perfeito.
Na obra, Ceci é a representação da fragilidade, candura e inocência da mulher, o que compactua em certos momentos com o retratado no filme. Isabel, por outro lado, é a figuração da exuberância, da sensualidade e da "malícia" na visão alencariana. Tais figuras tecem um pano de fundo maniqueísta, estabelecidos por um contraste que também aparece em Álvaro e Loredano.
No filme esse maniqueísmo entre Cecília e Isabel é negativamente mais acentuado para Isabel, desde o inicio, que desempenha um papel de dama de companhia de Cecília, refletindo outra relação: a hierárquica. Na literatura essa relação é atenuada pela relação de proximidade desenvolvida ao longo da história, na qual Isabel primeiramente é prima, depois amiga, e finalmente irmã.
Seguindo as relações dualísticas, Alencar atribui características cavalheirescas à Peri, separando-o de sua tribo, e impondo-lhe a responsabilidade de proteger o seu novo senhor, D. Mariz, numa relação de fidelidade de um, e dependência do outro. Este é um aspecto comum nas produções. O bom selvagem honra seu senhor trocando cortesias e devotando-lhe dedicação. No filme, porém, Peri tem sua altivez atenuada para total e completa resignação à Cecília, diferenciando-o do personagem de Alencar, que, embora adorando Cecília, preza sua liberdade, e sua religião e sutilmente nega os valores cristãos, expondo suas crenças à amada, mesmo depois de batizado, que se vê seduzida pela “inocente superstição”. A força hercúlea de Peri na reformulação do mito grego também é ignorada na produção do filme.
O amor á Cecília por parte de D. Álvaro e a de devoção de Peri á menina, estabelece entre os cavalheiros, uma relação de cumplicidade, na empreitada em defesa da frágil donzela, resgate característico dos romances de cavalaria.
O bom e o mal estão bem marcados no embate entre Peri e Loredano, aspecto comum tanto na obra, quanto na película, Loredano assume o papel de ex-cristão, criminoso, relapso das afabilidades dignas dos fidalgos, enquanto Peri é o selvagem aculturado, o “D. Cacique”, titulo dado a Peri por Loredano, pela sua virtude, lealdade e disposição a doar sua vida em proteção à sua amada, enquanto Loredano, que se contrapõe a Peri, nutre por ela um desejo de posse, que se não obtido seria capaz de matá-la.
Também entre D. Mariz e Loredano a dualidade é manifesta pela oposição hierárquica, conquistada pelo respeito e autoridade demonstrada pelo fidalgo português, e comprada com a possibilidade de riqueza por Loredano, no conflito o bem vence o mal.
A primazia dos elementos religiosos, presentes nas duas composições têm seu valor acrescido na produção cinematográfica em dois momentos: nos adereços das grandes cruzes usadas pelos personagens que ao mesmo tempo lembra as cruzadas e a bandeira de Portugal, e pela evocação à inquisição no momento em que Loredano é castigado, amarrado a um poste e queimado na “santa fogueira”, sob olhares, que observam o mal sendo desraigado do meio puramente cristão, sinalizando o ritual de passagem para um novo recomeço, sem os pecadores. Colocando nesse ritual, talvez a principal contradição entre as composições, já que, na literária, Alencar representou essa mudança pelo ato diluviano.

Por: Regina Chaves e Suellen Borges
Unioeste/Cascavel/2006

segunda-feira, setembro 24, 2007

Levantado do Chão

Dono de suas próprias regras, o escritor José Saramago tornou-se alvo de críticas, entre as quais, as mais pulsantes são: ateu e narcisista, porém “polêmico” exprime a real essência do autor. E assim o sendo insurge contra ele infinitas conjecturas.Para nós, todavia interessa não a comprovação de quem na realidade é Saramago, mas a essência de que é composta tal sensibilidade.José Saramago se considera e é considerado ateu, entretanto em suas obras observamos a busca do homem pela verdade absoluta. Uma busca que às vezes se satisfaz com a contemplação sobre evidências da existência de uma “mente poderosa” ou um “ser superior” responsável pelo projeto meticulosamente articulado na elaboração das belezas naturais. O contato com o florescer dos campos e a paisagem inesgotável da natureza, a qual “sobrevive às intempéries do homem”, o fascina ao ponto de: ao descrevê-la deixar que percebamos a ânsia do narrador diante do inexplicável. Às vezes o percebemos decepcionado quando se contradiz apelando ao tom ironizante, quase jocoso ao reavaliar a historicidade do homem frente à sua religiosidade.Porém entre uma e outra sempre nos surpreendemos com os apelos sutis às intervenções divinas em defesa dos enfraquecidos quando subjugados por aqueles que são adeptos do “Plutonismo”[1].Expressa em suas obras, provavelmente devido ao dualismo e aos questionamentos considerados por alguns críticos como sendo um “barroquismo”, o homem angustiado frente às ideologias, fraco quando empunha suas bandeiras em suas lutas sem vitórias. Fragilizado, quando percebe a força maior que move as circunstancias e em cujo movimento ele “homem escritor e modificador” se vê incapaz de operar a transformação necessária.É o homem diante da sociedade da qual se sente responsabilizado, culpado, criador. Mundo no qual Criador e criatura se debatem e esta toma forma superior que o próprio criador. Isso o aterroriza e o fascina, e neste momento surge o “escritor poeta” sensibilizado e enfraquecido tomando para si a responsabilidade de se fazer ouvir, e então, busca forças na religiosidade como respostas para a restauração do mundo. E não as encontrando blasfema, avilta um Deus que permite o sofrimento, questiona “até quando?”, como se pudesse apagar o mundo e começar novamente dum modo melhor.Para explicarmos essa nossa teoria, encontramos em suas obras frestas e janelas, que em algum momento são visualizadas do lado externo, as quais o narrador percebe as “frinchas iluminadas”, e através delas espiona os fatos, e em outros momentos, do lado interno, como observador do mundo em que os personagens estão inseridos. Talvez essa seja a maneira que o autor encontrou para tomar parte das narrativas tramadas pelo narrador e elaborar a narrativa nos parâmetros filosóficos comumente empregados por ele.Por exemplo, na obra “Levantado do Chão” o narrador qualifica as personagens como pessoas rudes, vejamos: “Facilmente se vê que é uma conversa de pobres, (...) e falam dessas coisas de pouca substancia e nenhum vôo espiritual (...) isto é gente rude” (p 52). Porém ao longo da narrativa introduz um “meio sábio” (p 81), isto é uma “frincha” na qual o autor possa transitar disfarçado de personagem narrado pelo “homem criador de mundos”.Ainda na p. 81 de “Levantado do chão” encontramos um acontecimento atmosférico presenciado pelo povo Alentejano e no qual o narrador se transmuta nesse “homem fazedor de mundo”, e isso pode ser percebido na entonação diferenciada da narrativa, vejamos: “A terra vai acabar, ou enfim começar”, “já não era sem tempo”. Com certeza não há apenas um narrador, há dois: o autor e o narrador, de comum acordo conjeturando filosoficamente a melhor solução para o impasse da humanidade, “a possibilidade de recriar a terra”.Saramago liberta o homem escritor e deixa-o interagir nas produções do escritor, sem, contudo desqualificar sua obra, pelo contrário, criando possibilidades, abrindo horizontes ao subverter normas.É um novo caminhar da literatura. O jeito de escrever como se conversasse com ele mesmo. A analise de fatores sociais que interferem e ao mesmo tempo são propulsores da história do homem. Ao questionar atitudes, trata de assuntos sociais históricos que revelam o ontem como se fosse o hoje, são características inerentes de um escritor que não está preocupado com a crítica, mas com suas próprias convicções e com seus ideais de sociedade.O posicionamento ateísta de Saramago pode ser contestado porque Deus está muito presente em suas obras para que ele o negue completamente. O que ele faz é discutir polemicamente as doutrinas cristãs e o comportamento daqueles que se dizem “nomeados por Deus” para salvar as almas. E, que, ao contrário disso, usam do poder para se abastar de numerários e viver confortavelmente. Discute as vias tomadas pelos dogmas da igreja que se distanciam da obra de um apostolado verdadeiro, convertendo-se em intenções que levam uma igreja a se fundamentar nos milagres em troca de favores reais.Por exemplo, em “Memorial do Convento”, no qual estaria garantida a descendência real em troca de ajuda para construção de um mosteiro, ou as atitudes fornicadoras dos frades ao abusar de Blimunda, (Memorial do Convento, p 345). Ou ainda da caracterização do padre Agamedes em “Levantado do chão”, o qual estava mais preocupado em angariar seus donativos junto aos latifundiários do que trabalhar na obra de Deus aliviando o fardo daqueles trabalhadores desgraçados.Um outro elemento bastante questionado por José Saramago é o preconceito do qual sofre a mulher na sociedade patriarcal. Isto está evidente em: Sara da Conceição, que se arrasta numa vida miserável na esperança que João Mau Tempo se livre do gosto pelo vinho, se estabeleça e trabalhe na profissão de sapateiro para sustentar a família. O que não acontece. Ou o luto imposto à mulher virtuosa que morria para a vida no momento que perdia seu marido. Ou a própria Blimunda, que mesmo tendo uma atitude diferente das mulheres da época, não é respeitada nem pelo frade, depois de perder seu companheiro. Nem mesmo a realeza escapava dessas convicções machistas, pois a rainha D. Maria Ana expõe o sofrimento da primeira noite de uma mulher casada para sua filha, a princesa D. Maria Bárbara (Memorial do Convento, p 307).Tanto em “Memorial do Convento” como em “Levantado do chão” Saramago discute o rumo que o “progresso” das grandes invenções tomaram, e como afetaram o caminhar de uma sociedade que já se encontrava capengando diante da ganância daqueles que detém o poder. Não é um olhar novo ou único, contudo ganhou uma roupagem diferenciada quando tratada lá no princípio e na perspectiva de que o leitor repense a expressiva evolução a que ele chegou e os danos maiores que causou. Ele mostra apenas um fragmento, contudo nosso poder reflexivo nos faz ir muito além, até nossos dias.Quanto à alcunha de “escritor narcisista”, Saramago foi amplamente defendido por Massaud Moisés sob o argumento de que um escritor impregna sua obra com as experiências do homem social. E que ao se expor ele busca a aceitação primeiramente dele mesmo e depois e só depois do restante da humanidade, isso faz com que todos os escritores tenham um quê de narcisista, e nem Saramago poderia escapar dessa sujeição.[1] Plutocratas: pessoas que fazem parte de um grupo no qual a influencia e o poder são obtidos através do dinheiro.

Por: Regina chavesCascavel/2006

quinta-feira, setembro 20, 2007

A GUERRA DO DESPREZO

– POR JOSÉ SARAMAGO
Seção Atualidades do jornal virtual Historianet em 04/06/2000

Ainda vai demorar um pouco para que os jornais registrem, mas parece claro que o quadro político internacional está evoluindo com rapidez, nas últimas semanas - e as mudanças não são em benefício dos neoliberais. A Ásia, palco principal do desenvolvimento capitalista nas últimas décadas, mergulhou numa crise sem solução. Faz pouco tempo que caiu na Indonésia Suharto, o ditador que todos presidentes norte-americanos e todos os diretores do FMI, ajudaram a manter, por 30 anos. Também começou na Coréia do Sul, uma greve geral heróica, convocada em meio a uma onda de demissões brutal. O movimento é importante porque desafia a lógica perversa segundo a qual todos os sacrifícios devem ser impostos aos povos e às nações que entraram em crise, para que os capitais especulativos jamais saiam perdendo.Na França, onde não há crise, o bom desempenho da economia tem servido para... ampliar direitos sociais. Sob pressão dos movimentos sociais, a Câmara de Deputados aprovou em primeira votação um projeto de lei que prevê ampla proteção contra a pobreza. Anteriormente, o Parlamento já havia votado em definitivo a redução da jornada de trabalho para 35 horas semanais. As conquistas não reduzem a disposição dos trabalhadores. Os caminhoneiros estão em greve. Às vésperas da última Copa do Mundo, ameaçaram parar os pilotos da Air France, que não concordaram com o plano de "reestruturação" e demissões anunciado pela empresa na mesma semana em que revelou ter obtido lucros recordes.Mesmo ignorados pela imprensa brasileira, também os trabalhadores gregos entraram em greve geral para evitar a privatização das telecomunicações, geração de energia, portos, distribuição de águia e derivados de petróleo.Esses pequenos avanços não invertem, é claro, uma conjuntura ainda amplamente favorável ao neoliberalismo. Eles valem por mostrar que há outras saídas, e gente disposta a procurá-las. Gente como os milhares de jovens que voltaram a se manifestar nos últimos dias em todas as partes do mundo (inclusive em São Paulo), em defesa das comunidades indígenas zapatistas, ameaçadas pelo Exército e pelos grupos paramilitares mexicanos. Gente como o escritor português José Saramago, que fez questão de visitar Chiapas no final de março e escreveu em seguida o texto abaixo, ainda inédito no Brasil:O braço direito do índio Jerônimo não se levanta, porque perdeu completamente a articulação do ombro. A mão direita do índio Jerônimo é um toco sem dedos. Não se sabe o que há sob a atadura que lhe envolve o antebraço. O lado direito do tronco do índio Jerônimo mostra, de cima a baixo, uma cicatriz grande e funda que parece partir-lhe o corpo em dois. Os olhos do índio Jerônimo me perguntam que faço ali. O índio Jerônimo tem 4 anos e é um dos sobreviventes da matança de Acteal. Não suporto ver aquele braço, aquela mão, aquela cicatriz, aquele olhar, e me viro de costas para que não se note que vou chorar. Ante mim, velada pelas lágrimas que me queimam os olhos, está a fossa comum onde se encontram, em duas filas paralelas, os 45 mortos de Acteal. Não há lápides com os nomes. Tiveram um nome enquanto viveram, agora são simplesmente mortos. O filho não saberia dizer onde estão os pais, os pais não saberiam dizer onde está o filho, o marido não sabe onde está a mulher, a mulher não sabe onde está o marido. Estes mortos são mortos da comunidade, não das famílias que a constituem. Sobre eles está se construindo uma casa. Amanhã, um dia, nas paredes que pouco a pouco vão sendo erguidas, veremos as imagens possíveis da matança, o enterro dos cadáveres, leremos por fim os nomes dos assassinados, algum retrato, se o tinham. Sob nossos pés estarão os mortos."A cumplicidade das diversas forças armadas mexicanas com os paramilitares vinculados ao partido do governo, por evidente, não precisa de demonstração."Com dificuldade, descemos ao barranco onde as vítimas se esconderam, fugindo da agressão dos paramilitares que desciam a ladeira disparando. A igreja, simples barracão de tábuas brutas, sem adornos, nem sequer uma cruz tosca na fachada, onde os índios, havia três dias, estavam jejuando e rezando pela paz, mostra os sinais das balas. Dali escaparam os apavorados tzotziles de Acteal, acreditando encontrar refúgio mais abaixo, numa depressão do terreno escarpado. Não sabia que haviam enterrado numa ratoeira. A horda dos paramilitares não tardou a descobrir aquele montão desforme de mulheres, homens e crianças, dezenas de corpos trêmulos, de rostos angustiados, de mãos erguidas implorando misericórdia (ai de nós, o ato de apertar o gatilho de uma arma tornou-se tão habitual em nossa espécie que até o cinema e a televisão nos dão lições gratuitas desta arte a qualquer hora do dia ou da noite). Sobre o mísero nó humano que se contorcia e gritava, os paramilitares descarregaram à vontade rajada após rajada, até que o silêncio da morte respondeu aos últimos disparos. Algumas crianças (talvez o índio Jerônimo) por cair sobre os corpos cravejados de balas. Apenas a 200 metros dali, 40 agentes da Segurança Pública, mandados por um general aposentado, ouviram o tiroteio e não deram um passo, não fizeram um gesto, mesmo sabendo o que iria ocorrer. Foi tal a indiferença das autoridades que nem sequer interromperam o tráfego da rodovia que passa por Acteal, a pouca distância do local do crime múltiplo. A cumplicidade das diversas forças armadas mexicanas com os paramilitares vinculados ao partido do governo, por evidente, não precisa de demonstração.No município índio de Chenalhó, onde se encontra a aldeia de Actyeal, mesclam-se histórias pessoais, familiares, políticas e sociais, Zapatistas e priistas têm amigos e parentes no outro lado, e às vezes acontecem que as afrontas reciprocas destróem os afetos. Os desalojados, varridos brutalmente de uma lado para o outro, vêm da destruição das pequenas aldeias em que viviam, da falta de respeito pelos campos comunais, da impossibilidade de se reunir em assembléias e trabalhar sem medo, das humilhações infligidas pelas autoridades, da troca forçada de dirigentes por outros sem mandato nem eleição, da destruição dos símbolos comunitários, da proibição de reuniões, ou toleradas sob a vigilância de paramilitares protegidos pela polícia. Na guerra de desprezo que se está travando em Chiapas, os índios são tratados como animais incômodos. E a multinacional Nestlé aguarda com impaciência que o assunto se resolva: o café a está esperando...Perto de Acteal, em Polhó, um cartaz à entrada do acampamento de desalojados zapatistas, se leem estas palavras: "Que será de nós quando o último de vocês se tiver ido" ? E eu pergunto: "Que será de nós quando se perder a última dignidade do mundo" ?

ROMEU E JULIETA: UMA LIÇÃO DE REBELDIA

ROMEU E JULIETA NA POESIA DE JOSÉ SARAMAGO: UMA LIÇÃO DE REBELDIA[1]

BORGES, Suellen (G. Letras/UNIOESTE).
CHAVES, Regina (G. Letras/UNIOESTE).
SIBIN, Elisabete Arcalá (Mstª Orient. Letras/UNIOESTE).

RESUMO: Pesquisando a irreverência de caráter ideológico, ora explícito ora implícito, do romancista e poeta José Saramago, nos propusemos a investigar a abordagem de um dos temas inscritos em sua primeira fase de produção e discuti-la neste artigo, analisando dois de seus poemas da coletânea “Poemas Possíveis”. Apresentando alguns dos resultados do Projeto de Pesquisa “O Desvendar do Discurso Literário de José Saramago pelo Sujeito Leitor”, estudamos a “paródia” como um dos recursos estilísticos utilizados pelo poeta que expõe sua irreverência em sua releitura do clássico shakespeariano “Romeu e Julieta” sob um pano de fundo no qual tece críticas sociais reveladoras.


PALAVRAS – CHAVE: Romeu e Julieta, Intertextualidade, Releitura.

1 - INTRODUÇÃO
O Projeto de Pesquisa “O Desvendar do Discurso Literário de José Saramago pelo sujeito Leitor”, visa no momento deste trabalho, investigar o contato que os alunos de ensino médio têm com as obras de José Saramago, oportunizando a verificação nas obras, se o autor faz uso da linguagem para recriar o universo ficcional e finalmente, se os recursos estilísticos na construção da linguagem poética são compreendidos pelos alunos leitores.
Para obtenção desta resposta, elaborou-se um questionário sobre eventuais conhecimentos acerca da vida e obra do autor, em seguida, foram escolhidos dois de seus poemas da coletânea “Poemas Possíveis” como atividade de leitura e análise literária, aplicadas em sala de aula de escola particular a alunos de segunda série do Ensino Médio. Através dessas atividades foram, enfim, analisados os resultados obtidos.

2 - A LÍRICA EM JOSÉ SARAMAGO
Antes de ser proposta a atividade em sala de aula, focou-se a figura do escritor para responder a pergunta: “Quem é José Saramago?”
Este escritor português é alvo de grandes polêmicas por. Uma de suas características marcantes configura-se no fato de escrever romances sem o uso de pontuação. Esta técnica inovadora, entretanto, requer do leitor atenção e disciplina para acompanhá-lo em toda a dimensão de sua complexidade narrativa.
O comportamento de um Saramago narrador onisciente intruso dos romances apresenta-o decepcionado com a realidade social, valendo-se de figuras como a paródia para expor sua ironia, num tom quase jocoso, ao reavaliar a historicidade do homem frente à religiosidade e sociedade. Escritor contemporâneo que, ao questionar tais atitudes, trata de assuntos sócio-históricos reveladores do ontem como se fosse o hoje, características inerentes a um escritor que não está preocupado com a crítica, mas com suas próprias convicções e ideais.

3 - ROMEU E JULIETA EM JOSÉ SARAMAGO
A poética de Saramago, contudo, não se distancia muito da proposta de crítica social imbricada em seus romances. A despeito disso, manifesta-se mais comedidamente, sujeito a fatores orientados pela própria estética da poesia. Seus ideais avançam de forma sintetizada, reunindo seus vislumbramentos de realidade em versos que, em sua maioria, apresentam-se como releituras de outras produções, cingidas de sua irreverência peculiar.
Reconhecido gloriosamente através dos romances, Saramago apresenta alguns poemas como subterfúgio de sua veia irônica, sem, contudo, desqualificar sua obra poética, ao contrário, enfatiza através das releituras a essência de múltipla irreverência, ora apresentando a paródia contundente e burlesca nos romances, e ora contemporizando uma, ou outra obra num tom de seriedade e completa preocupação com a figura do ser humano relatado em tais obras. Técnica que, alias, faz com maestria no poema que será analisado:
Julieta a Romeu[2]

É tarde, amor, o vento se levanta,
A escura madrugada vem nascendo,
Só a noite foi nossa claridade.
Já não sei quem fui, o que seremos
Contra o mundo há-de ser, que nos rejeita,
Culpados de inventar a liberdade.


Romeu a Julieta

Eu vou amor, mais deixo cá a vida,
No calor desta cama que abandono,
Areia dispersada que foi duna.
Se a noite se fez dia e, com a luz
O negro afastamento se interpõe,
A escuridão da morte nos reúna

Antes de tudo, importa observar que os dois poemas, na realidade, dialogam entre si numa relação de continuidade, em situação de pergunta e resposta. O título do poema aduz à clássica história de amor e tragédia entre os descendentes de duas famílias rivais, Montéquios e Capuletos, de Willian Shakespeare (1552). É uma peça em cinco Atos, e o eu-lírico utiliza-se da Cena V do III Ato: Romeu tem que ir embora, mas Julieta não quer deixá-lo, e o diálogo na qual está embasado o poema é: Julieta diz a Romeu: “Oh! Vai, a luz aumenta a cada instante. Então Romeu diz a Julieta: Á luz, escuridão apavorante”.
O eu-lírico estabelece a intertextualidade entre a peça e o poema, porém, percebemos que tanto o amor como a morte dramatizada na peça serve, simplesmente, de pano de fundo para que ele, o eu-lírico, transcenda valores, e transforme-a em sensações e sentimentos que a peça jamais poderia dramatizar. Isso porque, o espaço temporal que separa uma de outra é fator de negação dessa possibilidade. Seguindo seu estilo, serve-se da ameaça de separação entre Romeu e Julieta para refletir filosoficamente sobre a relação de poder exercido pelas instituições sociais e das formas que homem se apodera para subverter tal poder.
No primeiro verso, “É tarde amor” Julieta alerta Romeu para o tempo deles que finda, na peça este seriam palavras de despedida, no poema traz nuances de convite que se completa: “o vento se levanta”, uma metáfora das adversidades cujo poder pode quebrar o momento mágico. Metáfora que se completa no 3º verso do segundo poema, de Romeu a Julieta, que diz: “Areia dispersada que foi duna”, explicada mais adiante.
No segundo verso “a escura madrugada vem nascendo”, há uma inversão, pois o que nasce são as manhãs, o eu-lírico retoma o falar apaixonado dos amantes, que por tratar-se de um amor impossível, poderiam encontrar-se apenas à noite. E no terceiro verso explica essa figura de linguagem, “Só a noite foi nossa claridade”. Na noite aflorava a vida e a completude dos sentimentos, e difere da claridade diurna comum.
Nos 4º, 5º e 6º versos há uso do hipérbato, construindo os versos como se constrói um segredo entre dois amantes, pois a oração teria clareza se formulada assim: ”Já não sei quem fui, o que seremos, há de ser culpados de inventar a liberdade, contra um mundo que nos rejeita”. Note-se que há um jogo entre os pronomes da 1ª pessoa do singular e do plural (Eu, Nós), sugerindo que Julieta estaria só e que certamente Romeu se uniria a ela. Insinua a possibilidade de esquecimento, um abandono do “eu” anterior, para o eu que transpassou o obstáculo da vida.
Na construção “o que seremos, Há de ser”, propõe uma pergunta respondida quase que imediatamente “culpados de inventar a liberdade”, e esse verso carrega todo o argumento no qual o eu-lírico se apóia para tematizar o poema, e que será explicitado no decorrer da análise.
“Contra um mundo que nos rejeita”, esse mundo na visão de Romeu e Julieta eram as suas famílias, para o eu-lírico o “mundo” citado no verso abrange as coerções sociais, morais e religiosas num jogo de valores cujos significados filosóficos detectam um olhar no passado com refração do contemporâneo.
No segundo poema evidencia-se a resposta de Romeu ao apelo ou alerta de Julieta no primeiro verso: “Eu vou amor, mas deixo cá a vida/ No calor desta cama que abandono”. Note que o eu-lírico usa o recurso do dialogismo, porém de forma invertida, pois ele não vai afastar-se de Julieta, como mostra a peça, mas vai ao encontro dela, para a morte.
No 1º, 2º e 3º versos há outro hipérbato, vejamos: “Eu vou amor, mas deixo cá a vida/ areia dispersada que foi duna/ No calor desta cama que abandono”. Calor da vida, em contraposição ao frio da morte, porém “em vida” metaforizada por “calor da cama” eles seriam a /areia dispersada pelo vento/.
Este verso explica o primeiro verso no primeiro poema citado anteriormente: /o vento se levanta/, é o vento das adversidades que dispersam areias, /areias que foi duna/, que foi sonho de felicidade, mas que, sem base sólida para se fixar, vagueiam como as dunas carregadas pelos ventos de um lugar a outro.
Na sociedade a base sólida simbolizaria a aceitação da atitude tomada, uma benção com o reconhecimento da igreja e da família para duas pessoas que se amam e decidem ficar juntos.
Para o eu-lírico a tragédia se consumaria se o casal seguisse o senso comum da disciplina, no caso em questão, seria Julieta atender a ordem familiar, enquanto Romeu seguiria a sua sina de assassino, sem o ser.
O 4º verso, “Se a noite se fez dia, e com a luz o negro afastamento se interpõe”, o eu-lírico retoma a inversão entre dia e noite usando do recurso estilístico que enfatiza a potência deste afastamento como definitivo. Romeu preso, e Julieta casada com o homem que seu pai escolhera. Por isso o peso do adjetivo “negro”.
No último verso o desfecho, o gran-finale: que “A escuridão da morte nos reúna”, pois se a noite era o momento em que podiam desfrutar do amor que sentiam então a escuridão da morte será o tempo, da qual ninguém os poderia separar.
No último verso do primeiro poema, como no último verso do segundo poema, o eu-lírico estabelece uma nova visão que se afasta completamente da temática Shakespearana porque nesta, nem é o momento, nem é o espaço apropriado para as reflexões filosóficas, o poema perfaz as cenas sob a ótica de um símbolo maior que o sentimento e mais importante que a morte, a ruptura das convenções sociais para se fazer prevalecerem direitos.
“Culpados de inventar a liberdade”, condenados por quem?
Por um mundo de regras moralizantes no qual o homem está impossibilitado de questionar, de agir por sua vontade, está preso à família, à religião e as convenções sociais. Ao romper esta norma os amantes inventam o que não existe: a liberdade.
Percebemos que, ao tentar fugir os amantes não tinham o apoio da família, mas tinham o apoio da igreja, porém, quando cometeram o suicídio, foram também condenados pela igreja. Na visão do bem comum, não importa os sentimentos, não importa as pessoas, sim as leis, estas têm de ser seguidas para a manutenção harmônica.
Porém, o eu-lírico nos leva a questionar: A quem interessaria a infelicidade desses jovens? O sentimento de uns podem ser levados em conta e de outros não?
Sim, porque a negação da vontade de um, em detrimento da vontade de outro determinou a atitude dos amantes. O ódio é um sentimento, tanto quanto o é o amor, no entanto, o amor dos jovens tinha menor valor que o ódio dos adultos. A relação de poder famíliar está refletida nesta relação de valor.
A ironia por parte do eu-lírico no último verso do segundo poema, quando ele faz uma alusão à máxima matrimonial: “Até que a morte nos separe”, para: “A escuridão da noite nos reúna”, endossa a ruptura, subvertendo valores cristãos.

4 - O SUJEITO-LEITOR DIANTE DA POÉTICA DE JOSÉ SARAMAGO
A partir da pesquisa de campo empreendida entre alunos da segunda série do Ensino Médio de uma escola particular, realizada na cidade de Cascavel, Paraná, não fora constatado qualquer conhecimento tanto sobre José Saramago como de sua poética. Das atividades aplicadas em sala de aula, percebemos grande defasagem no que tange à prática de análise literária, verificadas numa interpretação que observou apenas os elementos citados introdutoriamente pelas pesquisadoras, porém nada espontâneo. Percebeu-se grande dificuldade de assimilação da significação dos dois poemas por parte do alunado, que se revelou não habituado a identificar a repercussão de determinados recursos estilísticos no interior do poema, o que nos possibilitou concluir que esse quadro configura-se, na verdade, comum, uma vez que José Saramago apresenta-se como escritor ainda desconhecido. A despeito disso, notou-se o reconhecimento de autores contemporâneos a José Saramago na ambiência escolar desses sujeitos-leitores.
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização deste Projeto de Pesquisa tornou possível enxergar que o estilo parodístico saramaguiano nem sempre figura no mesmo tom em todas as produções deste autor. Nos poemas analisados, por exemplo, “Romeu a Julieta” e “Julieta a Romeu”, notamos a presença do olhar irreverente de Saramago através do eu-lírico na refutação de certos valores instituídos, buscando naquele que se configura a representação universal do amor trágico: o clássico de Shakespeare, “Romeu e Julieta”, transformado em poesias que, parodiando, não apresenta o tom jocoso ou ridicularizador, e sim, uma releitura em cujo interior perpassam reflexões do eu-lírico de Saramago, que, através de estilizações propõe um outro tom, uma nova luz, deslocando a temática primeira, e propondo outra realidade como forma de anunciar que os valores não são fixos, o homem sim, nas necessidades de transformações.
A temática principal que permeia o lirismo de Saramago influi a rebeldia como característica humana. Ele a encontrou no drama de Shakespeare o que acredita ser comum no homem como ser histórico.

6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CÂNDIDO, Antonio. A personagem da ficção. São Paulo: Perspectiva, 1985.
CERTEAU, Michele de. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
COELHO, Nelly Novaes. Escritores Portugueses. Critica e história literária. São Paulo: Quiron, 1973.
HUTCHEON, Linda. A poética na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1998.
SARAMAGO, José. Poemas Possíveis. 5 ed. S A, Lisboa: Editorial Caminho, 1985.
SEIXO, Maria Alzira, O essencial sobre José Saramago. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987.
[1] Artigo proposto para apresentação do Projeto de Pesquisa da Universidade do Oeste do Paraná, sob orientação da professora Ms. Elisabeth Arcalá Sibin, à Disciplina de Literatura Portuguesa.
[2] Os Poemas Possíveis, José Saramago, (p.106, 107)

quarta-feira, setembro 12, 2007

O GUARANI: Filme e Obra

Um dos maiores clássicos da Literatura Brasileira, a obra Alencariana, “O Guarani”, surge como elemento de reivindicação de uma autonomia à produção genuinamente brasileira e tentativa de historicização da formação da raça que cá habitava, embora figure numa proposta hipotética.
Buscando um passado mítico para conferir consistência à criação de um herói, “O Guarani” de Alencar é a representação do genesíaco, congregando elementos que acenam fortemente à construção do mito de caráter endêmico, ao mesmo tempo em que encena a evasão temporal na retomada de valores medievais.
A partir da obra e de sua adaptação cinematográfica, divisa-se uma série de elementos que se interceptam, bem como importantes aspectos que se distanciam.
Importa principiar pelo papel da natureza explicitado nas duas composições: enquanto represente simples pano de fundo, em Alencar ela é concebida em toda a sua dinâmica mítica, excedendo sua expressão de mero cenário coadjuvante, mas exprimindo a idéia de gestação e origem de todo um povo. Confere-se grandiosidade aos cenários naturais na acentuação da cor local que distingue o Brasil, naquele ínterim do restante do velho mundo, que conhecendo de forma tal, o homem a integra harmoniosamente, o que não é destacado no filme. Além disso, vale salientar que na obra o homem é parte tão inerente à natureza que, como o retratado no final da obra, seu contato acaba despertando o homem para seu lugar de origem, seu ímago-mundi, momento marcado por uma série de grandes transformações, tais que são indicadas no enredo através de imagens diversificadas.
Um ponto interessante a ser analisado pode justificar a desimportância dada à natureza no filme, que parece primar pelos conflitos produzidos no interior da casa de D. Mariz: Álvaro X Loredano, Loredano X D. Mariz, Isabel X Cecília, Portugueses X Aimorés, com exceção das cenas representando o embate entre Peri X Loredano, Peri X Aimorés. Sugere-se maior importância à construção portuguesa, realçada pela bandeira exposta no alto das muralhas, que lembram um castelo medieval, com suas colunas, corredores e portões pesados, ao ponto de o filme mostrar reverência por parte dos aimorés, ao ímago-mundi português, no momento da invasão.
É a descrição do rio Paquequer e do rio Paraíba que iniciam a obra literária, ao passo que no filme a grandiosidade do rio surge apenas no final, simbolizando o grande dilúvio mítico cristão apresentado na obra como um ritual de nascimento da nova nação. Na obra, mais do que uma um recurso natural, tais rios são antropomorfizados: o próprio Paquequer é a representação de uma hierarquia medieval, quando de sua atribuição de “vassalo” do Paraíba, seu suserano. Este cenário nada mais é que a descrição simbólica da relação colonizadora X colonizado, porém esta relação natureza/ índio X português exprime a inferioridade do colonizador diante da robustez e valentia, da harmônica integração. A inferiorização do estrangeiro concorre para a absorção do elemento constituinte da nova geração, num simbólico ritual quase antropofágico: marcado pela escolha da mulher frágil, dócil, européia e perfeita, e do homem forte, corajoso, dominador das forças da natureza, selvagem e perfeito.
Em Alencar, Ceci é a representação da fragilidade, candura e inocência da mulher, o que compactua em certos momentos com o retratado no filme. Isabel, por outro lado, é a figuração da exuberância, da sensualidade e da "malícia" na visão alencariana. Tais figuras tecem um pano de fundo maniqueísta, estabelecidos por um contraste que também aparece em Álvaro e Loredano.
No filme esse maniqueísmo entre Cecília e Isabel é negativamente mais acentuado para Isabel, desde o inicio, que desempenha um papel de dama de companhia de Cecília, refletindo outra relação: a hierárquica. Na literatura essa relação é atenuada pela relação de proximidade desenvolvida ao longo da história, na qual Isabel primeiramente é prima, depois amiga, e, finalmente, irmã.
Seguindo as relações dualísticas, Alencar atribui características cavalheirescas à Peri, separando-o de sua tribo, e impondo-lhe a responsabilidade de proteger o seu novo senhor, D. Mariz, numa relação de fidelidade de um e dependência do outro. Este é um aspecto comum nas duas composições, a obra e o filme. O bom selvagem honra a seu senhor trocando cortesias e devotando-lhe dedicação. No filme, porém, Peri tem sua altivez atenuada para total e completa resignação à Cecília, diferenciando-o da personagem de Alencar, que, embora adorando Cecília, preza sua liberdade e sua religião, abjurando sutilmente os valores cristãos e expondo suas crenças à amada. Mesmo depois de batizado, ato maior de negação do valor religioso original, assume seu posicionamento diante de Ceci, que se vê seduzida pela “inocente superstição”. A força hercúlea de Peri na reformulação do mito grego também é ignorada na produção do filme.
O amor á Cecília por parte de D. Álvaro e a de devoção de Peri à menina, estabelece entre os cavalheiros, uma relação de cumplicidade, na empreitada em defesa da frágil donzela, resgate característico dos romances de cavalaria.
O bom e o mal estão bem marcados no embate entre Peri e Loredano, aspecto comum tanto na obra quanto na película. Loredano assume o papel de ex-cristão, criminoso, relapso das afabilidades dignas dos fidalgos, homem sem escrúpulos, enquanto Peri é o selvagem aculturado, o “D. Cacique”, título dado por Loredano, por sua virtude, lealdade e disposição a doar sua vida em proteção à sua amada. Já Loredano, que se contrapõe a Peri, nutre por ela um desejo de posse, que se não obtido seria capaz de matá-la.
Também entre D. Mariz e Loredano a dualidade é manifesta pela oposição hierárquica, conquistada pelo respeito e autoridade demonstrada pelo fidalgo português, e comprada com a possibilidade de riqueza por Loredano, no conflito o bem vence o mal.
A primazia dos elementos religiosos, presentes nas duas composições tem seu valor acrescido na produção cinematográfica em dois momentos: nos adereços das grandes cruzes usadas pelos personagens que ao mesmo tempo lembra as cruzadas e a bandeira de Portugal e pela evocação à inquisição no momento em que Loredano é castigado, amarrado a um poste e queimado na “santa fogueira”, sob olhares, que observam o mal sendo desraigado do meio puramente cristão, sinalizando o ritual de passagem para um novo recomeço, sem os pecadores. Colocando nesse ritual, talvez a principal contradição entre as composições, já que, na literária, Alencar representou essa mudança pelo ato diluviano.

(por Regina Chaves e Suellen Borges)
Cascavel/2006

A poesia de João Cabral de Melo Neto

Análise do Poema

O poema “Catar Feijão” faz parte do livro “Educação pela pedra”, editado em 1966 e pelo seu título indica uma ação comum: a de catar feijão. Ele é composto de duas estrofes, dezesseis versos brancos e a predominância de substantivos que nos mostra um poema baseado no real, no cotidiano.
O autor empresta ao eu-lirico a possibilidade de criar um paralelo entre a ação simples como o ato de catar feijão e a escolha complexa na combinação de palavras na elaboração de um poema, um processo reservado a poucos. Veja como isso está explícito no primeiro verso: Catar feijão "se limita" como escrever. Ao mencionar a palavra “se limita” ele cria uma proximidade comparando e salientando as diferenças entre os dois atos valorando-os, por exemplo: o elemento imprestável encontrado no catar feijão terá valor diferente no ato de escrever; e ainda que: ambos podem ser feitos de forma idêntica, a busca pela palavra que rime ou exprima o sentimento do poeta no momento de escrever se iguala na paciência que se deve ter ao separar feijões bons e ruins.
No segundo verso a diferença/semelhança estão acentuadas, enquanto os objetivos e os locais são distintos, “joga-se os grãos na água e as palavras na folha de papel”. O eu-lírico estabelece a semelhança entre os dois atos no quarto verso “e depois joga-se fora o que boiar”, aqui tanto o feijão como as palavras que boiar vão fora; do feijão: “o leve e o oco”; nas palavras: “o eco”.
Percebe-se então que a estrutura do poema baseia-se em figuras de som como assonância e aliteração, no qual o uso das vogais /a/, /e/, /i/, /o/ em todo o poema e da letra /g/ no verso 2, da letra /p/ no verso 7 e das letras /t/ e /fl/ no verso 15 compõe quase uma melodia lírica. Qualquer erro na escolha das palavras incorre em eco: som desagradável que deve ser evitado para que o poema alcance a desejada sonoridade. Há a presença de enjamberment nos versos 2/3, 6/7 e 10/11, que auxiliam na manutenção dessa sonoridade.
O poeta transmuta os objetos dando a eles outras denominações. Para a folha de papel: como “água congelada”, pois a água é líquida e tem profundidade por estar no alguidar, e ao se jogar os grãos os bons afundam, enquanto as palavras são colocadas sobre o papel. Alguidar uma palavra que significa jarro, usada como elemento lexical (arcaísmo), mantém o efeito sonoro em /g/ no verso. A palavra “Certo” no verso 5 e depois repetida no verso 13, segue a mesma função, primeiro positivamente e depois categoricamente negativa “Certo não “ evidenciando na tonicidade a diferença elementar entre catar feijão e catar palavras.
No nível sintático três figuras podem ser registradas: “palavra(s) v.3/5 e grão(s) v.2/14”, “joga-se, repetida por duas vezes v.2 e 4”.
Na segunda estrofe há um alerta para “o risco de se encontrar entre os grãos pesados, uma pedra imastigável ou indigesto”, nesta estrofe podemos notar novamente a diferença circunstancial entre o catar palavra e o catar feijão, por exemplo: a pedra prejudicial no feijão; no poema "dá à frase seu grão mais vivo”, isto é: num texto não provoca indigestão, mas “obstrui” porque transforma uma simples leitura de decodificação num texto enriquecido pela técnica criativa do poeta, pois “açula a atenção“, nos convida a decifra-la, entende-la, "obstrui a leitura fluviante flutual", navega contra as forças da correnteza, não há facilidade nesta leitura, há, sim, uma solicitação de maior compromisso do leitor ao recitá-la.
Ainda no verso 15 “obstrui a leitura fluviante, flutual”, o eu-lirico atribui a leitura adjetivos figurativos, pois fluviante diz respeito à rio e flutual de boiar; em nada conferem com o substantivo “leitura”, entretanto além de manter a coerência do tema no todo, cria novos vocábulos que possa satisfazer sua exigência na criação do poema. Ele troca fluvial e flutuante por flutual e fluviante permitindo-se aos desmando que a poesia é capaz.

Conclusão

João Cabral de Mello Neto é considerado um poeta preocupado com a estética, com a arquitetura das poesias, chamado de poeta engenheiro, pela construção de poesias elaboradas de forma racional, concisa, retratando o fato com objetividade sem abdicar de um lirismo enebriante, sonoro. Percebemos que no poema “Catar feijão”, que ele empresta ao eu-lírico a possibilidade de uso dessas linguagens para constatar uma realidade do cotidiano, que é um simples ato de escolher feijão, tirar-lhe as impurezas para ser possível o consumo, usado de forma metaforicamente, catar feijão, serve como um parâmetro para alcançar o objetivo da construção do poema, o uso correto das palavras é algo que deve ser feito com escolha, palavras certas para edificar seu "trabalho", sim o fazer arte comparado a um trabalho no qual a pedra se revela no final do poema: a modificação de fluvial e flutuante.
A intimidade do poeta com as palavras permitiu-lhe a tamanha rebeldia.
O rigor de escolha o fez encontrar a pedra essencial, a pedra perfeita.

Bibliografia

MELO NETO, João Cabral de. Antologia poética. A Educação pela Pedra 2ª. Rio de Janeiro: Sabiá, 1973

(por Regina Chaves)
Cascavel/2005

Poema de Gregório de Matos Guerra

ANÁLISE DE POEMA


Nosso trabalho tem como objetivo analisar dois poemas de Gregório de Matos Guerra, situando-os no movimento a que pertencem, conforme características encontradas e justificadas.
O primeiro poema, “À mesma D. Ângela”, trata-se de um Soneto Amoroso Espiritual por estar estruturado, não simplesmente na temática amorosa, mas na do amor metafísico, que ultrapassa o limite do humano, físico-carnal, até atingir o êxtase arrebatador e sobre humano de poder visualizar o alto grau da perfeição que transforma um sentimento físico numa glorificação.
Pertencente ao Barroco, o poema segue a corrente Cultista por incorporar recursos estilísticos que tornam a linguagem rebuscada, constituindo assim, uma leitura obscura. São três as figuras de linguagem encontradas: hipérbatos, metáforas e antítese.
Angélica é um termo que faz referência a um arbusto aromático da Europa e também, assim como Ângela são derivações de anjo, porém o eu-lirico faz uso do hipérbato ao fazer correspondência de maneira inversa aos adjetivos, e a colocação da pontuação (:) depois da explicação, veja como ficaria a inversão:
2º Isso é ser flor e anjo juntamente:
3º Ser anjo Angélica e flor florente,
4º Em quem se uniformara, senão em vós:
1º Angélica no nome, Anjo na cara!
No 5º verso o pronome “a” que se refere à flor está assim colocado: ‘que a não cortara”, quando gramaticamente correto seria: “que não a cortara”. No 7º verso o verbo “vira” foi deslocado para depois de seu predicado: “e quem um anjo vira tão luzente”, expressando de maneira clara ficaria: “e quem vira um anjo tão luzente”. No 8º o predicado “por seu Deus” foi atraído para frente: “que não o idolatrara por seu Deus”.
Toda 3ª estrofe deverá ser remontada para seguir padrões sintáticos, vejamos: “Se fôreis como anjo de meus altares, livrara eu de diabólicos azares, pois, sois o meu Custódio, e a minha guarda”. Nesta mesma estrofe percebemos o uso de palavras diferentes para o mesmo significado: anjo, custódio, minha guarda. A metáfora está presente na 1ª estrofe:
“Anjo no nome, Angélica na cara!
Isso é ser flor, e anjo juntamente:
Ser Angélica flor e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara:
Significando, portanto, a mulher divinizada em forma de flor e de anjo, num jogo tendencioso, o eu-lirico compõe luz e cor como sinônimo de beleza à D. Ângela. Completando o quadro na segunda estrofe com a juventude: “Do verde pé...”, pois, se verde, expõe a qualidade de não amadurecido, portanto, jovem. E assim o sujeito-lirico compõe a temática do poema: a mulher realmente bela seria, portanto, branca (luzente), corada (flor) e jovem (verde), evocando a beleza de forma colorida e perfeita. A construção do poema realçando o valor da beleza da mulher branca simboliza as dificuldades enfrentadas no período colonial, no qual o Brasil visto como uma colônia produtora contava com mão de obra escrava e, portanto, a maioria das mulheres eram negras, para uma minoria branca, e quando alguma senhora da corte portuguesa dava seus ares ao Brasil, despertava nos homens que aqui estavam devaneios de um mundo europeu, da qual não pertenciam mais, entretanto remexiam-se em vontades e saudades, delegando às artes seus fetiches secretos ou não.
Na 2ª estrofe, percebemos outra metáfora “Quem vira uma tal flor que a não cortara,”no sentido de: toma-la para si, apoderar-se.
O movimento gradativo decrescente está explicito na 4ª estrofe, a qual demonstra a tênue linha que separa o físico do metafísico. Observamos um declínio do amor espiritual a quase transformar-se no amor carnal, num jogo contraditório entre bem e mal, anjo e demônio, presenteando-nos com uma importante característica da antítese dualística do Barroco.
O segundo poema “Pecador contrito aos pés do Cristo Crucificado”, trata-se de um Soneto lírico Sacro, cujo titulo nos concede a temática: “contrito”, pecador arrependido, “aos pés” um ato de submissão, de dependência, ou na dependência de.
A peculiaridade mais importante do poema justifica-se ao incidir na forma em que está estruturado, empregando apenas algumas figuras de estilo, o eu-lirico faz essa disposição de maneira a estabelecer a gradação crescente.
A anadiplose é o recurso estilístico que estabelece a gradação do poema, pois percebemos a repetição dos últimos termos de cada verso, no inicio do próximo até o 8º verso, deixando de se repetir no 9º, retrocedendo até o 13º, e não se repercutindo no 14º.
Até o 8º verso, o eu-lirico faz uma descrição dos pecados pelos quais está arrependido e a cada repetição de termos estabelece certa sinuosidade temporal, um pecado sendo agravado pelo outro numa imensa rede de culpas tecida ao longo de sua vida.
Da primeira até a segunda supressão da figura de linguagem percebemos uma entonação diferenciada, um tanto exaltada, em busca da reconciliação. Nessa busca o eu-lirico dispensa um tempo menor que o primeiro, porém bem maior que o último.
A reconciliação está metaforicamente figurada pelo abraço, “abraço que rendem vossa luz”. O termo “luz” indicando “conhecimento de Deus”, a busca exasperada pelo perdão e pelo conhecimento, ou reconhecimento.
Na segunda supressão a exaltação transforma-se em temor, quase desespero ao clamar pela misericórdia e pelo amor de Jesus para obtenção da salvação. Agora o tempo urge como se já não houvesse mais vida suficiente para poder implorar ou que a morte já estivesse à porta.
Notamos também o emprego de alguns hipérbatos: 4º verso, “delinqüido e ofendido vos tenho”. 6º verso, “maldade, que há me vencido de todo”. 10º verso, “daí-me abraços, vos busco de coração”. 13º verso, “pretendo a salvação em tais abraços”.
Portanto, podemos analisar como pertencente a corrente Cultista, pois não definimos como eloqüente a colocação da temática e sim como fruto de uma tendência controvérsia entre Humanismo e Barroco implícita no poema.
A temática está explicita no conflito gerado entre a dependência da religiosidade e a afirmação da individualidade humana (Humanismo). Ao mesmo tempo em que o homem tenta se estabelecer como senhor de seu próprio destino, ele não tem solução para a morte, e nessa hora perante essa triste constatação, a expressão de angústia e indefinição determina o retorno para a fé cristã, para os pés do Cristo, permeia como característica muito importante impressa no poema Barroco.

Literatura Infantil: a leitura com prazer.

  1. RESUMO: Com o objetivo de nos conscientizar como futuros professores na disciplina de literatura infantil, buscamos, através de pesquisas, elaborar uma prática pedagógica para alunos de 8ªs séries, com o intuito de tornar a leitura em sala de aula um instrumento que desperte o interesse e o gosto pela literatura. Foi nos orientado a trabalhar com um texto clássico e outro da linha emancipadora, para que possamos, a nível acadêmico avaliar as obras, procurando elementos ideológicos, usados como base na formação infantil. As histórias escolhidas são: ”O persistente soldadinho de chumbo” de Hans Christian Andersen e “O elefante” de Carlos Drummond de Andrade.


    Palavras-chave: Literatura Infantil; análise; motivação.


    Reflexão

    Ainda hoje nos deparamos com o desinteresse dos alunos em adquirir o hábito da leitura. Muito mais desinteressante ainda, para eles, é aprender literatura, mesmo depois de diversas campanha efetuado pelas escolas, pelas próprias editoras e pelo governo. O que nos surpreende é o fato de que o adolescente pode ficar por horas a fio diante de um computador, diante de um desenho animado ou diante de uma novela que se diz “própria para a idade”, sem, contudo, essa constância lhes traga qualquer índice de desenvolvimento intelectual. Se isso nos surpreende, o que nos assusta é lembrarmos da passagem pela nossa pré-adolescência. Nesse tempo, estudar literatura era pegar um daqueles livros chatos que não entendíamos nada, e ler silenciosamente. Afinal, precisaríamos nos preparar para o nosso vestibular. E quando chegava o tão esperado vestibular, tínhamos que rever tudo novamente, pois, que havíamos esquecido o aprendido.
    No entanto, enquanto éramos crianças entre 3 e 6 anos, ouvir nossa mãe ou avó contar-nos uma história era um momento indefinível, ficávamos nas barras de suas saias, até que, cansadas de nosso persistente pedido, faziam nossa vontade, tirando de sua memória estórias de fantasmas, de fadas, de bruxas. Não cansávamos de ouvir a mesma estória por várias vezes, até sabíamos de cor a ordem e as palavras que compunham este ou aquele conto, e se, por qualquer motivo elas esqueciam de algum elemento, eram logo alertadas. E as perguntas que elas tinham de responder então?
    -- Mamãe, se o soldadinho de chumbo era tão bom soldado, porque ele não se livrou logo do fogo, assim como se livrou da enxurrada e dos ratões?
    Claro que a mamãe poderia inventar uma boa resposta, mas tinha que ser uma resposta convincente, pois do contrário fazíamos aquelas caras de insatisfação. E por quantas vezes elas respondiam assim: --Ah! Porque assim é a estória, menina.

    Bem, nossa mãe ou avó não estavam exatamente corretas quando nos respondiam assim, mas elas eram dignas de nosso perdão.
    Então, porque na escola as estórias se tornaram entediantes? Sobretudo, porque é inquestionável o valor de nossas obras literárias, e também porque o grande volume de obras não nos deixaria enfadadas, nunca.
    Remontando a nossa experiência passada e, a adquirida hoje como acadêmicas, podemos avaliar quais as principais falhas que poderiam ter contribuído para essa nossa “falta de vontade” de aprender literatura. Antes, porém, precisamos analisar: Quais os verdadeiros objetivos, ao se elaborar as estórias infantis?
    E a história nos contará: quais e os porquês.


    A História sem as fadas


    As crianças não tinham grande importância na antiguidade, pois a preocupação maior era primeiramente a religião, depois a nobreza, e num último lugar as pessoas, no geral. Mesmo assim essa preocupação não ultrapassava os limites das necessidades de subsistência, como alimentação e vestuário. As crianças eram “produzidas” porque assim estava determinado pela condição humana, mas não se planejava, por exemplo, um futuro para elas, afinal, nem eram mencionadas. Portanto os primeiros contos surgiram, não para entreter as crianças, mas sim, os adultos, vejamos:

    De acordo com a história os primeiros contos vieram do Egito no século XIII, e entre eles estava agregado também vários contos hindus. Um dos mais contados é de Sherazade e de quando o rei persa Shariar, vitimado pela infidelidade de sua mulher, mandou matá-la e resolveu passar cada noite com uma esposa diferente, que mandava degolar na manhã seguinte. Recebendo como mulher a Sherazade, esta iniciou um conto que despertou o interesse do rei em ouvir-lhe a continuação na noite seguinte. Sherazade, por artificiosa ligação dos seus contos, conseguiu encantar o monarca por mil e uma noites e foi poupada da morte. A história conta que, durante três anos, moças eram sacrificadas pelo rei, até que já não havia mais virgens no reino, e o vizir não sabia mais o que fazer para atender o desejo do rei. Foi quando uma de suas filhas, Sherazade, pediu-lhe que a levasse como noiva do rei, pois sabia um estratagema para escapar ao triste fim que a esperava. A princesa, após ser possuída pelo rei, começa a contar a extraordinária "História do Mercador e do Efrit", mas, antes que a manhã rompesse, ela parava seu relato, deixando um clima de suspense, só dando continuidade à narrativa na manhã seguinte. Assim, Sherazade conseguiu sobreviver, graças à sua palavra sábia e a curiosidade do rei. Ao fim desse tempo, ela já havia tido três filhos e, na milésima primeira noite, pede ao rei que a poupe por amor às crianças. O rei finalmente responde que lhe perdoaria, sobretudo pela dignidade de Sherazade. 2


    2- texto encontrado no site www.contadoresdehistória.pro.br/sherazade.htm, acessado em 08/08/2005 Os relatos que encontraremos com respeito à criança estão, por exemplo, nas tragédias gregas, quando citadas, tinham uma razão específica: tinham sido usadas como alvo, tanto pelos deuses, quanto pelos humanos , para aplacar sede de vingança deles. Na bíblia podemos observar os objetivos subjugadores e moralizantes para manter os pequeninos sob a égide da vara disciplinadora, mais para orgulho dos pais, que para desenvolvimento das crianças, veja: carta aos Efésios: capitulo 6 versículo 1, “Filhos, sede obedientes aos vossos pais, em união com o Senhor, pois isso é justo”. Está é uma advertência amorosa, que foi usada pelos judeus, enquanto em toda Europa fluía o descaso contra os filhos.

    Um avanço no tempo

    Com a ascensão da burguesia ao poder, a criança foi vista como um elemento importante na fixação dos burgueses como classe dominante, afinal, educando os filhos primeiramente, na seqüência eles teriam educado os futuros pais e garantido a mão de obra necessária para a formação das classes, tanto burguesa para mandar, quanto o proletariado para obedecer. Deste projeto nascem as escolas que ensinavam as crianças ao trabalho e nasce também à necessidade de subjugar o homem como o responsável pela família, constituindo-se então a “sociedade patriarcal”, aliás, a partir daí nasce o conceito de família e de casamento que deixa de ser uma união de interesses entre os nobres, para ser um conjunto de fácil dominação. Com essa nova perspectiva o filho passa a ganhar a atenção da mãe e o cuidado do pai, pois agora eles também teriam algo a deixar de herança à sua descendência, um sobrenome.
    Dessa educação surge a ideologia da mulher como sexo frágil e o homem como o sexo forte, pois as meninas cresciam e aprendiam que o casamento era cor-de-rosa, um sonho digno de uma princesa dos contos de fadas. E os meninos deviam ser fortes e corajosos como os heróis das estórias, pois deles dependia o futuro da humanidade.
    Com a intenção de manter essas crianças sob domínio da sociedade e principalmente, da igreja, surge um conjunto de obras que moraliza, ensina obediência, e a torná-los dependentes do adulto, isso tudo através dos seres mágicos como: fadas, bruxas, heróis bonzinhos cujas ações deveriam ser copiadas, se boas, ou evitadas se más, e o mundo da magia poderia transformar a precária existência em abundância e riqueza.
    Para acompanhar essa nova fase, autores reescrevem os contos, amenizando temas como morte e sexo, tornando o mundo infantil separado do mundo adulto. Um dos mais importantes escritores dessa fase é Hans Christian Andersen. Vejamos:


    “o autor mais importante dessa representação-de-mundo, na Literatura Infantil, foi Hans Christian Andersen, legitimo representante do ideário romântico-cristão. Suas centenas de contos(extraídos do folclore dinamarquês ou inventados por ele) são exemplares, como transfiguração literária daquela orientação ético-religiosa. Muitas de suas estórias são realistas: situam-se no mundo real, cotidiano, com personagens simplesmente humanos em luta com as adversidades da vida e, em geral, vencidos por elas, mas vitoriosos na conquista do céu. Outros são apólogos: têm objetos ou seres da natureza como personagens que vivem problemas idênticos aos dos homens. Exemplo: “O boneco de Neve”; “A agulha de cerzir”; “O soldadinho de chumbo”; “Os namorados”; “O pinheirinho”...3


    Andersen nasceu em Odense, Dinamarca em 02/04/1805, portanto 2005 é o seu Bicentenário. No Brasil, Hans C. Andersen foi enredo da escola de samba Imperatriz Leopoldinense no carnaval de 2005. Filho de sapateiro, e mãe lavadeira, cujo pai tinha preferências jacobinas, e lutou ao lado de Napoleão por dois anos. Teve uma vida precária
    financeiramente, sua força de vontade determinou seu destino com o patrocínio de Jonas Collins, que o ajudou nos estudos, enquanto fazia pequenos trabalhos literários. Interessante, é saber que estudou canto e dança, enquanto que a arte de escrever advém das leituras e do estudo autodidata. Andersen, menino alto e desajeitado, mas com sensibilidade aflorada, simpatizante dos pobres, pois enquanto angariava a simpatia dos reis, dava palestras em universidades e associações de trabalhadores. Escreveu primeiramente poesias e romances em 1833, e chega em 1872, com 156 contos. Morre em Rolighed, Dinamarca, em Agosto de 1875. Reconhecido atualmente como: “O pai dos contos de fada”, vejamos:


    e em sua homenagem, o Rei Frederik IX da Dinamarca instituiu uma premiação bienal destinada a autores de livros infantis em 1956. Este projeto tomou proporções mundiais e se transformou no Prêmio Internacional de Livros para Jovens (International Board of Books for Young People – IBBY), considerado o mais importante em sua área - um verdadeiro 'pequeno prêmio Nobel'. Em 1982, foi a brasileira Ana Maria Machado e em 2000, foi a brasileira Lygia Bojunga Nunes que ganharam o prêmio.4

    3-COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil. Teoria-Análise-Didática, p.89
    4- dados coletados através do site: http//mixbrasil.uol.com.br, acessado em:7/8/2005, ás oo:h.

    O Soldadinho de Chumbo


    Esse conto de fadas começa com a descrição dos vinte e cinco soldadinhos de chumbo que um menino havia ganhado no seu dia de aniversário. Eles possuíam um rifle e se vestiam de uniformes vermelho com azul, esse uniforme trás a lembrança de disciplina e com o reforço dessas cores características, que geralmente as escolas adotam como padrão, a criança lembrará do ambiente escolar e conseqüentemente poderá estar adquirindo conceitos de disciplina.
    Cada soldadinho era igual fisicamente com o outro, ou seja, as pessoas são iguais dentro da sociedade, tendo essa metáfora como positiva quando a possibilidade de interpretar que não há discriminação racial ou qualquer outra do gênero, ou como negativa, quando a possibilidade de se entender que as pessoas regidas por uma ideologia possuem a mesma forma de pensamento, não tendo criticidade quanto à sociedade, ou seja, hegemonia. Mas o único diferente era o soldadinho de chumbo aleijado que não possuía uma das pernas porque fora moldado por último com um pouco de chumbo que restava. A compreensão que pode ser obtida é que o soldadinho mesmo sendo um resto é necessário aos outros demais vinte e quatro soldadinhos, para completar o estojo de 25, ou seja, mesmo uma pessoa (ou a maioria das pessoas) não parecendo ter um grande papel na sociedade porque, por exemplo, não é bem nutrida financeiramente, a sociedade necessita dessa pessoa para sustentá-la; e para que essa pessoa não perceba que é apenas um combustível, é considerada especial e capaz, como o soldadinho também o é, fazendo a população ter pena.
    O soldadinho vivia triste até o momento em que avistou, dentro de um castelo rodeado por arvoredos e um lago, uma bailarina vestida muito bonita e com uma lantejoula no pescoço; viu naquela bailarina a semelhança que faltava se espelhar. Ela se encontrava em uma posição de dança em que parecia possuir apenas uma perna, tal qual o soldadinho. Essa descrição da bailarina remete a característica em que a mulher é imaculada, perfeita, dentro de seu mundinho como dona do lar (castelo) e a lantejoula traz a característica da mulher se embelezar e se importar com riqueza e jóias, enquanto o homem regido pela disciplina é o poderoso e forte quando na imagem do soldado. Depois de admirá-la, o soldadinho pensa consigo mesmo “eis uma boa esposa para mim!”, mas idéia passada dessa frase não é que o soldadinho apaixonado pensa em ter a mulher amada, mas sim que a bailarina seria a mulher perfeita para constituir uma família nas regras da sociedade em que a mulher deve servir ao homem (boa esposa). Logo em seguida o soldadinho se lembra que ela mora em um castelo enquanto ele apenas mora em um estojo. Isso mostra a diferença social impedindo um matrimônio.
    Entretanto ele continuou contemplando-a o resto da noite enquanto os outros brinquedos brincavam e faziam festa. Quando bateu a meia-noite um gnomo surgiu falando para o soldadinho apenas guardar olhos para ele mesmo. O gnomo vai embora ameaçando o soldadinho depois de ignorado. Essa passagem não explica muito bem o porquê da hostilidade do gnomo, mas dá a entender que também parecia desejar a dançarina.
    No outro dia, também sem nenhuma explicação precisa, o soldadinho de chumbo cai da janela, parecendo que tinha sido obra da maldição do tal gnomo, levando a criança a estabelecer o conceito de bem contra o mal. Caído no chão, o soldadinho vê o menino e a criada o procurando, mas não tenta gritar para chamar atenção, pois seria inconveniente, já que estava de uniforme. Traz à criança a noção de que até em um momento de desespero não se pode perder a disciplina e o fundamento do que as regras da sociedade dita, ou seja, mesmo sabendo de uma vida financeiramente miserável, não se pode ir contra isso, pois estará mostrando rebeldia e automaticamente estará criticando uma outra classe.
    O soldadinho continuou a aventura, depois de ter sido jogando em um barquinho de papel por dois meninos, rio adentro, sempre se mostrando rijo e sem falta de postura e culpando aquele tal gnomo durante o trajeto. Essa ênfase em culpar o gnomo remete a um mal inexplicável, sempre por trás dos acontecimentos ruins na vida das pessoas, ou seja, a criança pode vir a colocar culpa de seus problemas no sobrenatural: “se não tem comida na mesa hoje é porque Deus quis assim, pois não deveria ter xingado minha vizinha”.
    O soldadinho também passa por perigos quando encontra um rato exigindo um passaporte para a passagem pelo esgoto, mas o soldadinho consegue passar impune até quando é engolido por um peixe, ou seja, ele ficou devendo uma obrigação (mostrar o passaporte) e logo em seguida foi punido por ter corrompido uma regra (fora engolido pelo peixe).
    Até que o peixe foi parar na cozinha da criada, e quando ela abriu-o para prepará-lo para o cozimento, descobriu o soldadinho nas entranhas do bicho. Todos queriam ver o soldadinho tão estranho, mas ele não estava nada orgulhoso pelo o que passara. Isso leva a pensar que sair da rotina, mesmo que por um fato inesperado, não é bom e não deve ser repetido nem mesmo tentado. O soldadinho, quando exposto a todos no centro da sala, percebeu que era a mesma casa em que vivia antes e viu sua bailarina no mesmo lugar inabalável e se comoveu tanto ao vê-la que se conteve a chorar, pois seria inconveniente. Essa retenção do choro por parte do soldadinho mostra que o homem nunca deve expressar seus sentimentos, ainda mais chorar. A ênfase no uso da palavra “inconveniente” para todas as expressões de sentimentos dá a entender que nunca poderá ninguém sair do padrão de porte que a sociedade exige, porque senão estará agindo inconvenientemente, ou seja, passando vergonha em público, mesmo que essa expressão de sentimento seja para reivindicar direitos.
    Um dos meninos que estava na sala jogou o soldadinho de chumbo na lareira, que automaticamente começou a se derreter. E mais uma vez o fato não é bem explicado, levando a culpa, novamente, o tal gnomo. Esse gnomo, a expressão do mal, pode ser entendido como o destino, as regras da sociedade, a burguesia, a ideologia, pois ele, de um modo sobrenatural, deu um jeito para que o soldadinho fosse extinto e não permitiu que pobre e rico convivessem juntos.
    Inexplicavelmente, depois de uma brisa ter batido nela, a bailarina foi levada ao fogo da lareira também, sendo queimada ao lado do soldadinho. Ela não teve escolha, pois uma brisa a levou até o seu destino mortal, ou seja, o lugar certo da mulher, mesmo ela não querendo, é estar sempre ao lado do homem, mesmo que seu fim seja a morte. Tanto que a bailarina no decorrer da história se encontrava estática, sem nenhuma ação e calada a historinha inteira, igualmente como uma mulher dentro da sociedade deveria se portar.
    No outro dia o chumbo derretido do soldadinho tinha virado um coração, e da bailarina apenas havia sobrado a lantejoula.
    Esse final negativo, levando os dois a morte, se dá porque pessoas de classes sociais distintas não poderiam se relacionar, e tanto o começo da história positivo, quando se tem o entusiasmo do garoto em ganhar os soldadinhos, quanto o soldadinho em se apaixonar pela bailarina, aparentemente alguém semelhante, revela que é uma intriga mínima descendente.
    Esse mundo conformista explícito na historinha acaba passando valores de obediência, disciplina, machismo, etc. em que a cada passo que a criança tenta construir seu próprio sentido do texto em sua mente é automaticamente cortada desse raciocínio quando, por exemplo, se usa a palavra inconveniente para a expressão de um sentimento. A criança lendo esse conto de fadas poderá estar adquirindo um conformismo e alienação quanto à realidade social, podendo crescer apenas repercutindo esses valores adquiridos sem nenhuma consciência crítica e opinião própria, ou seja, dificilmente sendo capaz de mudar a realidade. Além de ser privada dessa consciência, se por alguma falha ela vier a compreender alguma coisa da realidade, será persuadida a culpar o sobrenatural, o mal, etc. pelas suas desgraças.


    A estranha liberdade


    No entanto, o avanço tecnológico acompanhado dos grandes conflitos mundiais, obrigaram as sociedades a dar um passo importante para o desenvolvimento intelectual dos leitores mirins. A escola se transforma no espaço ideal e necessário para a formação do cidadão, se por um lado se tornara perigoso manter as crianças longe da realidade, por outro lado os contos de fadas já não satisfazem mais as expectativas e a curiosidade das crianças. É a fase emancipadora, quando elas podem dos comentários, assistem tv e seus olhos estão atentos a tudo. Entretanto a aproximação criança/realidade continuou a ser sutilmente monitorada, como um cancro arraigado na sociedade.



    A imaginação contada em “O elefante”


    O escritor Carlos Drummond de Andrade, não foi exatamente um escritor de contos ou poemas infantis, tendo em seu repertório alguns trabalhos dirigidos à essa área. Ele usa uma linguagem bastante rebuscada, podendo, o texto ser trabalhado na faixa etária da adolescência. E exatamente por isso nos foi válida a escolha por podermos comparar dois textos de epocas diferentes, com valores diferentes, mas com o mesmo tema “solidão”. Drummond trabalha obsessimente com o tempo e o cotidiano subjetivo, no qual destila crítica e reflexão.
    O poeta e cronista nasceu em Itabira do Mato de Dentro, MG, em 31/10/1902, descendente de uma familia de fazendeiros decadentes. Começou sua carreira como escritor colaborador do diário da manhã, formou-se no curso de Farmácia, na cidade de Ouro Preto, em 1925. Mas dedicou sua vida como escritor cronista e homem do estado, que perdurou até 1962, quando se aposentou. Além de escrever tambem traduziu obras preciosas.
    Morreu no Rio de Janeiro RJ, no dia 17 de agosto de 1987.
    O livro “O elefante” de Carlos Drummond de Andrade é uma espécie de laboratório de poesia, em que o poeta procura inovar com a palavra e acaba por se tornar a própria poesia. O escritor empresta ao eu-lírico a condição de construir seu elefante-poema, para depois se transformar num só, como se confirma no trecho “... eu meu elefante, em que amo disfarçar-me”.
    O texto é feito de varias contradições, a começar pelos modestos materiais a serem utilizados, como o algodão, que dá leveza a um animal que é, naturalmente, pesado.
    Ao montar o elefante, ele constrói as possibilidades da vida: as orelhas, para que o elefante possa ouvir o mundo, mesmo que esse recurso não lhe traga tantas vantagens, pois a audição isolada não lhe traz benefícios, afinal suas ações perecem sem os outros sentidos. Então surge a tromba, essa sim, pode cheirar e sentir a presença de tudo ao seu redor, tocar a vida, por isso, a parte mais feliz, ela é quase como se fosse um ser independente do corpo.
    O menino-poeta fala então sobre as presas do elefante-poema, que são de material desconhecido, “simples presas brancas”, talvez porque para uma criança e para um poeta, que aprecia a natureza no seu devido lugar, neste elefante em especial, as de marfim não teriam tal valor.
    Ao descrever os olhos do elefante, o eu-lírico nos remete a uma possível reestabilização da natureza, como se o menino tivesse montado o animal “elefante”, que viu no circo, e percebeu que aquele não era o seu lugar, talvez ele pudesse sair às ruas, talvez ele pudesse nadar no mar, como ele menino-poeta fazia. Seus olhos não mentiam, transpareciam sua tristeza.
    Em “Eis meu pobre elefante/ pronto para sair/ à procura de amigos/ num mundo enfastiado/ que já não crê nos bichos/ e duvida das coisas”, o adjetivo “pobre”, pode confirmar a diferença entre o animal inventado e o verdadeiro, pois mesmo libertado pelo menino, não pode ser feliz, pois não há amigos, e o mundo só acredita em animais verdadeiros.
    Ao sair para a rua o elefante estabelece outro paradoxo “imponente/ frágil”, uma sutil referência ao leão covarde do Mágico de Oz, que é o rei das selvas, mas por algum motivo tem muito medo das coisas. Assim nos passa um elefante, que por seu tamanho deveria ser forte, mas por estar longe do real e do verdadeiro se torna frágil e desprotegido. Nesse elefante, há estampada a vontade de pertencer á um mundo no qual a liberdade permita que sua estrutura se fortaleça pela natureza: “... alusões a um mundo mais poético onde o amor reagrupa as formas naturais”. O animal-poema é movido pelo amor, amor à vida, amor do poeta-menino ao seu ser, amor às coisas singelas. Ele caminha pela rua sem ser notado, pois ele não é real, e o ser humano não acredita na fantasia.
    Em “Vai o meu elefante/ pela rua povoada”, o pronome possessivo garante ao leitor o fato de que o poema fora criado pelo eu-lírico, para fugir das convenções e não é visto por não ser uma ideologia usual. Por mais que tente contagiar o mundo humano, se vê solitário. Está faminto, e precisa se encher de vida, como uma criança que não viveu tudo, que não brincou tudo, que não riu o suficiente. O eu-lírico aceita até mesmo as experiências mais banais da natureza, pois até delas poderá extrair alguma poesia.
    O caminho que ele percorre é o da fantasia do irreal: “... mas os homens ignoram, / pois só ousam mostrar-se sob a paz das cortinas/ à pálpebra cerrada”, no entanto, parece mais verdadeiro, pois o humano se esconde atrás das máscaras e usa da hipocrisia para se mostrar.
    Na conclusão do poema o eu-lírico demonstra a criança numa brincadeira cotidiana que poderá ser recomeçada no dia seguinte, sem o prejuízo da perda.


    A escola e sua relevante importância


    Retomando o nosso questionamento sobre o porquê, de o estudo da literatura ser entediante, que contrariando “o primeiro amor” despertado pelos contos de fadas, encontramos como resposta: de um lado, a escola e o professor mal preparados para aplicar essa disciplina, enquanto do outro lado, pais assoberbados com a responsabilidade de busca financeira.
    Essa falta de tempo para despertar nos filhos momentos de ouvir ou ler um conto, no qual a interação se transformava numa cumplicidade entre mãe e filhos, ou avó e netos, quando até mesmo um questionamento mal respondido poderia ser perdoado, difere do momento oferecido pelo professor, que necessita de um conhecimento específico, para aplicar a disciplina e, com certeza ele teria êxito se bem preparado pois, além de restaurar a interação adulto/criança, ainda estaria apto aos questionamentos, que deveras surgirão, tendo o cuidado de não deixar morrer a curiosidade, elemento tão imprescindível da boa leitura e abundante entre as crianças e os jovens.
    Hoje como somos esses futuros profissionais, provavelmente responderia a pergunta citada acima que foi: “por que o soldadinho de chumbo sendo tão bom, não se livrou logo do fogo, assim como se livrara da enxurrada e dos ratões?”, com uma prática pedagógica devidamente eficaz, como: “que tal recontarmos a estória então?”, pois assim, estaríamos ao mesmo tempo respondendo de modo convincente, como também estaríamos despertando a criatividade intelectual da criança, que para a produção textual seria só mais um passo.


    Considerações finais e a prática pedagógica


    Os dois contos aqui apresentados podem ser considerados na mesma linha de reflexão: a solidão dos personagens e a aventura através da imaginação.
    Mas temos que admitir as diferenças, quando a reflexão é de interesse pedagógico, e esse interesse vise despertar no jovem o prazer pela leitura, exemplo: quanto ao “O soldadinho de chumbo”, pode-se trabalhar o preconceito tão enfocado hoje pela inclusão de deficientes nas escolas, e que, os professores e alunos devem tratar esse assunto com naturalidade e amor. Isso pode ser evidenciado pela vida solitária do soldadinho de uma perna só, e que se apaixona pela bailarina cuja primeira impressão deixada nele, é de que ela também tem apenas uma perna. Buscando ele, portanto alguém igual, com a mesma deficiência, já que os demais 24 soldadinhos não são companheiros dele, e essa exclusão também pode ser interpretada no final da estória quando o menino atira no fogo o soldadinho defeituoso, enquanto os demais poderiam estar muito bem protegidos.
    Outro tema bastante aceito pelos pré-adolescentes é o amor, um amor quase platônico, vivido entre a bailarina e o soldadinho cujo final, se ameniza a tristeza para se transformar no desejo realizado.
    Também as aventuras sonhadas entre os jovens ávidos por experiências novas e aventuras que os tornem famosos entre os amigos, são temas consideráveis.
    Quanto ao poema de Carlos Drummond de Andrade, pertencendo à linha emancipadora, utiliza recursos reflexivos, de função psicológica: uma criança solitária cujos pais nem sempre estão por perto, e por isso a solidão, e a imaginação livre, que é o seu principal brinquedo, mas enquanto brinca a criança revê atitudes adultas que poderiam ou deveriam ser questionadas, entre elas a hipocrisia, que poderia ser interpretado no trecho “...pois só ousam mostrar-se sob a paz da cortina/ pálpebra cerrada...”, quer dizer, quando dormem, ou quando estão a sós, pois do contrário o adulto não é verdadeiro.
    Uma outra atitude é a falta de diálogo entre pais e filhos que pode se tornar um bom assunto de questionamento.
    Também, muito atual, é a sede de amigos entre os jovens, como artifício de se socializar e manter ou conquistar prestígio. Com medo de serem desprestigiados, abrem a guarda para “amigos”, que os inicia em vícios, ou atos de violência. O poema de Drummond pode ser útil para se trabalhar esse tema, afinal, “antes só, que mal acompanhado”.
    Conforme as pesquisas e o consenso a que chegamos, uma prática pedagógica relevante com a serie escolhida, seria: Num primeiro momento, a leitura do poema “O elefante” em voz alta, e depois ler silenciosamente o conto “O soldadinho de chumbo”, depois fazer perguntas para estimular os alunos a darem suas opiniões quanto aos textos e abordar pontos que não foram identificados. Num segundo momento orientar para que façam uma entrevista de aventura por qual o entrevistado tenha passado. E aí finalmente de posse dessas duas atividades, elaborassem um texto de aventura.

    Bibliografia

    Andersen, Hans christian. O persistente soldadinho de chumbo. Tradução de Per Jonhs;ilustrações de Robert Rajabally. Porto Alegre: Kuarup, 2002.
    Coelho, Nelli Novaes.Literatura infantil. Teoria-Análise-Didática, p.89
    Drummond de Andrade, Carlos. O elefante (Ilustrações de Regina Vater). R. de
    Janeiro: Record. Coleção Abre-te Sésamo, 1983.
    Zibberman, Regina. Literatura Infantil: Autoritarismo e emancipação. São Paulo. Editora Ática, 1987.
    www.contadoresdehistória.pro.br/sherazade.htm, acessado em 08/08/2005
    www.gaudez.com.br, acessado em 07/08/2005, ás 00:00 h.
    http//mixbrasil.uol.com.br/cultura/biografias/htm, acessado em: 07/08/2005, as 00:15
    www.vidaslusofanas.pt/hans.andersen acessado em: 07/08/2005

CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS: UM PROJETO PENSADO PARA QUEM GOSTA DE CONTAR E OUVIR HISTÓRIAS

Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar o Projeto de Extensão que se designa a estimular o gosto pela leitura em crianças na faixa etária entre seis a dez anos. A proposta para o projeto surge da necessidade de se formar leitores, uma vez que na história brasileira este processo se desenvolveu somente a partir do século XVIII, e a formação de leitores infanto-juvenis a partir de 1970. O contar e recontar histórias serão propósitos que visam o resgate do mundo fantástico, e através desse resgate despertar o desejo de participação, possibilitando a interação, tanto de aluno/aluno, como entre aluno, professor e escola. Nosso embasamento teórico se pauta em estudos de textos nas áreas da literatura infanto-juvenil, nos contos clássicos dos Irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, Andersen, Charles Perrault, nas Fábulas de Esopo e de estudos nos domínios da Didática e da Educação. E o resultado esperado, será a criança buscando essa atividade como satisfação individual, ao mesmo tempo em que influencia seu meio ao adquirir o hábito da leitura.
PALAVRAS-CHAVES: apresentação de projeto; contação de histórias; fantasia.
1 - INTRODUÇÃO
Em pleno século XXI, mesmo depois de diversas campanhas efetuadas nas escolas para disseminação do hábito da leitura, ainda nos deparamos com o desinteresse do aluno por essa prática. Desapego que resulta numa freqüência às bibliotecas como atividade exercida por exigência e sob protestos. Exigência dos professores frente aos problemas que a falta de leitura acarreta, e sob protestos dos alunos com uma visão distorcida sobre o deleite de se ler um bom livro.
Surpreende-nos o fato da criança preferir ficar horas e horas diante de um computador, de um desenho animado ou até mesmo, de uma novela que se diz “próprio para a idade”, sem, contudo, desejar desfrutar do prazer que a leitura poderia proporcionar.

2 – O ALUNO E A LEITURA
O que explica esse impasse vivenciado pelos professores e esse desprazer sentido pelo aluno está intrinsecamente ligado à cultura brasileira na formação do seu leitor. Segundo ZILBERMANN[1], na história da educação e da cultura brasileira, presenciamos alguns momentos negativos para a formação do leitor, sendo alguns deles mais significativos:
A educação no Brasil aconteceu de forma fragmentada e tardia: os jesuítas que iniciaram o processo de formação foram expulsos, e aqueles que obtiveram algum aprendizado por intermédio deles foram dispersos não repassando os conhecimentos obtidos.
Mais tarde, as famílias que desejavam ter seus filhos formados, tinham de mandá-los para o exterior até sua formação, e para tal empreendimento teriam de ser famílias abastadas, tendo em vista o alto custo deste desejo. Esse era o quadro representativo da educação brasileira até a vinda da família real para o Brasil em 1808.
Depois da vinda da família real, outros obstáculos dificultaram para que estudantes formados no exterior, ao voltar, conseguissem produzir suas obras, dando inicio a uma literatura totalmente nacional, produzida por entender e poder ser entendida pelos brasileiros.
Fatores externos na produção, edição e divulgação da literatura no Brasil foram fundamentais para inibir a produção de obras e elevaram a falta de interesse, pois esses precursores estavam à mercê de exigências das editoras portuguesas, que por sua vez estavam à mercê das editoras européias.
Outro fator agravante foi a inquisição que atuou não como formadora de moral e religiosa do povo, mas como deformadora intelectual, isso porque se pregava a leitura como pecado da devassidão e da lascívia.
Logo em seguida o capitalismo importado encontra aqui uma sociedade que não participava dos mesmos conhecimentos do povo europeu e a falta desse conhecimento atinge-os desvirtuando o objetivo da leitura: de lazer e precursora do conhecimento para dissipadora de tempo e dinheiro.
Formando assim uma parede intransponível de fatores negativos na formação cultural do leitor brasileiro.

2.1 O ATO DE CONTAR HISTÓRIA, UM PRAZER, UMA NECESSIDADE
O ato de contar e recontar histórias remonta desde a pré-história, quando o homem buscava o conhecimento de tudo que o cercava, nomeando, experimentando e repassando conhecimentos e sensações obtidas.
É Na fase mítica que o homem sentiu necessidade de procurar explicações para os fatos naturais que ocorriam ao seu redor, e através da fantasia concretizava seus medos e suas expectativas em figuras monstruosas ou deidades que interferiam, ora protegendo, ora punindo os seres humanos. Segundo Bárbara Vasconcelos de Carvalho o pensamento mítico adquire formas romanescas na idade média, quando os cavaleiros das cruzadas se uniam para narrar seus feitos. Estes contos que oralmente eram relatados só foram escritos bem posteriormente, entre século XII e XIII. No mesmo período torna-se conhecido os contos orientais, como os contos de “Mil e uma Noites” vindos do Egito no século XIII, e entre eles estavam agregados também vários contos hindus. Um dos mais contados é de “Sherazade”. Este conto chegou ao Brasil no final do século XIX a partir de traduções nacionais, como por exemplo, do professor Carlos Jansen (ZILBERMANN, 1986), e posteriormente difundidos, vejamos o conto:
O rei persa Shariar, vitimado pela infidelidade de sua 1ª mulher, mandou matá-la e resolveu passar cada noite com uma esposa diferente, que mandava degolar na manhã seguinte. Recebendo como mulher a Sherazade, esta iniciou um conto que despertou o interesse do rei em ouvir-lhe a continuação na noite seguinte. Sherazade, por artificiosa ligação dos seus contos, conseguiu encantar o monarca por mil e uma noites e foi poupada da morte. A história conta que, durante três anos, moças eram sacrificadas pelo rei, até que já não havia mais virgens no reino, e o vizir não sabia mais o que fazer para atender o desejo do rei. Foi quando uma de suas filhas, Sherazade, pediu-lhe que a levasse como noiva do rei, pois sabia um estratagema para escapar ao triste fim que a esperava. A princesa, após ser possuída pelo rei, começa a contar a extraordinária "História do Mercador e do Efrit", mas, antes que a manhã rompesse, ela parava seu relato, deixando um clima de suspense, só dando continuidade à narrativa na manhã seguinte. Assim, Sherazade conseguiu sobreviver, graças à sua palavra sábia e a curiosidade do rei. Ao fim desse tempo, ela já havia tido três filhos e, na milésima primeira noite, pede ao rei que a poupe por amor às crianças. O rei finalmente responde que lhe perdoaria, sobretudo pela dignidade de Sherazade.[2]
Os contos e os romances eram destinados aos adultos como fonte de prazer e diversão, seja entre amigos, nos grandes salões de festas ou nas tabernas. E entre eles havia também as canções de amor e de amigo cantadas e aclamadas nas cortes reais e palácios, ou ainda entre as turbes que se apresentavam de cidade em cidade, disseminando historias e canções.
É só a partir do século XVIII que a criança passa a ser considerada um ser diferente do adulto, com necessidades e características próprias, pelo qual, deveria distanciar-se dos adultos e receber uma educação que a preparasse para a vida adulta “condicionada sob os valores morais burgueses”.
É La Fontaine o resgatador das produções do grego Esopo e do latino Fedro, interlocutores das Fábulas, (do latim fabulare=falar), produção literária em que os animais adquirem forma e sentimentos humanos (antropomorfismo), cuja característica principal é a moral da história acompanhada de valores morais e éticos, que são aplicadas na educação da criança.
Mais tarde os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, Hans Christian Andersen e Charles Perrault se inspiram em relatos da tradição oral de seus países e escrevem os contos de fadas como conhecemos hoje:
“O autor mais importante dessa representação-de-mundo, na Literatura Infantil, foi Hans Christian Andersen, legitimo representante do ideário romântico-cristão. Suas centenas de contos (extraídos do folclore dinamarquês ou inventados por ele) são exemplares, como transfiguração literária daquela orientação ético-religiosa. Muitas de suas estórias são realistas: situam-se no mundo real, cotidiano, com personagens simplesmente humanos em luta com as adversidades da vida e, em geral, vencidos por elas, mas vitoriosos na conquista do céu. Outros são apólogos: têm objetos ou seres da natureza como personagens que vivem problemas idênticos aos dos homens. Exemplo: “O boneco de Neve”; “A agulha de cerzir”; “O soldadinho de chumbo”; “Os namorados”; “O pinheirinho”...[3]

Esses contos transpuseram fronteiras e culturas, tornando-se universais. São ainda hoje adaptados como filmes, desenhos ou revistas e livros de história com nuances da realidade moderna.
Segundo (ZILBERMANN, 1986), a literatura infantil no Brasil adquire compleição a partir do século XX e embora, segundo a autora, este quadro conserve um toque europeu, foi adotado como costume entre os brasileiros descendentes de europeus, muito antes do século XX através da oralidade, e se propagou através dos tempos entre os mais idosos, jovens e crianças, independente da classe social, escolaridade ou etnia. A autora, em sua obra “A Literatura Infantil na escola” sobre a prática de se contar histórias entre pais e filhos em volta da mesa do jantar, ou a figura da mãe com um livro na mão sentada ao lado da cama enquanto o mundo fantástico abria-se diante de ouvidos infantis, ou ainda numa divertida reunião de amigos na qual revolviam histórias de fantasmas, bruxas e tesouros escondidos, noites de sabor atemorizante, pois tais histórias povoavam as mentes infantis por dias e noites. Mesmo assim o próximo encontro era aguardado com expectativa. E chama a nossa atenção para esta pratica que se perdeu no mundo moderno de prioridades econômicas, no qual pais, filhos e mestres trilham caminhos divergentes e tentam chegar a um único objetivo: o desenvolvimento da criança.

2.2 - A LEITURA NA ESCOLA
Retomando a introdução deste artigo refletimos: Se, por um lado, este costume, se transformou em lembranças diante do avanço tecnológico e das diversas formas de “diversão” que a tecnologia oferece, e na falsa noção de que os entretenimentos como: jogos de computador, vídeo games e a televisão possam cumprir a mesma função das histórias infantis no desenvolvimento da criança. Por outro, temos a instituição (escola) preocupada com o crescente alheamento das crianças pela leitura e os problemas que isso provoca no processo de aprendizagem. E também, o professor tendo que seguir um programa rigidamente estabelecido, o qual não deixa brechas para trabalhar a leitura de maneira mais prazerosa. E mais o excesso de respeito pela faixa etária na distribuição de conteúdos, o qual permite que apenas as crianças da educação infantil (zero a seis anos) sejam contempladas com a leitura elaborada e divertida, enquanto os demais são considerados como “mini-adultos”, e, portanto habilitados à responsabilidades de maior gravidade, como se mundo infantil e da fantasia deixassem de existir depois dos seis anos, de acordo com os programas de ensino nas escolas. Libâneo configura a atitude do professorado e da escola como uma engrenagem, no qual os professores e a escola não se dão conta que as atitudes contribuem com o alheamento da criança pela leitura e com os resultados negativos quanto ao incentivo desta leitura.
E esses são apenas alguns fatores que alimentam o distanciamento entre livros, histórias e crianças.
Preocupa-nos os métodos aplicados e precisamos levantar suposições sobre os problemas apontados entre: leitura; criança; escola. É Bárbara Vasconcellos quem nos fundamenta, alertando-nos que, para a construção do hábito de leitura é necessário muito mais que apenas exigir a leitura, precisamos, sim, despertar o prazer pela leitura, torná-la mais próxima da criança e sem a carga avaliativa que propõe os programas de ensino.
Paulo Freire que prega a teoria de que cada aluno é produto do meio ao qual está inserido, revela que a função do educador esta fundamentada no estabelecimento da comunicação entre o “homem objetivo” e o “homem subjetivo” (entenda-se homem como ser humano, no caso especifico do qual estamos tratando é a criança), como forma de exercitar a conscientização ou problematização da realidade, para com isso, criar a possibilidade de transformação. Ele nos diz que: “ensinar exige a convicção de que a mudança é possível” (FREIRE, 1996, p.76).
Outro obstáculo que acena para a não apresentação das historias é o temor de comprometimento por parte de escolas e de professores em apresentar histórias que possam trazer elementos nocivos para a educação da criança, contribuindo negativamente para que ela desenvolva preconceitos ou sentimentos contrários aos que a educação deva proporcionar. Muitas histórias têm suas peripécias atenuadas como forma de não agressão ou respeito ao pré-desenvolvimento cognitivo infantil para entender atitudes do herói ou do bandido. Porém, quanto a essa problemática o psicólogo Bruno Bettelheim nos tranqüiliza dizendo que:
Os contos de fadas, considerados por pais e educadores até pouco tempo como “irreais ou falsos” e cheios de crueldade, são, para a criança o que há de mais próximo na linguagem de fantasia, característica do mundo infantil (...) e retratam um mundo de no qual as figuras são a ferocidade encarnada ou a benevolência altruísta, características que capacitam a criança a compreender suas ações e prever reações, possibilitando a criança ordenar seus sentimentos complexos vendo-os separadamente. (1980, p 92)

A dualidade entre personagens maus e bons estimula sentimentos contraditórios, propiciando o reconhecimento de tais sentimentos numa ação real de amor, ternura ou até mesmo de ódio e injustiça, promovendo na criança a auto defesa no reconhecimento destes ou na interação daqueles.

3 – PROJETO CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS
Buscando diminuir a distância entre crianças leitura e livros, foi nos proposto a idéia do projeto “Contação de Histórias: Um Projeto pensado para quem gosta de contar e ouvir histórias”, que visa a elaboração de um espaço vinculado ao ambiente escolar, no qual, professores munidos de estratégias de leitura possam conseguir da criança, através das atividades lúdicas, um resultado positivo na descoberta de mundo e da linguagem. Essas atividades estariam definidas com o intuito de despertar a curiosidade e o interesse das crianças em participar diretamente na elaboração das histórias. A interação resultaria num ambiente despojado de obrigações, climatizado na fantasia ao mesmo tempo em que estabelece a transição entre o mundo real e o fictício.
Bárbara Carvalho e Fanny Abramovich que se dedicam a escrever obras sobre literatura infantil orientam-nos que o ouvir histórias faz com que a criança desenvolva-se intelectualmente e emocionalmente, e através do conto a criança obtém uma chave para o cognitivo, com a qual abre as portas da inteligência e da sensibilidade, descobrindo os conflitos que permeiam as relações humanas, e isto é fundamental para sua formação intelectual e social.
Para desenvolver o projeto definimos a problemática em três perguntas:
a) É possível atrair a atenção da criança para uma atividade como o contar histórias no mundo tecnológico de hoje, que oferece tantos outros meios de contar histórias?
b) Poderemos ter resultados positivos, como a participação espontânea dos alunos nas histórias e a busca do aluno pela pratica da leitura?
c) As atividades de contar e ouvir histórias infere nos resultados de participação social, no desenvolvimento da escrita e na elaboração de histórias imaginativas entre alunos?
Serão questões exploradas durante o percurso do projeto cujos primeiros passos foram desenhados, como por exemplo, o roteiro e preparação do professor ao realizar a tarefa de contador, tendo em vista os objetivos a que se propõe, como por exemplo, atender as expectativas do aluno.

4 - ROTEIRO E PREPARAÇÃO PARA A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS
Possibilita transformar o improviso em técnicas, ou seja, fundir a teoria em prática adequando a história aos ouvintes, ao nível, à faixa etária e ao meio ambiente.
4.1 - A pré-seleção do livro e da história pelo professor/narrador
4.2 - A escolha da história deve atender aos interesses da criança, de acordo com a faixa etária e a escolha, se é de futebol que os meninos gostam, porque não realizar uma leitura na qual o tema atenda tal expectativa?.
4.3 - Estudar o conto e se familiarizar com expressões e vocabulário para que a leitura possa fluir de forma harmoniosa.
4.4 - O narrador deverá estudar a forma de apresentação da história, que poderá ser narrativa, representação através de teatro de fantoches ou outras formas lúdicas.
4.5 - Deverá adotar a mesma postura dos ouvintes, por exemplo: todos sentados no chão em círculo, ou em cadeiras ou ao ar livre, etc.
4.6 - Usar recursos de expressão facial e modulações da voz para despertar a expectativa do ouvinte. E conseguir deles esta mesma postura, pois enquanto articulam a história desenvolvem dicção e superam timidez.
4.7 - Fazer uso de imagens, gravuras, objetos para desenvolver e enriquecer a história, e tomar cuidado para que o exagero não distraia o ouvinte, nem queime a história.
4.8 - Usar a estratégia da contação fragmentada como elemento para atingir o objetivo da criança utilizar a imaginação.
4.9 - Saber ouvir propicia o contato com a magia presente na literatura, ouça e incentive a produção das histórias.

5 - OBJETIVOS
5.1 - Que a criança possa expressar-se com mais naturalidade.
5.2 - Desenvolver uma visão estética, ou seja, maior elaboração nas produções orais e escritas.
5.3 - Maior interesse dos alunos em busca das obras de literatura nas bibliotecas.
5.4 - Despertar a criança para os valores éticos e sociais como fonte de surpresas e descobertas

6 – GÊNEROS TEXTUAIS QUE PODEM SER TRABALHADOS
6.1 - Poemas declamados com mais de uma voz para que possa ser apresentado em grupos.
6.2 - Contos e fábulas como simples narrativas ou representadas através de arte cênica ou fantoches.
6.3 - Provérbios e ditos populares.
6.4 - Trava línguas.

7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso objetivo é bilateral, pois ao mesmo tempo em que proporcionamos momentos de lazer ao educando, nos propiciamos a realizar um trabalho no qual sentiremos prazer em realizá-lo, pois todas as atividades podem ser exploradas quanto a forma; arranjo do texto; vocabulário; rimas; aliterações e podem ser ilustradas tendo em mente o prazer de se brincar com as palavras construindo a fantasia.
Nós aceitamos o desafio de buscar maneiras de trabalhar um conteúdo riquíssimo, que é a literatura infantil sob um método aprazível e ao mesmo tempo crítica, constituindo o embate entre a ingenuidade do senso comum trazido da realidade do aluno e o conhecimento crítico guiado através da prática pedagógica e da leitura em suas diversas formas.
Propusemos-nos a auxiliar a criança, a construir sua ponte entre a fantasia e a realidade, munindo-as dos elementos necessários para a transformação do meio, enquanto enriquece sua experiência e adquire o hábito da leitura por prazer.
Não inventamos esse método, contudo é nosso dever como educador, guiar o educando através da descoberta e da assimilação no mundo da leitura. “É preciso vê-lo, portanto em sua interação com a realidade, o que ele sente, sobre o que percebe, e sobre qual exerce uma prática transformadora” (FREIRE,1977, p75). E isso será possível se, nós como professores propiciarmos um ambiente de interação sem o intuito de medir conhecimento, mas como base para se trocar experiências. E para que isso ocorra, o educador deve ter postura e discernimento para atingir tais objetivos.

8 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMOVICH, Fanny. LITERATURA INFANTIL: gosturas e bobices. 2ª.Ed. São Paulo: Scipione, 1991.
BETTELHEIM, Bruno. A PSICANÁLISE DOS CONTOS DE FADA, 1903. Tradução de Arlene Caetano. 15ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1980.
CARVALHO, Barbara Vasconcellos de. A LITERATURA INFANTIL: visão histórica e crítica. 6ª Ed. SP: Global University, 1985.
COELHO, Betty. CONTAR HISTÓRIAS: uma arte sem idade. SP: Ática, 1986.
COELHO, Nelly Novaes. LITERATURA INFANTIL: teoria, análise, didática. 7ª. Ed. São Paulo: Moderna, 2000.
GÒES, Lúcia Pimentel. INTRODUÇÃO À LITERATURA INFANTIL E JUVENIL. SP: Pioneira,1984.
LIBÂNEO, José Carlos. DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA: a pedagogia crítica-social dos conteúdos. 8. ed. São Paulo: Loyola, 1989.
NIELSEN, Annie. ME CONTA UMA HISTÓRIA... Pais e Filhos, nº 312, p 90-94, set. 1994.
PALO, Mª. José e Oliveira, Mª. Rosa O. LITERATURA INFANTIL: voz de criança. 2ª. Ed. S.P: 1992
ZILBBERMAN, Regina. LITERATURA INFANTIL: Autoritarismo e emancipação. São Paulo: Ática, 1987.
__________/ Marisa Lajolo. UM BRASIL PARA CRIANÇAS:Para conhecer a literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos. São Paulo: Global,1986.
http://www.gaudez.com.br/, acessado em 19/07/2006
[1] Conferência de Abertura da II Edição de Colóquios, apresentada em 03/02/2006 na UNIOESTE,
[2] Texto encontrado no site http://www.graudez.com.br/litinf/origens.htm www.contadoresdehistória.pro.br/sherazade.htm, acessado em 19/09/2006 2:18 h

[3] COELHO, Nelly. 2000, p.95/96