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segunda-feira, novembro 22, 2010

HONORÉ DE BALZAC: A MULHER DE TRINTA ANOS Elaboramos este trabalho para a disciplina de Literatura Universal, o qual está organizado em três subtítulos e visa explorar abreviadamente a vida e obra do escritor Francês Honoré de Balzac enfatizando a análise da obra A mulher de trinta anos (2004), ambientalizada no contexto histórico da pós Revolução Francesa e Restauração da França perante os países europeus, além de situá-la como precursora do Realismo ao mesmo tempo em que abriga em sua narrativa fortes indícios do Romantismo, característica que, além de apresentar ao leitor a verossimilhança necessária para transformar uma história de amor, infelicidade e adultério em obra prima, proporcionou ao autor seu baluarte como expoente da Literatura Universal. Para analisar psicologicamente a construção de alguns personagens tomamos a teoria de Arthur Schopenhauer (1788/1860) filósofo alemão da corrente irracionalista, pessimista em sua visão do mundo que considerou a metafísica do sofrimento no qual a Vontade age como força natural manifesta tanto no ser humano quanto em cada ser presente na natureza no sentido da total realização e da sobrevivência. 1. VIDA E OBRA DE BALZAC Considerado o patrono do romance no ocidente, o escritor e historiador francês Honoré de Balzac, pelo seu estilo de escrita, pode ser considerado também o precursor do realismo literário por apresentar um misto de romantismo exacerbado alinhado aos conflitos sociais em que estão inseridos seus personagens. Questões familiares, jurídicas e religiosas passam a ser questionadas pelas personagens, que buscam explicações, considerações ou mesmo a negação de atitudes ou convenções prejudiciais à liberdade. Nasceu em 20 de maio de 1799 em Tours, na França. Era de família plebéia e estudou até os quinze anos no colégio Vandôme, formando-se posteriormente em Direito pela Universidade de Sorbonne. Essa não era uma profissão que apreciava. Trabalhou certo tempo em um tabelionato e logo resolveu que seria escritor, a despeito da oposição da família. Nas suas primeiras tentativas de ingressar na carreira de escritor não foi bem sucedido. A primeira obra que escreveu foi uma peça teatral chamada Cromwell, de repercussão negativa entre seus amigos e parentes. Apesar de não ter tido sucesso, resolveu submetê-la à apreciação do professor chamado Andrieux que o aconselhou a procurar outra profissão. Pois achou que seus manuscritos não o levariam ao sucesso literário. Persistente, perseguiu seu sonho, e mesmo não tendo o apoio dos amigos e familiares Balzac escreveu dez romances com diversos pseudônimos. Tais romances tinham um conteúdo vulgar, melodramático; seus temas eram monstruosos, o que levou o autor a renegar a autoria dessas obras mais tarde.
Após essa primeira tentativa de ingressar na carreira literária, decidiu ser editor. Com a ajuda de Madame de Berny, sua primeira musa inspiradora, alcançou o objetivo. O empreendimento faliu levando o autor a contrair dívidas. Resolveu então voltar à escrever, para pagar suas dívidas. Dessa decisão resultaram seus dois primeiros trabalhos importantes: Le Denier Chouen, que relata uma história de amor durante a Revolução Francesa e Fisiologia do Casamento. Balzac escreveu outras obras num total de noventa e cinco, algumas delas, peças teatrais e artigos, tornando-se um dos maiores escritores de sua época.
Apesar de ter uma constituição física vigorosa e considerar-se com uma “saúde de touro”, Balzac dedicava-se intensamente ao trabalho, chegando a trabalhar até dezoito horas por dia. Tal esforço fez com que sua saúde começasse a debilitar-se. Mantinha um ritmo de trabalho intenso, bebia enormes quantidades de café e se alimentava mal. Escrever era sua paixão. Durante esse processo, Eveline Hanska, Condessa Polonesa que a princípio era só uma admiradora, mas logo arrebatou o coração de Balzac. Começaram a corresponder-se pelos jornais, e após algum tempo tornaram-se amantes. O primeiro encontro aconteceu em Neuchátel, em setembro de 1833. Mantiveram o relacionamento por dois anos. Deixaram de encontrar-se até janeiro de 1842, quando o marido de Eveline falece e Balzac passa a acompanhar a Condessa em suas viagens pela Europa. Por ser uma mulher de alta linhagem, Eveline recusa o pedido de casamento de Balzac por conta da sua condição de plebeu. Essa união veio a concretizar-se somente cinco meses antes da morte do escritor. Ou seja, foram anos de relacionamento, mas somente cinco meses de vida conjugal sendo que o escritor já estava fisicamente incapaz. O trabalho de Balzac divide-se em três momentos: a primeira vai de 1829 a 1833. Essa etapa foi de aprendizado. A segunda, de 1834 a 1842, em que ele concretiza seu sistema novelístico e a terceira, resulta na unificação da sua obra com o título geral de La Comédie Humaine. Balzac escolheu esse título fazendo uma alusão à Divina Comédia de Dante. 2. A MULHER DE TRINTA ANOS

A mulher de trinta anos de Balzac é a obra que destaca o escritor como precursor do realismo e, embora muitos críticos o classifiquem como extremamente realista, o romance revela uma faceta romântica no inicio da narrativa quando relata o amor platônico de Julia por Artur enquanto progride gradativamente, no decorrer da narrativa, quando os personagens assumem uma característica realista interagindo na sociedade tentando criar liberdade para o sentimento e racionalmente abolindo hipocrisias. A obra composta em VI capítulos que aduzem os diversos momentos da vida da personagem Julie desde sua adolescência; seu casamento com Vitor; o sofrimento diante do casamento fracassado; a tentativa de viver o amor; os acidentes de percurso; a tentativa de proporcionar outra pesperctiva para sua filha mais velha; o dererminismo na ação de sua filha mais nova; sua velhice e morte;
A mulher de trinta anos não foi um romance idealizado de forma integral. Na verdade são seis episódios que a princípio foram publicados como contos separados e com diferentes personagens e só depois reorganizados pelo autor em um só livro com um final bem melodramático. (site de literatura) Os capítulos estão dispostos por subtítulos: I- Primeiros erros; II - Sofrimentos Ignorados; III - Aos trinta anos; IV- O dedo de Deus; V – Os dois encontros; VI - Velhice de uma mãe culpada; Personagens principais: Julie, Victor D’Aiglemont, Arthur Ormond, (filho primogênito do Lord Grenville, político inglês responsável pela abolição da escravatura, visando interesses na mão de obra africana) Charles de Vandenesse (jovem de trinta anos que olhava com certo repúdio o comportamento frívolo das mulheres francesas), Hélène e Moina (Filhas de Julie). Há ainda os personagens secundários: o padre que tenta converter o coração de Julie; o filho que Julie perde afogado no rio; o pirata que rapta Hélène e a tia de Vitor para quem Julie suspira suas primeiras confidências. Datas internas e externas: Inicia-se em 1813 e encerra-se com a data de 1828-1844, Julie então com 50 anos. Marcando como ano de nascimento, o ano em que Julie se entrega ao amor de Charles. O romance tematiza a infelicidade que se transforma em infidelidade. Desenha a mulher da sociedade francesa vista em todas as etapas de sua existência, desde a tenra idade quando se encanta pelo seu primeiro amor, sem ter nenhuma orientação do que realmente é o amor. Num misto de veneração associada a força e a beleza externa Julie escolhe seu primeiro amor como uma menina escolhe seu maior presente. Mente obscurecida pela fantasia do casamento feliz para sempre, a jovem busca, no homem, a força e a imponência nas quais pensa sua proteção. Até chegar a velhice e a morte perpassando todos os obstáculos que uma mulher teria de conciliar diante da sociedade e de seus próprios anseios. Ao construir sua temática sobre amor e infidelidade, tão comuns da vida humana, Balzac a enriquece ao acrescentar como ambiente o contexto histórico da França e a essência da sociedade francesa depois do fracasso político: Pós Revolução Francesa; última parada de Napoleão Bonaparte antes da derrocada final; A França de luto; "13º Domingo de Abril de 1813 dois dias depois, Napoleão iria partir para essa fatal campanha durante a qual perderia sucessivamente Bessières e Duroc, ganharia as memoráveis batalhas de Lutzen e Baritzen, se veria traído pela Áustria, Saxônia e Baviera por Bernadotte, travaria a terrível batalha de Lípsia. (p.9, 10) [...] A Velha Guarda executará pela derradeira vez as hábeis manobras cuja pompa e precisão surpreenderam algumas vezes até o próprio gigante que se aprestava então para o seu duelo com a Europa. Seria a ultima daquelas que suscitaram durante muito tempo a admiração dos parisienses. (p. 10)" O momento político da França descrito pormenorizadamente, seguindo criteriosamente dados históricos foram relatados na obra traduzindo explicitamente a preocupação do escritor com sua pátria, com os acontecimentos e com o sentimento que eles geravam: "O Terror (Jacobino); O Tratado de Amiens: 25 de março de 1802 (p.23); Maio de 1813: vitórias de Lutzen e Bautzen; A Restauração (p.34); A tomada de Paris com a junção entre Prussianos, Austríacos e Ingleses contra a França. (p.35); Os Cem Dias de Waterloo: 1815;
Os Prussianos, os Austríacos e os Ingleses vão fazer sua junção em Blois ou em Orleães... (p. 35)
A queda do regime imperial, a tomada de Paris e o entusiasmo que eclodia a favor dos Bourbons em todos os pontos de França. (p. 36)" "A tia não chorou, pois a Revolução deixara as mulheres do antigo regime com poucas lágrimas nos olhos. Outrora, o amor e mais tarde o Terror familiarizaram-na com as mais pungentes peripécias [...] (34)" "Tudo ia bem, travou-se a Batalha de Waterloo [...] subitamente a França ficou de luto. (p.75)" Uma França destruída por tantas lutas e a tentativa de restabelecimento da paz este era o ambiente propício para narrar o amor e a infidelidade; a honra e o fracasso; a vergonha e a entativa de felicidade. Essas mesmas características encontramos nos personagens da obra. De Balzac e de sua obra os eruditos Gabriel Hanotaux Georges Vicaire falaram aludindo ao relacionamento do escritor com a madura Senhora Berny de quem Balzac devia lembrar-se nesta e em várias de suas obras, uma mulher adulta, mais velha, por quem o escritor passou sua vida enamorado: “Balzac prestou às mulheres um serviço imenso, que elas nunca lhe poderão agradecer suficientemente, pois duplicou para ela a idade do amor. Antes dele, todas as namoradas de romance tinham vinte anos. Ele prolongou até aos trinta, até aos quarenta anos sua vida ativa, pleiteando, em seu favor, a causa da natureza, da verdade. Curou o amor do preconceito da mocidade... Multiplicou senão a alegria humana, pelo menos a consciência desta alegria.” Balzac foi um escritor que marcou época. Dividiu a história do romance do ocidente entre antes e depois de suas obras, sobra ao mundo as conseqüências da Revolução Francesa. Enquanto a França emudecia e chorava seus mortos, Balzac registrou e imortalizou o momento e o lugar onde jaziam: “Ouvem-se os murmúrios da multidão e a poética paz da solidão, a voz de um milhão de criaturas e a voz de Deus. Ali jaz uma capital adormecida sob os tranqüilos ciprestes de Père-Lanchaise” (p. 104). Em toda narrativa, o narrador conserva-se à distância ao relatar a história de Julie e a história da França. Sua voz é coletiva e temporalmente distante. Tudo já havia acontecido. Enquanto Napoleão marchava para Waterloo, Julie amadurecia como mulher. Olhava seu futuro marido (Vitor) como a França olhava seu herói (Napoleão), ambas foram iludidas e desiludidas. Em toda a obra, apenas um momento da narrativa o narrador chega muito perto de participar daquela vida de amor e sofrimento. No momento em o menino, filho de Julie e Charlie, se afoga no rio empurrado pela irmã Hèléne ele busca uma vara para tentar salvá-lo. Sem sucesso. Assim dita a estética Romântica: Os pecados de uma mulher que tenta a felicidade contrariando as convenções sociais e religiosas precisam ser expurgados com a dor da perda, e o filho da infidelidade morreu; O amor não deve ser consumado e Julie espiritualizou o amor por Artur; O amor atinge as últimas conseqüências e Artur adoece e morre por passar a noite fria pendurado no parapeito da janela ao tentar manter a virtude de Julie; Mas convenção social que obriga a mulher a ser virtuosa, perfeita, amável e submissa também oprime. Ama o homem que escolheu, mas não percebe o mesmo amor em seus braços. Sente dor ao perceber no amado apenas o desejo físico, um desejo que a agride seja por não sentir desejo por ele ou pela brutalidade com esse ato se consuma. Jamais havia imaginado que um casamento se resumia em atos como aqueles. A febre é constante e o semblante apático também. Seus olhos sempre tristes, cabisbaixos não tem vida nem alegria para compartilhar com o marido ou com a sociedade. Tudo na sociedade soa falso. Cuida de sua casa, de seu marido, de sua filha, e das finanças com quem se apega à tábua de salvação. Transforma um tolo num homem glorioso. Olha-o com desprezo, pois percebe a fraqueza de um menino no homem que sonhou forte e protetor. Deseja mais, precisa de mais. Então sua alma se desprende das limitações da carne e ama. Ama primeiro sob a égide espiritual, sem entrega física, sem a dor do amor sexual que sofrera no casamento. Ama doando seu coração, seus pensamentos e sonhos. A alegria destes momentos são seu lenitivo. Vitor também a ama, amou-a desde o primeiro momento, pensa até em ações extremas. Mas a virtude de Julie deverá ser seu maior legado à filha, esta é a alavanca que a mantém virtuosa. Ao mesmo tempo em que conserva o amor de Vitor, despreza a ignorância de Arthur por não perceber o que ocorre debaixo de seu próprio teto. Perde Vitor, perde seu amor e sofre. Sofrimento que a torna ainda mais fragilizada, doentia, febril ao ponto de parecer velha aos vinte e seis anos. O Realismo liberta: enquanto a realidade se revela sob a dor da obrigação da entrega no casamento, o realismo questiona essa obrigação. O homem vê a mulher, não mais como criatura indefesa, fragilizada. Julie era o último exemplar romântico que Charles encontra entre o arsenal francês da volúpia, da frivolidade e da vaidade. O valor da mulher e dos relacionamentos se tornam obsoletos no século XVIII, assim vêm os olhos atentos de Charles enquanto transita as badaladas festas e casas francesas: "Todos esses rostos brancos e róseos procuram mais a distração do que do que o prazer. Nenhuma emoção autêntica. Para quem pretender apenas plumas bem colocadas, gazes vaporosas, belos vestidos, delicadas mulheres, para quem a vida for apenas uma superfície a aflorar, aqui encontrará seu mundo.(p.85) O casamento torna-se pesado fardo, que tanto o homem quanto a mulher são obrigados a carregar, mas que jogariam fora e se libertariam na primeira oportunidade. Um a um, os personagens expressam pensamentos e opiniões salientando suas queixas. Vitor também havia se desiludido, o tempo dava a Julie características de que não gostava. Casara-se com uma jovem cheia de vivacidade e agora percebia seu murchar e não entendia, não aceitava, por isso seguia sua vida de infidelidade permitida. Afinal, era homem, e homem era livre para ter amantes, para passar noitadas nas casas de festas. Assim diz Arthur quando perguntado sobre o casamento: "Segue meu conselho, continua solteiro. Casas com uma bela mulher, pois ela torna-se feia; casas com uma jovem saudável, se torna enfermiça; julgá-la apaixonada, é fria; ou então, aparentemente fria, é tão apaixonada que te mata ou desonra. Em breve a criatura mais terna se torna rabugenta, nunca as rabugentas se tornam ternas.[...] Estou farto de casamento." (p.65/66). Os relacionamentos se tornaram fúteis ou interesseiros, Charles era a outra face desse Realismo desvirtuado, buscava sentimentos verdadeiros, mas encontrava frivolidades. Amor era sinônimo de vergonha, pois não trazia valor, domente agregados banais que acabam em casamento, em subprefeituras ou no caso de se tratar de amor, em secretos conluios, de tal modo que têm vergonha que se pareça paixão (p. 85)". Para Charles, a arte do amor tinha outro sentido, a beleza, outra leitura, a sedução. E a beleza não estava nas vestes vaporosas nem nos chapéus. a beleza tinha outras características que só um homem sensível poderia perceber. A mulher trazia nuances românticas na submissão dos olhos baixos e a força na fragilidade. O narrador faz, sob a visão de Charles, a mulher de trinta anos bela e a jovem tola: "A jovem só tem uma sedução e julga ter dito a última palavra quando tira a roupa. (...) A mulher de trinta anos pode tornar-se rapariga, desempenhar todos os papeis, ser pudica e ir ao ponto de embelezar-se com uma infelicidade. Entre ambas ergue-se a incomensurável diferença entre o previsto e o imprevisto, força e a fraqueza. (p. 91")". Na velhice tudo já falou na mulher, as paixões estão impressas na sua face – foi amante, esposa, mãe; as mais violentas expressões de alegria e de dor acabaram por lhe torturar o rosto, para ali se tatuarem mil rugas, cada uma com sua história. E a cara da mulher torna-se então sublime de horror, bela de melancolia ou magnífica de tranqüilidade. Se me é permitido insistir nesta estranha metáfora, o lago seco deixa então ver o sulcos de todas as torrentes que lhe deram lugar: a cara de uma anciã não pertence já nem a sociedade, que frívola se horroriza de nela ler a destruição de todos os ideais de elegância aos quais se habituou, nem aos artistas vulgares, pertence, sim aos poetas, àqueles que possuem um sentido de belo alheio às convenções em que se assentam os preconceitos em matéria de arte e de beleza. (p.163)". O Realismo de Balzac contesta as convenções sociais, questiona qual a verdadeira prostituição; os deveres de esposa; os valores morais; o valor de família diante de interesses financeiros. Cria vínculos românticos ao enaltecer o sentimento e a busca pela felicidade. Faz essas analogias sob a visão de Julie e sua condição de esposa de um homem medíocre que a compara a um belo animal de estimação ou a um objeto de luxo cujo zelo já o cansava: "A apostasia do coração agravada por uma prostituição dolorosa. Porque resistir a um enamorado que amasse quando se entregava contra seu coração e contra os desejos da natureza, a um marido que não amava? (p.50)" A família existe? Eu nego a família numa sociedade que pela morte do pai ou da mãe, faz partilha dos bens e diz a cada um que vá para seu lado. A família é uma associação temporária e fortuita que a morte prontamente dissolve .As nossas leis destruíram as casas, as heranças, a perenidade dos exemplos e das tradições. Em torno de mim, apenas vejo escombros
As pobres criaturas que se vendem por alguns escudos a um homem que passa são amaldiçoadas: a fome e a necessidade absolvem essas efêmeras uniões. No entanto, a sociedade tolera e encoraja a união imediata, muito mais horrível, de uma rapariga cândida com um homem que não chegou a ver durante três meses. Foi vendida por toda a sua vida (p.82)" Julie não pretende que Hélène tenha o mesmo futuro, mas reconhece sua incapacidade de prever ou mudar o futuro das filhas. Apenas tem consciência do seu próprio futuro, do sofrimento de seu tempo. Joga sua Hélène nos braços da aventura da felicidade, mas não consegue salvar Moina que repete os mesmos passos da mãe de maneira ainda mais aviltada pelas vaidades sociais e pela falta de caráter. Não tem um bom relacionamento com a filha, ela é jovem e inconsequente, não a quer ouvir. "O meu futuro é horrível, sei-o bem: a mulher nada é sem o amor, a beleza nada é sem o prazer, mas a sociedade não reprovaria minha felicidade se ela me deparasse ainda? (p. 82) [...] De que meios dispõe as mães para assegurar ás filhas que o homem a quem às entregarão será um esposo caro ao seu coração? [...] Se ao menos o mundo as honrasse, mas não, o mundo calunia as mais virtuosas de nós. Tal é nosso destino visto sob dois aspectos: Uma prostituição pública e a vergonha, uma prostituição secreta e a infelicidade. Quanto as pobres raparigas sem dote, enlouquecem e morrem; Para elas não existe piedade! A beleza, as virtudes não constituem valores no nosso bazar humano e ainda chamam sociedade a este covil de egoísmo! Deserdem as mulheres! Pelo menos assim os homens cumprirão uma lei da natureza escolhendo-as [...] de acordo com os anseios do seu coração. [...] Qual será a sorte de ... 3. SOB A ÓTICA DE SCHOPENHAUER (1960) Ao buscarmos uma teoria psicanalítica que explique a construção dos personagens de Balzac, estudamos sob o enfoque de Schopenhauer (1960) que analisa o sofrimento humano como verdadeira forma de se estar vivo. Para desenharmos o sofrimento de Julie, primeiro a recebemos como egoísta, mimada, adjetivos pronunciados pelo próprio pai e depois pelo padre que tenta libertá-la daquele estado depressivo. O egoísmo de Julie se intensifica quando perde Artur, abandona tudo e todos numa convicta vontade de morrer. Julie desprezara-o desde o primeiro momento, a morte dele defendendo sua honra a despertou para o sofrimento, como analisaria Schopenhauer, percebeu-se viva. "Assim como um regato corre sem ímpetos, enquanto não encontra obstáculos do mesmo modo a natureza humana, a vida corre inconsciente e descuidosa, quando coisa alguma se lhe opõe a vontade. Se a atenção desperta, é porque a vontade não era livre e se produziu algum choque. Tudo o que se ergue em frente nossa vontade, tudo contraria ou lhe resiste, isto é, tudo há de ser desagradável e doloroso. (SCHOPENHAUER, 1960, p. 5-6)" Para o filósofo, o sofrimento se torna o termômetro de que a vontade de viver e não de morrer está presente em cada ser. O amor cumpre sua função física e necessária para a perpetuação da humanidade, portanto de suma importância no contexto relacional. "Deve–se estudar o amor na vida real, a sua importância, o interesse universal.Todo amor vulgar ou etéreo tem origem no instinto sexual. O seu fim é a procriação. A geração futura. A natureza do instinto é proceder no interesse da espécie.” (idem, p.33)" Pensando Julie, percebemos a necessidade de ter tido um filho de Artur, desta forma ela realmente teria concretizado o amor. Abandonou Hélène, justamente por não ser filha do amor, mas esqueceu que Hélène era a filha de um primeiro amor. De uma conjunção carnal que ela desejou, mas não entendia.
Para Schopenhauer, existir é um trabalho árduo que só se concretiza através do sofrimento, não podemos fugir da existência, assim como não podemos evitar o sofrimento, mas diante da realidade da existência, sofrer é positivo e não negativo. Se Julie sofria então também vivia, assim como Vitor, Charles e Arthur, todos estavam insatisfeitos, porém sobreviventes de uma situação maior: "Só o mal é positivo, visto que se faz sentir. O bem a felicidade, a satisfação são negativos porque não fazem senão suprimir um desejo e terminar um desgosto. Acrescente-se a isso que achamos as alegrias abaixo da nossa expectativa, ao passo que as dores a excedem grandemente. A mais eficaz consolação em toda desgraça, em todo sofrimento, é voltar os olhos para aqueles que são ainda mais desgraçados do que nós. Sentimos dor e não ausência de dor. Sentimos inquietação, mas não ausência de inquietação. Sentimos temor, mas não a insegurança. (idem, p. 6)" Quando o padre tenta acalmar o coração de Julie, reforça a tese de Schopenhauer, pois quase a repete: "A dor − respondeu ele − apenas é viável nas almas que foram preparadas pela religião. Ao tormento da existência vem ainda juntar-se a rapidez do tempo, que nos inquieta, não nos deixa respirar, e se conserva atrás de cada um de nós como um vigia dos forçados de chicote em punho." Charles, o segundo amante, interpreta o mesmo pensamento na qual a melancolia, como sinônimo de sofrimento, se traduz numa fonte de prazer: "A melancolia compõe-se de uma seqüência de oscilações morais semelhantes, estando a primeira ligada ao desespero e a derradeira ao prazer: na juventude, ela é o crepúsculo da manhã; na velhice, o da tarde." (BALZAC, 2004, p.83). CONCLUSÂO Os personagens de Balzac, foram construídos a partir de uma perspectiva pessimista do que realmente significava viver numa época em que todas as esperanças estavam enterradas no belo e suntuoso cemitério de Père-Lanchaise. A França, representada pela sociedade, chorava suas perdas enquanto se entregava a uma vida desregrada no luxo e nas vaidades. Não era tempo de pensamentos lógicos, não era tempo de seriedade, era preciso evanescer, esquecer as tragédias. Se isso também causasse sofrimento, Schopenhauer explicaria como natural diante do contexto de sobrevivência de um grupo em detrimento dos percalços por quais tiverem que transpor. Tanto Julie quanto Vitor, Artur, Charles, Hélène e Moina representaram na obra de Balzac os estereótipos de uma sociedade que oscilava entre a total degradação e a necessidade de sobrevivência. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BALZAC, H. A mulher de trinta anos, Ed Martin Claret, 2004. SCHOPENHAUER, Artur. Dores do mundo. Tradução revista por José Souza de Oliveira 4ª ed. Edições e Publicações Brasil Editora S.A. São Paulo, 1960. http://www.sitedeliteratura.com/Litestrang/balzac.htm acessado em http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,,EPT670368-2813,00.html MÁRIO PRATA http://educacao.uol.com.br/biografias/balzac.jhtm Enciclopédia Mirador Internacional

domingo, outubro 24, 2010

Paraná

Ah! Paraná
Que nome tupi se dá
A terra sem palmeira
Sem sabiá?

Tem pinheiro tem campos gerais
onde dorme a cotovia
No seu ninho de julipitá

Tem Gralha que ralha a manhã
No seu tinir e esvoaçar
Em busca da semente perdida

Sem palmeira sem sábia
Tem pinheiro
Um pouco só

Tem cotovia no campo descampado
Tem gralha gralhando no telhado
Chorando a semente escondida
Entre as frestas Concretas
De arranha-céus

Ah! Paraná
Melhor terra não há

Que se ouça apenas o choro da gralha
Que se ouça o esvoaçar da cotovia
A saudade de ti existe aqui sem acolá

Ah! Paraná
Que nome tupi se dá
a uma terra Descampada
Das serras até o mar?

Nas cascatas pequenas e brancas
como véus a enfeitar donzelas
De olhos cabisbaixos
Da vontade de amar o mar?

Sementes afloram em cidades
Que crescem
Sem frutos
Mas crescem florestas
A invadir serras
E cortar véus
De donzelas a chorar
sem o mar amar

Ah! Paraná
Que nome tupi se dá
à terra celeiro
desde a Foz até iguaçú?
Que se quisera grafar ss
Assim como Z se grafa o Brasil?

Ah! Paraná
Melhor terra não há
Mas há um povo esquecido
Isso há

Que não tem saudades
Quando o choro da cotovia triste
emudece por entre o barulho
da fábrica a apitar

se deixe escutar Paraná
Se faça encontrar
entre as estradas entrecortadas
entre as montanhas elevações
entre os rios a esgueirar
o barulho dos ferros que não param de apitar

Chora cotovia
esvoaçã gralha azul
Melhor terra não havia
Que o nosso Paraná.

sábado, outubro 16, 2010

PETRARCA: HISTÓRIA E MEMÓRIA

CHAVES, Regina. G (UNIOESTE)
SIBIN, Elizabete Arcalá. (UNIOESTE)

RESUMO: Este artigo tem como objetivo discorrer sobre vida, obra e momento histórico do poeta italiano, Francesco Petrarca, respeitado como Pai do Humanismo italiano, e como expoente do Movimento Literário Doce Estilo Novo pela consolidação do soneto na Lírica Universal e por revitalizar o latim vulgar, transformando-o em língua principal por ser acessível às cidades-estados governadas por Roma e, por conseguinte, na língua italiana. Analisaremos a Lírica como primeira produção subjetiva, introspectiva e reflexiva social, além de romântica. Sob a Teoria Literária na orientação de Vitor Aguiar e Silva (1979), que perpassando pelas vertentes filosóficas de Hegel e histórica de Luigi Russo (1962), Francesco Sanctis (1993) trará estudos sobre a melancolia de Petrarca. E com Maquiavel (2006) alguma luz sobre a história política da Itália. Assim como apontamentos sobre a influência de Petrarca no Humanismo Português sob a pena de Luiz Vaz de Camões, no Romantismo europeu na música e na pintura chegando até nossos dias com a homenagem pelos 700 anos da morte de Petrarca. Finalizando com uma análise comparativa entre os sonetos 134 de Francesco Petrarca e soneto V de Luiz Vaz Camões (1990), donde pesquisaremos analogias do amor cavalheiresco na arte do amor indefinível, no qual Petrarca foi mestre e Camões fiel discípulo.
PALAVRAS-CHAVES: Cancioneiro, Vassalagem Amorosa, Petrarquismo, Latim Vulgar

Para se entender a importância da Lírica de Petrarca, faz-se necessário um estudo, ainda que na superficialidade, do que representa este gênero literário através dos tempos. Embora a poesia Lírica tenha seus fundamentos desde a antiguidade, sua evolução se acentua, na medida em que o homem se revela diante do mundo. Refletindo sobre este mundo e sobre si mesmo, primeiramente, nasce da luta interior para então irromper-se em forma de poesia para além dos limites do eu. Aguiar e Silva sintetizam melhor essa proposição:
A Lírica enraíza-se na revelação e no aprofundamento do próprio eu, na imposição do ritmo, da tonalidade das dimensões desse eu, na imposição da realidade. (AGUIAR e SILVA, 1979, p. 228)
A emotividade faz com que a expressão poética apresente verossimilhança, não com a realidade objetiva, mas com a consciência de si mesmo. Distancia-se da narrativa e do drama que tem como suporte o mundo exterior e objetivo, sem, contudo, perder-se do eixo da aceitabilidade. A estética de Hegel, para Aguiar e Silva, reflete sobre esse aspecto:
Não é do desenvolvimento de uma ação objetiva alargando-se até os limites do mundo, em toda sua riqueza, mas o sujeito individual, e, por conseguinte, as situações e os objetos particulares, assim como a maneira, segundo o que a alma, com seus juízos subjetivos, as suas alegrias, as suas admirações, as suas dores e sensações, toma consciência de si próprio no seio deste conteúdo. (Idem, p. 227)
Se os poetas gregos admiravam os atletas e a pátria, e concebiam estes como objetos de suas aspirações poéticas, Petrarca concebia seu estar no mundo em si mesmo e no amor metafísico concretizado em suas canções. Amor cuja existência, ao mesmo tempo em que se limitava à existência do poeta, transcendia em seu ardor e sofrimento extremo. A ambigüidade da poesia em se distanciar dos objetos para se aproximar do sentimento, suplantá-lo e alcançar prazer, não foge do empírico, mantém uma equivalência de verdade no contexto de leitura ou apreciação. Assim nos diz o crítico literário:
O acontecimento exterior serve de pretexto (...) para atuar como elemento impulsionador e catalítico da emoção enquanto a essência do poema reside na emoção, nos sentimentos, nas vozes íntimas. (idem, p. 228)
O poeta cria o abstrato ou intensifica as sensações, mas não ao ponto de fugir do real. Registra-a como objeto concreto nas formas e na estrutura da pintura e da escultura, embora na poesia lírica percebamos a fluidez, talvez por estar ligada à música, pois nasceu no sopro ou no toque cujas notas embebidas em sensações, são entoadas, apreciadas e entendidas. Aguiar diz que “a sintaxe rigorosa dissolve-se e a poesia tende assimptoticamente para a música”. (idem, p. 232)
Grossmam contradiz a linearidade da poesia exposta por Aguiar. Para Grossmam, a poesia oferece uma linha ondulante que se assemelha ao ritmo ou a cadência das notas musicais quando favorecem evolução e revolução em si mesma:
A poesia gera estados que são ações que favorecem a evolução e revolução sem incompatibilizar-se – são partes de um mesmo processo, Tem uma função em relação a ela mesma – obliqua e sinuosa de modificar a ordem do mundo. (GROSSMAM, 1982, p. 15)
E explica essa modificação quando o poeta, estimulado pela emoção, consegue coordenar idéias e transportar-se entre um e outro mundo através das palavras.
O real indomável a ser domado pela linguagem. O real desconstruído (..), investigado e estruturado que desvela o poema. Comportar-se adequadamente para o poeta é atingir a percepção através de um ato de imaginação estabelecendo no poema uma contigüidade entre fatos não contíguos. O real preserva o absoluto enquanto a poesia como leitura de linguagem e de discurso se acentua na sua zona de opacidade e transparência (idem p 41-43)
A crítica literária utiliza-se de todos os objetos possíveis para analisar uma produção literária. O poema existe por existe o autor, e por que o autor captou a energia que emanava de seu derredor. Para Aguiar e Silva (1979, p. 146-147) o poeta pode ser definido como alguém com possibilidades psicológicas para entender seu mundo e seu estar no mundo. Por isso analisam psicologicamente o poeta sob a teoria de Guy Michaud no estudo dos elementos psicossomáticos. Esta teoria dos quatro elementos é conhecida desde Hipócrates (357 a.C.) e Galeno (199 a.C.), divulgado por Kant e estudado pela psicologia. Ela apresenta um conjunto das disposições congênitas na formação do outro ‘eu’. De acordo com este estudo, Petrarca seria categorizado como, fleumático e melancólico. No qual melancólico, contem em si o elemento água e o fleumático, o elemento terra, compondo uma estrutura psicológica de intelectualidade e emotividade voltada para o social. As sensações com o objetivo de apalpar o mundo e administrar conflitos.
Petrarca deu forma, métrica e imortalizou o sofrimento pelo amor indefinível através dos convulsionados sentimentos que extraia do social e do político. Modificou a ordem do mundo em relação à Lírica e a lingua italiana. Compôs os sonetos que em italiano, sonnetto, significa pequena canção ou pequeno som. O soneto, que nascera sob a forma de duas oitavas na corte de Frederico de Florença, sob a ordem de Jacobo Notaro ou Jacobo Lentini se transformara em dois quartetos e dois tercetos na composição Petrarquiana. Como herança deste tempo temos duas variedades de sonetos, segundo Cunha e Cintra:
O soneto italiano de quatorze versos, geralmente decassílabos ou alexandrinos, obedecendo a dois esquemas ‘abba-abba’ ou ‘abab-abab’ e o soneto inglês, que também consta de quatorze versos, mas distribuídos em três quadras e dois dísticos obedecendo aos esquemas de “ababbcbccdcd-ee” ou ‘ababcdcdefef-gg’” (CUNHA, 2001, p. 713-715)
Para entendermos o real do qual Petrarca extraiu sua lírica e explicar a faceta melancólica e fleumática que temperaram suas obras desde o Cancioneiro e o amor à Laura perpassando a religiosidade, a historicidade até á critica social, temos que rever o contexto social e político que o poeta tentava desconstruir. Petrarca (1304-1374), denominado Pai do Humanismo, devotado em resgatar a Antiguidade clássica ao escrever cartas ao poeta Cícero, morto 1200 anos antes de seu nascimento, alem der traduzir Homero para o latim. Petrarca, Dante Alighieri, Boccaccio e intelectuais do seu tempo formaram a plataforma para o “Ressorgimento” italiano e o inicio da literatura Humanista europeu. Assim como é de Petrarca, o conceito de “Medida Nova” para a Lírica Itáliana, em oposição à Antigüidade Clássica. A principal característica deste movimento é o afastamento do teocentrismo perante a visão antropocêntrica do pensamento filosófico grego. Os intelectuais defendiam um olhar racional para o mundo, enquadrando o homem como possibilitador tanto para o construir positivo como para o negativo. Poetas do novo, da construção e de transformaçoes.
Poeti Del dolce stil nuovo, assim foram nomeados os criadores do movimento estilístico que propôs nova forma para o soneto, para as cartas e artigos com o uso da introspecção. Uma expressão que caracteriza o estilo e a forma lírica proposta por um grupo de sete poetas italianos: Guido Guinizelli, Guido Cavalcanti, Lapo Gianni, Gianni Alfani, Dino Frescobaldi, Cino de Pistois, Dante Alighieri e Francesco Petrarca. Proposta que se transforma num dos mais importantes movimentos literários da Itália no século XIII alcançando, atemporalmente, outros poetas. O estilo de Petrarca ficou conhecido como Petrarquismo. Estilo designado desse modo no Séc. XV por Pietro Bembo , gramático, escritor, humanista, historiador, cardeal italiano e resgatador das obras e do estilo desses poetas. Bembo, através dos poemas latinizados em A Divina Comédia de Dante Alighieri, do Cancioneiro de Francesco Petrarca e Decameron de Giovanni Boccaccio, encontra material necessário para instituir a gramática e a linguística da lingua italiana. Rodolfo Ilari, embora não faça menção a Bembo, traz um ensaio interessante sobre a formação do italiano literário e as razões de se produzir em latim vulgar e não em latim clássico em toda România. Segundo Ilari, o latim clássico já não atendia às necessidades jurídicas e religiosas desde o século VIII quando foi traduzido o primeiro documento de que se tem conhecimento: “Juramento de estrasburgo”. Era necessário uma tradução para o latim vulgar para que o documento atendesse às duas partes, Segundo Rodolfo Ilari, a poesia provençal cumpriu sua função social em toda România, e, consequentemente, na itália:
O italiano literário desenvolveu-se a partir do florentino entre os séculos XIII e XIV, nesse periodo a Itália estava dividida numa série de pequenos estados autonomos e frequentemente em luta entre si. Em Florença, a experiencia de escrever poesia lírica em latim vulgar coube ao grupo dos Poeti Del dolce stil nuovo (ILARI, 2004, p.123)
Era um momento específico da itália, um momento em que as faccões lutavam para tornar seu domínio no contexto econômico e politico. Cada espaço, assim como a língua, era defendido por suas famílias. Nesta parafrase, confirma-nos Maquiavel:
Antes de Carlos, rei da frança entrar na itália, este país era governado pelo papa, pelos venezianos, o rei de Napoles, o duque de Milão e pelos fiorentinos. Suas preocupações (...) evitar invasões e que impedir que que os outros governos estendessem seus domínios. O papa e os venezianos precisavam ser vigiados com cuidado. Conter Veneza exigia alianças e para tais alianças (...) servir-se dos dos barões romanos que se dividiam em duas facções: os Orsini e os Colonna(...) cuja disputa enfraquecia o papado. MAQUIAVEL(2006, p. 79)
Fim da Idade Média e inicio da vida urbana com a intensificação do comércio promovido pela classe burguesa, que, até então, só poderia participar como expectadores da vida social e política de Roma, eis o contexto. Florença e Veneza como principais centros de comércio. A riqueza passou a ser associada ao capital obtido pelo comércio e não mais pela tradicional aristrocracia formada pelas famílias que detinham a posse literal das cidades. Redescoberta de textos de autores da Antiguidade Clássica. As universidades criam o studia humanitatis: poética, retórica, ética e política grega. As famílias de Petrarca e de Dante, participaram do movimento político, social e religioso que se instaura na Itália depois que a França toma o poder. O conflito entre as principais famílias, o imperador e a igreja culminam com duas eleições de dois papas na história da igreja católica. Um em Roma eleito pelo imperador franco-germânico, e outro, hoje denominados anti-papas, decidido pelas famílias que não aceitaram a interferência do imperador na igreja e no governo das cidades-estados da Itália, “enfraquecendo o papado e fortalecendo as famílias” (MAQUIAVEL, 2006, p. 79). É nesse contexto que “as disputas tornam-se ainda mais ferrenhas, guelfos de Florença contra gibelinos de Arezzo”, (ALIGUERI, e-book, 2010) negros contra brancos, pró imperador contra pró-papa. Dante foi exilado, a família de Petrarca sai de Florença. Petrarca, mesmo contrariando sua ideologia, permanece. Se integra a vida monástica sob a proteção do Papa Clemente V, e depois aceita o mecenato dos Colonna, pois esse era o meio para continuar sua produção, suas leituras e suas viagens. Poetiza sobre a Itália de modo quase unificador. Petrarca, no soneto CLIV 154” (SANCTIS, 1993, p. 179) “nomeia o Rio Ródano como imperador. Forma sútil de dizer que não participaria dos conflitos. Embora estivesse envolvido pelo partido dos guelfos brancos, tinha outro objetivo, conquistar a fama pelos seus escritos. Petrarca seguia o papa Clemente V, mas para escrever África, aceita a hospedagem de rei Ricardo, responsável pelas cidades ao Sul da Itália e adversário de Florença ao norte. Vive democraticamente em função da poesia, embora nela estabeleça seu critério de certo e errado no social. Na busca pela verdade, encontra os textos de Santo Agostinho. Usa Laura como subterfúgio. Se apaixona por Laura, assim como ama sua intelectualidade e a beleza em todos os aspectos. Escreve o dia em que a conheceu:
Distinguia-se por suas virtudes e foi grandemente celebrada pelos meus versos, apareceu-me pela primeira vez aos olhos...no ano de Nosso Senhor Em 1327, no dia seis de Abril, à primeira hora, na igreja de Santa Clara, em Avignon. Nessa mesma cidade, no mesmo mês, no mesmo dia 6. Na mesma primeira hora, no ano de 1348, essa centelha se extinguiu. (DURANT, cap I, p. 5)
Definida como sendo Laura de Novaes, esposa de Hughes de Sade, ancestral do Marquês de Sade (idem), era a mulher virtuosa, casada, que se negou a um relacionamento amoroso com Petrarca. O nome Laura tem semelhança com láurea . Mais tarde, poetas renascentistas que buscaram a forma e o estilo de Petrarca deram o nome a essa coleção de O Cancioneiro. Em seus poemas, encontramos não apenas o nome Laura, mas também Lauro, Louro, sempre fazendo alusões a sua amada. Segundo Sanctis, Petrarca foi precursor de Foscolo, Alfieri, Manzoni, Leopardi, poetas italianos, e também do Romantismo europeu, pois apresentaram a característica do mal de amor:
Atingidos de uma doença moral dos tempos modernos. Esse mal que consiste na desproporção entre o que desejamos e o que podemos. Mata lentamente a alma que mascara a impotência, consumindo-se e definhando-se em imaginações inconsistentes. (SANCTIS, 1993, p. 1-3),
O Cancioneiro de Petrarca sofreu influência das canções apresentadas na corte do Rei Frederico II de Florença. Embora apresente contrastes no amor cortês de amigo, de escárnio e de maldizer, a poesia petrarquiana apresenta semelhanças, com o amor não-correspondido, a vassalagem, a idealização da mulher, o termo Senhora para se referir à amada e “a cumplicidade com a natureza, retomando as bucólicas de Virgilio” (SANCTIS, 1993, p. 174). Petrarca segue muito além do seu tempo, expondo subjetivamente a condição de apaixonado, refletindo sobre sua condição de esquivo das relações sociais “ao descrever seu quartinho, como ambiente propício para se ausentar do mundo, ainda que a solidão o apavorasse.” (Idem, p. 164).
A Lírica de Francesco Petrarca atravessou séculos, percebemos sua influência no Humanismo tardio de Portugal sob a pena de Luiz Vaz de Camões. Na pintura de Pieter Bruegel, O Velho, que retratou Triunfo da Morte . Nas composições de Liszt Ferenc, famoso compositor e pianista do Romantismo, que compôs sonatas versadas nos sonetos de Petrarca, Dante, Fausto e Goethe. Mais recentemente, em 2003, o Barítono Martin Bruns revendo todos os 11 músicos e 16 sonetos musicados, organiza um grande concerto comemorativo pelos 700 anos de nascimento de Francesco Petrarca.
Luis Vaz de Camões, embora tenha apresentado as redondilhas dentre seus trabalhos, traduziu a Lírica de Petrarca para a língua portuguesa e se inspirou na estética e na “Medida Nova” ao compor sonetos de dois quartetos e dois tercetos. A análise dos poemas a seguir sugere a relação estreita entre mestre e discípulo ao ponto de não se conter o anseio de analisar ambos como se de um mesmo momento histórico, de um mesmo autor, tal a proximidade das produções. Logo abaixo, elencaremos o soneto 134 de Petrarca e o soneto V de Camões para uma análise mais apurada:
Soneto 134 de Petrarca
A paz não tenho, e sem ter motivo vou à guerra:
e temo, e espero, e ardo em fogo, e sou de gelo,
e quero subir ao céu e caio em terra,
e nada abraço e o universo ando a contê-lo.

Tal é minha prisão, que não se abre, e não se encerra:
prende-me o coração, mas sem prendê-lo,
não me dá vida ou morte, Amor, e erra
minha alma sob o enorme pesadelo.

Odeio-me a mim mesmo, alguém amando,
grito sem boca ter, sem olhos vejo,
quero morrer, e a morte me apavora.

Nutrindo-me da dor, chorando eu rio:
igualmente não me importam a morte e vida:
eis o estado em que me encontro, Senhora, por vós.
Soneto V de Luis Vaz de Camões
Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Antepor os versos para que a possamos explicar a proximidade da construção poética e depois buscar diferenças explicitas nesta relação, será o propósito de nossa análise. Usamos apenas dois poemas já antevendo que as similaridades ocorrem em quase toda produção de Camões. Os dois poemas são construídos a partir dos duplos sentidos que os termos oferecem, das antíteses que ensejam a indefinição do humano diante do amor que se personifica ao ser expressado em letra maiúscula ou se metaforiza comparado ao calor e ardência do fogo, ao frio, ao gelo, á prisão, á luta, ao limite entre vida e morte. /ardo em fogo e sou de gelo/ não me dá vida ou morte, Amor, /Amor é um fogo que arde sem se ver/ se tão contrário a si é o mesmo Amor?/ O estado emocional descrito por extremos que hora são picos de alegria, hora estados depressivos no limite máximo de angústia e persistência de vida, deseja-se a morte, mas teme-se a morte, deseja-se a alegria, mas o sentimento toma proporções complexas, muito acima do entendimento humano./quero morrer e a morte me apavora/ Odeio-me a mim mesmo, alguém amando,/ Nutrindo-me da dor, chorando eu rio / Os poetas conduzem as palavras numa música perfeita, explicam, aludem e expõe seu mais íntimo estado de embriaguês amorosa que atinge o prazer na dor. Dor da não possessão, da submissão, da inferioridade. É o homem desconstruído do amor divino frente às novas tendências Humanistas, mas buscando, sob o olhar espiritual, aquela antiga sujeição ao sentimento religioso usando e abusando do gerúndio e o infinitivo dos verbos como forma de glorificar o estado de melancolia./e quero subir ao céu e caio em terra/ É querer estar preso por vontade/. Amando,/ Nutrindo/ chorando/ Embora a estética do romantismo fosse teorizada séculos mais tarde, podemos fazer a viagem inversa e perceber nuances do grotesco e do sublime quando os poetas separam a beleza e a deidade da amada diante da sua própria natureza terrena mesclada a sentimentos imundos e físicos. /é ter com quem nos mata, lealdade/ é servir a quem vence, o vencedor/.
Tanto Petrarca quanto Camões buscaram no platonismo o egocentrismo a partir da subjetividade exagerada. Ambos glorificaram sua pátria e nela foram expoentes do Humanismo. Cantaram e poetizaram o amor numa linguagem acessível. Elegeram sua deusa, e muitas vezes com ela se confundiram. Petrarca é o inovador, aquele que primeiramente se expõe, ama até o mais profundo da alma. Petrarca amou Laura, a Itália e exerceu a Fé. Usou de lirismo para declarar seu amor, assim como para promover a critica social. Camões amava sua terra, amava-se mais do que amava sua Dona Caterina de Ataíde ou Natércia, Dona Maria irmã do rei, e Dinamene, sua amada chinesa. Usou do lirismo para declarar-se apaixonado, e declara sua egocentria noutro poema: /Transforma se o amador na coisa amada/ (CAMÕES, 1990, p. 46). Ambos, Petrarca e Camões, embora Camões apresente em outros versos um tom mais erotizado, enquanto Petrarca prossegue na sua devoção sincera e espiritualizada, são divulgadores do amor transcendente, um sendo a ponte para o outro, enquanto a poesia toma o caminho que lhe é de direito. Portanto temos aqui a diferença do momento histórico e a enlevação de que foram acometidos dois principais poetas líricos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL,escola. Apolo e Dafne http://www.brasilescola.com/mitologia/apolo-dafne.htm
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QUEIROZ, Mirna. http://www.vidaslusofonas.pt/luis_de_camoes.htm. Acessado em 22 de julho de 2010 às 14h28min
CUNHA, Celso. Nova gramática do português contemporâneo Celso Cunha, Luis F. Lindley Cintra. 3. ed. Ed Nova Fronteira:Rio de Janeiro, 2001
DIEGUEZ, Gilda Korff. Sonetos de Petrarca. Rede de Letras. Acesso em 22 de julho de 2010 às 08h27min. http://www.estacio.br/rededeletras/numero8/parlaquetefabene/petrarca_sonetos.as
DURANT, Will. A historia da civilização. A renascença de Petrarca à morte de Ticiano, 1304/1576, e-books visitado em 28/05/2010http://books.google.com.br/books?id=U-74JkrlGdwC&pg=PA258&dq=petrarca+e+o+estilo+novo&hl=pt-BR&ei=GbguTOaqJs6wuAfPnunnAg&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=7&ved=0CE0Q6AEwBg#v=onepage&q=petrarca%20e%20o%20estilo%20novo&f=false
GROSSMAM, Judith. Temas de teor literário. Ed Ática: São Paulo, 1982.
ILARI, Rodolfo. Linguística Românica. 3ª ed. Editora Ática. São Paulo, 2004.
MAQUIAVEL. O Principe.Trad. Pietro Nasseti. Ed Martin Claret: São Paulo, 2006
RODRIGUES, Marina Machado. O MARRARE - Revista da Pós-Graduação em Literatura Portuguesa da UERJ. www.omarrare.uerj.br/numero7/marina.htm
____________________________________ Acessado em 22 de julho de 2010 http://www.omarrare.uerj.br/numero11/pdfs/marina.pdf
RUSSO. Luigi. Compendio storic dellla letteratura italiana. Firenze/Messina: Editrice G. D'Anna,1962. Tradução em anexo.
SANCTIS, Francesco de. Ensaios Críticos. Tradução de António Lázaro de Almeida Prado Ed. Nova Alexandrina: São Paulo, 1993.


ANEXO
Obras de Francesco Petrarca, tradução do livro de Luigi Russo.
AS OBRAS LATINAS: O MEU SEGREDO“ (SECRETUM), composto em Valchiusa em 1342-43. É um diálogo imaginário entre o poeta e Santo Agostinho. Nos três volumes desta obra se desenvolve um drama intimo do escritor e de sua existência atormentada. Uma reflexão cristã sobre o significado da morte, as preocupações e os bens terrenos à luz dos valores espirituais. Petrarca reconhece e confessa defeitos, No primeiro volume Petrarca especifica a doença do seu espírito: à vontade: No segundo volume, Santo Agostinho encontra Petrarca culpado de todos os sete pecados capitais, menos o da inveja, o mais grave é a preguiça, especificada como “a vontade“. No terceiro volume o poeta confessa os dois sentimentos mais luminosos de sua vida: o amor de Laura e o desejo de glória.
AS EPÍSTOLAS São 552 cartas em latim, divididas em: 24 livros de Lettere familiari (1325 a 1361), (Cartas familiares), 17 livros Seniles (1361 a 1374), (Senis), 57 cartas Variae, (Variadas) e 19 cartas Sine nomine (Sem destinatário). As primeiras publicadas pelo autor, as segundas escritas nos anos de sua velhice. As “Variae“ recolhidas pelos amigos e admiradores, e as “Sine Nomine“ ou (Sem destinatários), o poeta atira violentamente contra a corrupção da Corte Papal de Avignon. Algumas “Epístolas“ são endereçadas a Cícero e Virgilio.
AS OBRAS FILOSÓFICAS São três obras de Petrarca têm um caráter filosófico: De vita solitária (2 volumes, 1346-1356), De cunho religioso (2 volumes, 1347-1357), De remediis utriusque fortunae (253 diálogos, 1354-1360), de conteúdo moral e religioso. Na primeira, o escritor exalta a vida solitária na paz serena do campo que permite recolhimento e o estudo, na segunda, a tranqüilidade ideal daqueles que se dedicam a vida monástica, isolando-se do mundo e fechando-se na contemplação religiosa. Na última, aconselha como se deve comportar na boa e na má sorte.
ÁFRICA é um poema iniciado em 1338, em Valchiusa, quase acabado em 1341 em Selvapiana. Petrarca pensava obter a glória que, lhe veio do “Cancioneiro”. Trata-se de um poema épico sobre os heróicos acontecimentos da segunda guerra púnica, exalta Scipione, o africano e a grandeza de Roma. A parte mais bela do poema é historia de amor de Sofonisba e o lamento de Magone que, na hora da morte, descobre a vaidade das coisas terrenas. As palavras de Magone moribundo (VI,885-918) são os únicos versos divulgados durante a vida do poeta.
AS OBRAS HISTÓRICAS: São duas obras em prosa: De viris illustribus e Rerum memorandarum libri De viris, iniciado em 1351-1353, compreende 23 biografias de personagens romanos ou de alguma forma ligados a história de Roma. De 1351-1353 Petrarca ampliou o projeto da obra incluindo homens ilustres de todos os tempos a partir de Adão, e compôs outras 12 biografias principalmente de personagens bíblicos. Sucessivamente Petrarca escreveu Vita di Scipione e Vita di Cesare. Rerum memorandarum (1343-1345), Terminados quatro volumes, compreendem uma serie de anedotas históricas escolhidas para ilustrar as virtudes morais. A história é reduzida da biografia à anedota, gira em torno do homem e suas experiências. Dos restantes das obras latinas, recordamos os três volumes de Epistolae Metricae 66 epistolas de caráter biográfico, escrita entre 1350-1363, Bucolicum Carmem, 12 éclogas alegóricas de vários argumentos e duas obras polêmicas em prosa, De sui ipsius et multorum ignorantia (escrito em 1366 para combater a abstração da filosofia Aristotélica), e Invectiva contra medicum composta entre 1352-1355, em defesa da poesia e das ciências morais contra as ciências e as artes mecânicas. Cícero é o modelo das epístolas, Santo Agostinho do “Meu Segredo”, Virgilio de “África”, sentimos ainda a presença de Sêneca nos tratados filosóficos e de Lívio na narração da segunda guerra Púnica. O Latim de Petrarca, longe do Dantesco, é um latim exemplificado sobre Cícero, o léxico é rico e variado, sobre a latinidade.
AS OBRAS VULGARES: O CANCIONEIRO: Petrarca é centro da obra, na qual demonstra uma profunda unidade poética. A essência do poeta é continuamente indagada na sua sensibilidade, nas paixões e nos sentimentos, na alegria e na frágil tristeza. A morte de Laura divide o Cancioneiro são 366 poemas divididos em duas partes: As rimas em vida e As rimas na morte. O livro termina com a Canção à Virgem e a reflexão sobre a recusa do tempo gasto em vão e a ânsia de anulação religiosa, enquanto a pacificação em Deus já era implícita na insatisfação das primeiras composições. Os temas poéticos são a beleza de Laura e o êxtase amoroso, o tormento do amor não correspondido, a necessidade de solidão, a contemplação na natureza, (...) No Cancioneiro Petrarca revela ainda, no plano poético magnífico, o seu mundo interior e exterior: no seu drama de homem apaixonado e os conflitos espirituais do período histórico em que vive. Entre as poesias não amorosas estão as invenctivas contra a Cúria Papal de Avignon e versos para a morte de personagens famosas como Cino da Pistoia e Sennuccio Del Bene. Recordemos duas canções civis, Espírito Gentil e A Atália: na primeira Roma é colocada como modelo de sociedade civil para os corruptos de sua época, na segunda os senhores da Itália são convidados a conclamar a reunião do povo, buscando as herança das virtudes de Roma contra os soldados mercenários germânico descendentes daqueles bárbaros. (RUSSO,1962),

NOTRE-DAME E A ARTE GÓTICA: O CONTEXTO POLÍTICO E CULTURAL NA ARQUITETURA DO SÉCULO XII

NOTRE-DAME E A ARTE GÓTICA: O CONTEXTO POLÍTICO E CULTURAL NA ARQUITETURA DO SÉCULO XII

CHAVES, Regina (G- UNIOESTE)
GALANTE, Camylla(G- UNIOESTE)
SCHULTZ, Benilde Socreppa. (UNIOESTE)

RESUMO: Victor Hugo, autor do romance Nossa Senhora de Paris, vulgarmente conhecido como O corcunda de Notre Dame, traz considerações arquitetônicas acerca do edifício onde se passa a estória de Quasímodo e Esmeralda. O autor considera a igreja como um documento histórico, no qual é possível identificar registros dos períodos pelos quais a construção do edifício passou, mas que, devido a traços da modernidade na arquitetura, dados históricos se perderam. A obra, ao mesmo tempo em que fala das alterações causadas ao prédio original, expõe os prejuízos trazidos por ela. Hugo repassa os elementos que compõe a igreja e a insere no contexto político e cultural do período de sua construção. No presente artigo, pretendemos demonstrar que a arquitetura, como expressão artística, pode ser analisada criticamente sem que o belo e o estético possam ser questionados. Este é nosso objetivo ao apresentar a beleza artística e cultural da Catedral de Notre-Dame de Paris como um dos expoentes arquitetônicos do movimento gótico no qual se revela, além do concreto como forma e do abstrato como espaço religioso, um instrumento na arte humana de dominar e deixar-se dominar através de um método didático de ensino cultural. Nosso trabalho será feito com embasamento histórico de nomes como Williamson (1998), Tavares (1978) e Gombrich (1993) apresentando características físicas e históricas da arte gótica.
PALAVRAS-CHAVE: Catedral de Notre-Dame; Arquitetura Gótica; Religião; Política.

Deus, ao criar o homem à sua semelhança, tornou-o partícipe da criação. Desta forma, e não com essas mesmas palavras, o cristão tem sido ensinado através dos relatos Bíblicos. Bastides, no seu trabalho sobre arte e sociedade estende seus estudos revendo a arte advinda dos segmentos religiosos desde os totens australianos, perpassando pelos mitos até chegar à organização sistemática da religiosidade humana. Ele, ao citar Durkhein, coloca a religião em primeiro plano como a instituição humana que rege todo espírito artístico e estimula o homem a criação, pois “dos mitos e das lendas que saíram a ciência e a poesia; foi da arte de ornamentação religiosa e das cerimônias do culto que derivaram as artes plásticas”. (BASTIDE, 1971, p.42). Hênio Tavares, em seu estudo sobre teoria literária no capítulo II, discorre sobre como conceituar arte, cita Geraldo Rodrigues:

A arte, qualquer que seja sua definição, é uma causa profunda, mais inconsciente do que consciente, mais instintiva do que racional, qualquer coisa que repercute no lado noturno e desconhecido de nós mesmos, que lança ecos e ressonâncias desde as profundezas do nosso oceano interior. (in TAVARES, 1978, p. 17)

A definição, embora muito bem elaborada, não abrange toda complexidade do que realmente significa arte, pois se a concebemos mais da inconsciência e mais do instinto, delimitamos sua existência como obra do mero acaso. Fato irrelevante, já que objetivamos descobrir na arte gótica a criação intencional da beleza. Neste foco de análise, citado também por Henio Tavares, reflete Alceu Amoroso Lima quando cria a dicotomia ciência e arte. Para Amoroso, “o homem pode assumir perante o universo, duas atitudes básicas: ou considera o mundo para o conhecer ou o encara para agir sobre ele”. (LIMA apud TAVARES, 1978, p. 24) Para Amoroso, ambas as atitudes têm uma mesma finalidade e são indissociáveis e do qual chega à conclusão de que “todo conhecimento essencialmente científico é acidentalmente artístico” (Idem, p.24). Amoroso retoma, neste trabalho, a mesma classificação feita pelos gregos sobre arte menor e arte maior, quando inclui vários tipos de trabalhos como arte. Embora não use os mesmos termos e nem hierarquize a arte em níveis que vão do humano ao quase divino, ele cita que a arte que precise trabalhar “materiais brutos ou trabalhar para adaptar o Espaço e o Corpo como a arquitetura torna-se uma intervenção” humana “na natureza” (idem). E relembra também a questão sobre o dom ser “elemento de seleção” quando Platão responde a pergunta: “O que é o dom?” Tavares reforça dizendo que “para ser artista não basta querer, pois é preciso poder” (Idem, p.24).
Desta forma herdamos a arte e a conceituação sobre arte. Dos gregos, recebemos a história, a política, as leis, a gramática, a oratória, a sistematização dos métodos de estudo, assim como a elitização dos dons artísticos. Para Platão, apenas uma classe especial de homens poderia ter dons especiais, ou ser agraciado com a luz divina da sabedoria. A teoria de Platão se confirmou nos séculos que se seguiram. Poucos foram os revelados artistas. No entanto, Bastide (Idem, p.113) analisando sob olhar da sociologia, revela que “não basta dizer que a religião influi na arte. É preciso ver ainda o mecanismo sociológico dessa ação”.
Partindo desses apontamentos, e seguindo, quase à risca os enunciados, elencaremos, neste trabalho, uma breve exposição histórica, econômica e política do século XII, século das construções das maiores e mais importantes catedrais do estilo gótico, em particular, a Catedral de Notre-Dame.
Antes, porém, é importante relembrar: Roma ao consolidar seu império e eleger como religião estatal, o cristianismo, toda produção artística, literária, escultural e arquitetônica limitou-se ao novo estilo romano agregado às influências gregas enquanto tematizava, uma crença judaica mesclada ao sabor romano. Esse era o contexto na qual a cultura tenta, harmonizando conflitos, emergir com força e beleza. Williamson historiciza este momento retratando a importância cultural e social que os mosteiros e a classe clerical assumem diante da sociedade medieval:

Em meados do século XII, o prestígio dos grandes mosteiros era incontestável. Os religiosos e intelectuais mais influentes eram monges, como o abade beneditino Surger e o organizador da Ordem Cisterciense, São Bernardo de Clairvaux. Os empreendimentos artísticos eram totalmente dominados e controlados pelos principais hierarcas monásticos, e era nos mosteiros que se encontravam as melhores oportunidades de trabalho. (WILLIAMSON, 1998, introdução).

Gombrich retrata a imagem de um cristianismo primitivo ao descrever como os lugares de culto eram concebidos até o século IV e como transcorreu a mudança:

Até o ano de 311 d.C. As igrejas eram salas de reunião insignificantes, mas a igreja passou a ser o supremo poder do reino, os lugares de culto não podiam adotar os modelos antigos. As igrejas não usaram o templo pagão, mas adotaram o tipo amplo de salão de reuniões que nos tempos clássicos eram conhecidos por Basílica “pórtico real” antes mercado e recinto para audiências públicas de tribunal. (GOMBRICH, 1993, p. 94)

Os romanos adaptavam os costumes dos povos que dominava inculcando na nova cultura, um estilo próprio. Assim o cristianismo foi adotado através do foco e da necessidade de Roma. Bastide faz uma ressalva importante nessa última afirmação:

Há uma confusão a se evitar. [...] Existem dois tipos de (artistas): os que desejam por sua arte ao serviço da sociedade em geral [...] ou dum grupo particular. Assim o artista deve dedicar-se apenas á realização de coisas belas sem se preocupar com a repercussão que sua obra possa ter sobre a vida social. BASTIDE (1971, p.182)

A arte não é a sociedade, nem um grupo social, ela se destaca ao mesmo tempo em que é agregada como resposta do todo. É aceita, admirada e “abordada através duma filosofia social. Uma linguagem, [...] um fator de solidariedade social”. BASTIDE (1971, p.183-184) E como característica de toda linguagem, está pronta para se rebelar, se transformar, buscar novos caminhos, mesmo que para isso tenha que voltar no tempo para saciar sua essência de nuances antigas para compor a nova.
A Itália é o berço do cristianismo, assim como era também o berço da política romana. Um império que dava sinais de desmoronamento causado pelo “vigoroso ressurgimento da vida urbana” (JANSON, 1994 p.304). O país era, até então, um aglomerado de antigos feudos pertencentes à poderosas famílias, que foram se organizando como cidades a partir das catedrais. As famílias que eram vassalas tornaram-se mais poderosas que as tradicionais; “o avanço tecnológico, como a criação do arado e do moinho de vento” (WILLIAMSON, 1998, p.), propiciou uma agricultura profusa, fortalecendo o comércio na região e fora dela trazendo a riqueza necessária para as cidades, e, por conseguinte, poder e influência para a construção das catedrais, enquanto religiosidade e enquanto símbolo poderoso dessa sociedade que emergia.
O Abade Suger torna-se o principal administrador desta nova empreitada, “conselheiro principal de Luis VI” (Idem, p.301), de raiz normanda, de família pobre, mas sempre ligada aos fazeres eclesiásticos, conseguiu, através da diplomacia, da inteligência, da persistência e da disciplina ao seguir seus planos até a execução, aliar as cidades ao imperador, e, por conseguinte, o papado ao imperador. O fato de fazer parte da classe clerical abriu possibilidades às expectativas do Abade, que primeiramente, ao construir a catedral de St. Denis homenageou o patrono da sua cidade atraindo, conseqüentemente, para si o louvor. Duby confirma essas palavras:

Por definição, a catedral é a igreja do bispo, portanto, a igreja da cidade, e o que a arte das catedrais significou primeiramente na Europa foi o renascimento das cidades. Estas, nos séculos XII e XIII, não param de crescer, de se animar, de estender os subúrbios ao longo das estradas. Captam a riqueza. Após um longuíssimo apagamento, tornam a ser [...] o foco principal da mais alta cultura. Mas a vitalidade que as penetra vem, quase toda, dos campos circundantes. [...] em parte alguma o impulso de prosperidade rural foi mais vivo nesta época do que no Noroeste da Gália. [...] Por isso a nova arte foi reconhecida por todos os contemporâneos como sendo propriamente a arte de França. (DUBY, 1978, p. 99)

A igreja deveria ser imponente para atender a todos os segmentos da sociedade. Olhando por este prisma, podemos antever o dualismo humanista nesta concepção, enquanto Williamson expõe com clareza este momento como “um dos resultados mais importantes do chamado Renascimento do século XII foi a mudança de atitude do homem comum perante Deus” (WILLIAMSON, 1998, p.).

A reputação de cada catedral dependia do status de suas relíquias ou de seu santo padroeiro, e era do interesse de qualquer bispo estabelecer fortes vínculos entre sua igreja, as autoridades civis e a população (Idem, p.).

Deus já não era mais um Deus de miséria e sim um Deus de prosperidade. A riqueza e a busca pela perfeição no ato de construir e de esculpir tinha um objetivo humano, além de um espiritual: satisfazer o ego humano e estabelecer, mesmo que ainda com restrições, um novo caminhar na busca do próprio homem como ser integrado e responsável pela sociedade e por seus atos.
Sobre o abade Suger, Janson concorda com DUBY (1978) no lado positivo e aponta um lado negativo: “No caso negativo, pode atribuir-se-lhe algum merecimento pelo estilo que ele chama tão orgulhosamente, a ‘sua’ nova igreja” (JANSON, 1999, p. 303). Nova igreja porque apresentava uma estrutura diferenciada do pesado românico. Uma arquitetura elaborada, rica nos detalhes. Causa de estupefação aos que as admiram e reconhecem o grau de dificuldade e de disciplina que foram empregados para atingir o resultado observado, num tempo em que a tecnologia de ponta era o arado manual. Se até o século XI o homem se preocupou em oferecer a Deus o que havia de melhor em pedras preciosas e ouro, a partir desse tempo ele começa a se preocupar em oferecer também o que ainda não há, mas o que pode ser criado de melhor na estrutura artística da engenharia da construção. Embora a terminologia ‘engenharia da construção’ só passa a existir a partir do século XVIII, conforme cita a revista de engenharia EngWhere, designa o momento em que a necessidade de expandir conhecimentos através da prática se torna possível. O ideal expansionista atrelado aos ideais de fé e de política propiciou um ambiente satisfatório para o surgimento da estética do gótico.
Gombrich, no capítulo intitulado “A Igreja Triunfante”, expõe as características marcantes do novo estilo arquitetônico do qual o Abade Suger trabalhou como mestre de obras, primeiro em St. Denis e depois a Catedral de Notre-Dame de Paris. Construída desde 1163 até 1220, o que indica um período de 57 anos de construção, na qual se envolveu um exército de trabalhadores munidos de força bruta e dons necessários para compor um dos primeiros expoentes da arquitetura gótica.

Era o aparecimento do estilo gótico. [...] Era principalmente uma invenção técnica; contudo, em seus efeitos, tornou-se muito mais do que isso, foi descoberta de que o método de abobadar uma igreja por meio de arcos transversais podia ser desenvolvido de maneira [...] sistemática e com objetivos mais ambiciosos do que arquitetos normandos sequer chegaram a imaginar. [...] era possível erigir uma espécie de estrutura de pedra para manter o edifício coeso. Bastava empregar pilares leves e costelas estreitas nas arestas da abóbada. [...] Não havia necessidade alguma de pesadas paredes de pedra, pelo contrário, nas paredes podiam ser abertas grandes janelas. Essa era a idéia dominante das catedrais góticas desenvolvidas no norte da França [...]. O princípio de cruzamento de “nervuras” não era bastante, por si só, para esse estilo revolucionário de construção gótica foi necessário um número de outras invenções técnicas para tornar possível o milagre. (GOMBRICH, 1993, p. 137)

Notre-Dame, na sua fachada ocidental (Fig. 1), conserva o estilo “românico normando, a nave de abobadas sexpartidas, os tramos quase quadrados [...] e as grossas colunas das arcadas da nave” (JANSON, 1994, p.304).

Fig. 1. Portal Sul da Catedral de Notre-Dame de Paris.

Na fachada à sudoeste se percebe o estilo gótico com suas agulhas elevadas a rosácea maior e a menor na torre central e os arcos de sustentação nas paredes laterais confirmando a visão estereotipada pelos historiadores dos contrafortes em forma de “esqueleto. Gótico é, também, o verticalismo do espaço interior” (Idem, p.304). São ricos os detalhes da fachada Oeste, que serão analisados no decorrer do trabalho.
Para a visão de um admirador de arte, Notre-Dame (Fig.1) apresenta em sua estrutura concreta os movimentos estilísticos que um crítico literário observa em séculos de obras produzidas por diversos autores. É a concretização de dois tempos num só. De dois ideais num só. O homem na escuridão e sem conhecimento e depois o homem em busca da luz e do conhecimento, ampliando seus espaços. Estendendo nossa visão otimista da história, podemos contar aproximadamente quatrocentos anos, entre romanismo e goticismo, estatizado na estrutura principal da catedral, além de outras possibilidades culturais ainda mais remotas.
A abertura de grandes janelas supriu a necessidade de ampliar o interior da igreja e libertá-la do peso e da arte românica; o objetivo era inundar a igreja com a luz divina criadora do universo. A relação entre função e forma, estrutura e aparência compõe a verdadeira harmonia na estética geométrica, a essa relação Janson chama de beleza e harmonia aliada à proporção, assim como avalia o objetivo aliado à linguagem e à educação. É nesse olhar que percebemos um cristianismo fortemente estimulado pelos mitos da crença pagã helênica e grega.

Fig.2. Gárgula

“Os monstros mitológicos (Fig. 2) se enroscam em torno dos capitéis do século XII e no século XIII são desterrados para o cimo da catedral, servindo ao escoamento das águas da chuva (carrancas)” (BASTIDE, 1991, p.100). A Bíblia não relata figuras de carrancas e nem faz menção ao aspecto do diabo como sendo uma entidade cuja presença causasse medo ou pavor. Ao contrário, embora o diabo tenha a característica de opositor e de inimigo de Deus, sua aparência está retratada na Bíblia como um anjo de luz, pois antes de ser lançado fora do éter, ele realmente era anjo de luz. No entanto, em termos de escultura educativa a Catedral de Notre-Dame de Paris apresenta, em suas paredes exteriores, a sacra família, os santos e profetas, as virtudes e os vícios personificadas e as esculturas representando relatos bíblicos, e, principalmente, o que nos chama a atenção, a gárgula, e no Portal do Juízo Final, algumas esculturas de aspectos amedrontadores, seja para usá-los como elemento coercivo, ou como representação do que seria um diabo segundo os ensinos da época. Janson descreve este método pedagógico como remanescente do pensamento medieval.

Tudo o que pertencia à igreja tinha sua função definida e expressava uma idéia precisa relacionada com os ensinamentos da igreja. Os ensinamentos da igreja sobre o objetivo último da nossa vida terrena foram consubstanciados nas esculturas do pórtico de uma igreja. Essas imagens perduraram no espírito das pessoas ainda mais poderosamente do que as palavras do sermão do pregados. François Villon, poeta Francês que vivei no final do Idade Média, descreveu esse efeito em comoventes versos dedicados a sua mãe: /Sou uma pobre velha e velha mulher/ Muito ignorante, que nem sabe ler./ Mostraram-me na igreja da minha terra/Um paraíso com harpas pintadas/E o inferno onde fervem almas danadas;/Um enche-me de júbilo, o outro me aterra.(Idem, p.130)


Fig.3. Portal Oeste

O Portal Oeste (Fig. 3), também chamado de Portal do Julgamento, traz esculturas impressionantes, de um trabalho minucioso. As imagens esculpidas, diretamente na pedra, retratam o destino das almas depois do juízo final. Umas se apresentam á direita, logo abaixo de uma imagem central de Cristo juiz, são as almas dos redimidos protegidas pelo anjo Gabriel com uma balança de medir. O símbolo da justiça grega nas mãos do anjo cristão que também era judeu. A estética reforça a intenção do autor, quando elaborou cada imagem com seus trajes lisos, com semblantes que caracterizam um estado de graça, de humildade e de fé. Ao contrário dos redimidos, se alinham ao lado esquerdo, também logo abaixo do Cristo, as almas dos condenados acorrentados a uns carrancudos seres de rabo e chifres, suas vestes amassadas e seus semblantes de dor impressionam, pois os semblantes estão cabisbaixos diante da vergonha pela punição. As correntes também trazem à tona um mito da tragédia grega, a de Prometeu acorrentado por Zeus.
Cada uma dessas imagens foram produzidas seguindo um rigoroso controle de qualidade. Os artesãos eram ensinados durante determinado tempo, para então poder esculpir as imagens e decorar a igreja. Tais normas nos são dadas por Williamson, na introdução de sua pesquisa:
Artesãos de imagens trabalhavam em pequenos ateliês, com um único aprendiz. As regulamentações incluíam [...] regras para o aprendizado dos iniciantes na profissão, (por exemplo, que devia durar no mínimo sete anos) e davam conselhos sobre o procedimento corretos para se esculpirem imagens e crucifixos: ninguém pode e nem deve trabalhar em dia santo [...] nem à noite [...] nem deve fazer imagens ou crucifixo [...] se não com material apropriado [...] se para outra pessoa que não seja um clérigo, ou homem da igreja ou cavaleiro, ou nobre para seu uso. [...] imagem que não seja esculpida numa única peça[...]. Nenhum pintor de imagens pode ou deve vender um trabalho no qual o ouro [...] tenha sido aplicado ao estanho [...]o trabalho lhe é imperfeito (WILLIAMSON, 1998, p. ).

Com o mesmo esmerado e delicado trabalho, tanto de teor pedagógico, quanto ao de expressar beleza ao colorir de um tom translúcido que ilumina todo interior da igreja, Notre-Dame traz expostas três rosáceas adornadas com vitrais, de coloridas imagens, que nos remetem à tradição cristã.
O primeiro é a rosácea localizada no lado oeste, cujo tema principal é a vida humana, cenas que mostram os signos do zodíaco e os trabalhos dos meses, que representa também os trabalhos rurais referentes a cada mês do ano. A segunda, a rosácea fica ao sul, tem como tema o novo testamento e o triunfo de Cristo, elaborados sob a simbologia do número quatro (as quatro estações do ano, os quatro braços da cruz, as quatro virtudes dos santos, que são a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança etc.). Nessa rosácea estão esculpidos os doze apóstolos nos primeiro e segundo círculos, algumas cenas do Velho Testamento e da vida de São Mateus. Na terceira rosácea, fixada do lado norte da igreja, o tema central é o velho testamento, e ao centro, encontramos a imagem da Virgem com o Menino. Sob esta rosácea, figuram, em lancetas, 16 profetas No centro, os quatro grandes profetas: Isaías, Jeremias, Ezequiel, e Daniel carregam sobre os ombros os quatro evangelistas: Mateus, Marcos, Lucas e João numa ligação direta do Velho com o Novo Testamento. A essa imagem dos profetas e dos apóstolos pertence à reflexão do bispo Bernardo de Chartres, do século XIII, que dizia: “Somos todos anões sobre os ombros de gigantes. Nós vemos mais do que eles, não porque nossa visão é mais clara de lá ou porque somos mais altos, mas porque eles nos elevaram até o nível de toda a sua gigantesca altura” .
Victor Hugo, em Nossa Senhora de Paris, intercalado com a estória de Quasímodo e Esmeralda, reflete acerca da catedral quanto às transformações sofridas por ela com as mudanças de “modas” da arquitetura e o prejuízo que isto constituiu ao monumento. No capítulo homônimo à obra, Hugo faz descrições detalhadas das condições do edifício na época em que o livro foi escrito (1831) e como eram quando foram construídos. Um exemplo dessa crítica é o trecho em que Hugo escreve sobre a fachada de Notre-Dame. Primeiro o escritor dá uma descrição pormenorizada da fachada e dos três pórticos que nela se encontram, e em seguida aponta as “mutilações”:

Voltemos à fachada da igreja de Nossa Senhora, tal qual se nos apresenta ainda hoje. [...] Três coisas importantes faltam hoje àquela frontaria; em primeiro lugar, a escadaria de onze degraus que antigamente a elevava acima do solo; depois, a série inferior de estátuas que ocupava os nichos dos três pórticos, e a série superior dos vinte e oito reis de França mais antigos, que guarnecia a galeria do primeiro andar, principiando por Childeberto até Filipe-Augusto, que tinha na mão o "pomo imperial" (HUGO, s/d, p.142-143).

Em seguida o autor diz:

Os degraus fê-los desaparecer o tempo, elevando com progresso lento, mas irresistível, o nível do solo da cidade [...]. Mas, quem derrubou as duas fileiras de estátuas? Quem deixou os nichos vazios? Quem talhou mesmo no centro do pórtico central essa ogiva nova e bastarda? Quem ousou colocar essa insípida e pesada porta de madeira, esculpida à Luís XV, junto dos arabescos de Biscornette? Os homens, os arquitetos, os artistas de nossos dias. (Idem, p.143).

As preocupações do escritor francês não eram meramente com as alterações estéticas sofridas pela igreja. Para ele, essas modificações não trariam prejuízo somente no fato de descaracterizar o estilo da construção, mas também, quanto ao sentido, à simbologia presente em cada elemento que constituía a igreja, já que nela se reflete as condições do período em que se deu sua construção. Da preocupação à critica, prossegue o autor:
Quer se lhe chame brâmane, ou mago, ou papa, nas construções índicas, egípcias ou românicas, sempre se reconhece o sacerdote, e nada mais do que o sacerdote. O mesmo não sucede nas arquiteturas do povo [Victor Hugo considera Notre-Dame de Paris como uma construção feita pelo povo]. Essas são mais ricas e menos sagradas. Na fenícia, descobre-se o mercador; na grega, o republicano; na gótica, o burguês. (Ibidem, p.232-233).

A arquitetura, para Victor Hugo, é a predecessora da imprensa. Antes do papel, o homem escreveu suas histórias na pedra, e, ao agrupá-las num monumento era como se um livro ou um documento fosse escrito, nele contendo a história e as estórias dos homens que o construíram. Ao escrever das mudanças ocorridas no edifício da catedral, a intenção de Hugo foi a de chamar a atenção para o fato de que a história não só de Paris, como da França era apagada a cada modificação feita no prédio.
Victor Hugo, sem poder desferir suas críticas a uma só pessoa, desfere ao todo, como se as alterações tirassem a autenticidade da obra, haja vista que não se pode reconhecer apenas uma época nesta construção. Diante do olhar crítico do autor, o fato de a burguesia ter assumido seu ápice não lhes dava o direito de transformar a história. Embora em nosso entender, justamente essas mudanças, essas várias tentativas de torná-la maior, ou melhor, deixaram os rastros que contam a história social e econômica de cada tempo. Victor Hugo não sabia que, enquanto defendia uma arte escultural estática, não permitia o fluir dinâmico da história.
A Catedral de Notre-Dame de Paris, assim como as outras igrejas desse período, teve por fim, mais “utilidades” do que aquelas que o Abade Suger pretendia ao “inventar” a arquitetura da luz. De mercado público à escola, estes monumentos medievais São tais quais disse Victor Hugo: “[…]desde a origem das coisas até ao século XV da era cristã, inclusive, a arquitetura é o grande livro da humanidade; a expressão principal do homem nos seus diversos estados de desenvolvimento, seja como força seja como inteligência” (Ibidem, p.226).
Concluindo nosso trabalho, percebemos que a arte tem função de embelezar e de, como relata Platão, aproximar o homem de Deus. Percebemos o agir humano na fabricação dos artefatos, na ciência tecnológica sendo ampliada para garantir uma estrutura leve e segura por um lado, enquanto por outro, a vaidade humana se expõe e a ganância rasteja por entre as sombras do fazer. Se Suger foi um excelente administrador, foi também um político exemplar, soube como poucos, unir o útil ao agradável. Fez mais, abriu espaço nas trevas. A burguesia mostrou sua força construindo a arte juntamente com a igreja. Mas foi através das mãos dos artistas, chamados bárbaros e dos entalhadores, que concebemos na fé, a verdadeira arte. São grupos que concorreram para uma mesma causa com objetivos diferentes. A catedral de Notre-Dame se transformou no documento de uma sociedade e de um tempo, que inundada com a vontade de liberdade, assinou e contribuiu para que algo realmente grandioso fosse construído. Não importava ao povo sedento de liberdade, que as faces e os cabelos das esculturas parecessem com os gregos, nem que o portal principal devotasse glórias a Zeus. Suger, ao dar ímpeto à força criativa, deu ao homem do futuro o poder de se reconhecer co-parceiro de Deus na construção dos espaços vazios vazados de luz. Espaços que as trevas teimavam em preencher foram abertos, assim como o caminho para o renascimento e para a razão. Notre-Dame além do grandioso espetáculo que o homem deu-se a si mesmo, também se consagra como a arte de muitas mãos e de muitos objetivos.


REFERÊNCIAS:

BASTIDE, Roger. Arte e Sociedade. Tradução de Gilda de Mello e Souza. 2ª.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Editora da USP, 1971.

DUBY, Georges. O tempo das catedrais. A arte e a sociedade, 980-1420, Lisboa: Editorial Estampa, 1978.

ESPINOSA, Fernanda. Antologia de textos históricos medievais. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1972.

GOMBRICH, E. H. A História da Arte. 15. ed. Tradução Ávaro Cabral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogans S.A., 1993.

HUGO, Victor. Nossa Senhora de Paris. Lisboa: Amigos do livro, s/d; São Paulo: Otto Pierre, s/d.

JANSON, H. História da arte e da literatura. São Paulo : Martins Fontes, 1994.

NOTRE-DAME DE PARIS. Disponível em:
http://www.sacred-destinations.com/france/paris-notre-dame-cathedral. Acessado em 12 de agosto de 2010, às 22:31.

REVISTA ENGWHERE. Disponível em:
http://www.engwhere.com.br/revista/casa_e_construcao.htm Ano 03. nº 25/01/11/2003. Acessado em 06 de agosto de 2010, às 17:56.

SIMON, Otto Von. A catedral gótica. Origens da arquitectura gótica e o conceito medieval de ordem. Lisboa: Editorial Presença, 1991.

TAVARES, Henio. Teoria Literária. Ed. Itatiaia: Belo Horizonte, 1978.

Dia de Sábado

O ritual diário e cansativo se estende por toda semana, com exceção de hoje. Acordei, quando meu marido fazia ruídos inexprimíveis, mas que eu já aprendera a decifrar, nenhum dia era sempre o mesmo ruído que me acordava, porém eles me avisam que estava na hora de preparar o chá. Não gostava muito de tomar chá naquele horário, mas tudo bem, mais tarde beberei o meu delicioso café como alguém que se resguarda ao prazer mais doce no recôndito secreto da intimidade. Levei-o ao trabalho e voltei, olhei meu jardim e as plantas sorriam com um daqueles sorrisos que vemos nos rostos das crianças depois de comer o mais delicioso quitute. Eu sou cúmplice. Era um dia chuvoso depois de uma interminável estação poeirenta. Daquelas que as vias aéreas ficam te alertando o tempo todo: ― Olha estou com problemas― E estavam.
Fui ao meu pé de guaco e separei tenras e verdes folhas para um remédio infalível, nada de antibiótico ou venenos que nunca mais saem do teu organismo. Embora o Varela tenha dito em alto e bom som, que os remédios da farmácia e a consulta médica sejam a melhor escolha, tenho certeza que só disse isso por causa dos grandes laboratórios e por que não conhece meu xarope de guaco, mel e limão. Separei as alegres folhas e levei-as a cozinha, estavam magníficas, com seu verde brilhante por causa da chuva. Lá fora a algazarra dos pássaros era como uma orquestra regida pelo grande Maestro ― A felicidade brotava nas manhãs depois da chuva.
Olhei minha calçada ― não sorria― meus cachorros cuidaram para que isso não acontecesse. Peguei um balde e uma escova e tratei de harmonizar o ambiente. Foi quando sons, de alguém falando em tom brusco, chegaram ao meu ouvido e por um momento só antenei, depois, como os sons persistissem fui até a grade. Havia dois garotos discutindo.
O de estatura mais baixa e cabelo preto aparentava, talvez 17 anos, mais para menos que para mais ― engraçado, essa expressão me faz lembrar as pesquisas eleitorais, que mostram aquilo que querem mostrar e em nada da realidade― O de estatura mais alta era muito magro e loiro, não tinha mais que 14 anos, tenho certeza, seu rosto ainda guardava um quê angelical, e seus traços eram frágeis e delicados. Carregava um desses aparelhos que os jovens usam para se tornarem surdos mais rápidos ― ou que os fazem usar para que não tenham tempo de pensar e crescer ― e enquanto tentava manter sua postura cambaleante, xingava, o tempo todo, o outro que tentava em vão que o amigo tomasse um rumo, seja lá qual fosse. Assisti aquela cena como alguém que no tempo grego assistia a festa dionisíaca quando a alegria acabava e restavam apenas os escombros. Trágico?
Ainda não, mas as evidências apontavam para o desenlace da peça que provavelmente ao final de alguns anos as bacantes com certeza não fariam melhor. Perguntei ao mais lúcido:
―Ele está drogado?
―Parece que sim.
Ora nem precisava ele me dizer isso, estava parecendo. E como alguém que depois de levar o amigo para o mal caminho não quer se comprometer, mas se vê numa situação que a qualquer momento pode sair do seu controle, interpelou:
― Ele não está bem, acho melhor chamar o SAMU ― respondi então― Leve ele para casa e entregue á família ― Mas eu não sei onde ele mora?― Vocês não estavam juntos?―Sim, mas eu também não moro aqui ― Onde você mora? ―No Pacaembu, perto do Cataratas. ―E o que estão fazendo aqui no Nova York?― Eu estava na casa do meu tio. ― E onde mora seu tio?
O menino apontou com a certeza de que eu jamais saberia onde morava o tio dele, seja lá quem fosse. O desanexo havia erguido o som do aparelho para surdos e gesticulava tentando acompanhar os embalos de antes dos destroços, mas nada conseguia senão uma consterna-ação. Mortificado, minha garganta se abriu e num esgar quase convulsivo, sem que pudesse ser controlado ― Falei ― São tão jovens!
O desantenado então se ligou e prontamente me respondeu: ― Qué isso― Temos que aproveitá a vida mano, enquanto temos vida mano, só temos uma mano, temo que aproveitá! Conta que somo carioca, conta!
Eles não eram meninos com as evidências comuns de marginalismo, estavam bem vestidos e até olhei com atenção a calça do menino mais magro, pois parecia com o uniforme da escola estadual mais próxima. Não tive certeza ― embora, como nas pesquisas eleitorais ― mais para sim que para não ― então respondi ―Mas, meu querido, você não está aproveitando sua vida, você a está perdendo!
Neste momento que percebemos que as pessoas existem de fato, sentem de fato, e tentam, de alguma forma se esquivar quando se vêem acuadas de fato, quando são questionadas de fato, talvez pela modulação mais carinhosa da voz, talvez por estarem se sentindo realmente o rebotalho da festa, não sei... Porém aquele menino levantou o que pode o aparelho para mouquidão e cambaleantemente tentou, com o corpo, dizer que não me ouvira, mas ouvira, eu sabia e ele sabia, então disse― e se eu chamar o SAMU, provavelmente ele chamará a polícia ― O outro menino disse-lhe algumas palavras que surtiram efeito variado daquela ofensiva primeira. Ele abaixou a cabeça como se comandasse aquele corpinho impregnado do desregramento noturno, se voltou para o contrário da direção que vinha e sumiram na rua.
Voltei para a alegria das minhas plantas e o meu café proibido, afinal, o mundo não são apenas aqueles meninos, também as plantas sorriem quando chove depois de uma temporada empoeirenta.

quinta-feira, março 25, 2010

Abaixo os Significados!

Nicado nesta dança sem par
Entorbo o solitário afiso
Como alguém que adufila sem enxergar
A adresca fonte do eterno aforxo.
Buscando aenda mesmo quando ainda
Não é hora de encontrar

Retrondilo a contilha sem pensar
Não me importo se a confivácia me dói
Nas partes obscuras do entercer
Não me importa nem mesmo que axilância
Busque em mim o pecado mortal

Pois a bruva que em mim lateja
Não parece fogo a arder
Nem dor a não doer
E sim a esvaliz da guista alma
Entorbando a nistifa adufilada

Ninguém poderá entender o que em mim bruvia
Pois o meu esvaliz não tem outro dono
Que o âmago do eu nistifilado

Queria ser poeta,
Como os grandes de nosso mirspe
Mas a bruvia que reina em mim impede
Que a alma alcance vôo tamanho

Não poderia inventar novo dactário
Nem outra forma de subvlar sentimentos
Pois que já está cristalizado
Viscalitivizado e mortafilizado
Dizer com entonhamento e disfinco

Afisga em meu optiusco
Declara a loucura badéfia
Mas que brixar
Se a dor que em mim bruvia
É o brovdo que me entorba?

Que falem! Que gritem!

Este meu jeito de subvlar

Não me importa!

Não me importa nem mesmo o misrpe
Das formas cristalizadas
Pois é no vrotafusco do âmago
Que o novo teima em badéfiar.

Diga a castro das águas
Ao oswasdo das pedras
E até ao Francês do Andrade
Que a espanca do agreste
Cintila na Cecília e pectorlis
A força de badéfiar com disfinco

Grisguilha! Fristulia! Juivus!
Que a palavra se fribrilicou
Em prismiticadilios dinvalidos
E em contilhas creviculares.

Vabrata!

Que a voime desponta

sábado, fevereiro 20, 2010

O Paradoxo entre Ditadura e Revolucionarismo socialista

Hoje, nosso olhar se volta para a criação da Comissão Nacional de Verdade, e, enquanto os socialistas de plantão aplaudem e aguardam ansiosos que documentos e relatórios sairão das recônditas gavetas ditatoriais diretamente para suas mãos esperançosas, nós meros brasileiros, brasileiros pós-ditadura, cidadãos que podem olhar com certa distância, tanto temporal quanto emotiva a tão importante assunto, Temos a responsabilidade de olhar ambas atitudes, por exemplo:
Ao mesmo tempo em que se pensa a ditadura como poder abusador, pensa-se também no caos que se instalou no país por ordem dos revolucionários.

Ora, não sejamos ingênuos, sabemos que uma sociedade se forma em torno de uma política econômica (vide Marx) cujo objetivo era o lucro fácil e não ideologias que não produziam, nem plantavam nem colhiam.

Mas o que importa levantar, é que, mesmo tendo havido um movimento militar duro para "manter a ordem" houve também segmentos dessa sociedade que buscaram esta ordem e que, não por coincidência era a parte mais abastada da sociedade.

Ora, se esses grupos estavam aqui em 1970, estão aqui ainda hoje, concordam?

Será que agüentaríamos ver exposto nas TVs e jornais que as principais fontes produtoras do país, por intermédio de seus representantes, foram os principais articuladores da ditadura e não os militares somente?

Será que estamos preparados para que a vergonha, antes política, invada também a economia, sem que o idealismo por uma nação limpase apague diante da frustração?

Ora, se legislar era fazer a vontade do Estado e a vontade do Estado era a paz, principalmente das partes que contribuíam para a subsistência dele, como tomar outra atitude senão destruir aqueles que tentavam, através de cartilhas estrangeiras causar o caos?

Não sou pró-ditadura, muito menos pró-tortura, mas há que se pensar nos verdadeiros culpados pela nódoa em nossa história, se de um lado eram brasileiros, de outro lado também o eram. Se de um lado são revolucionários lutando por uma nação diferente, de outro são militares ocupados com seu trabalho de defender o país e ao mesmo tempo, pais de família que viram sua nação estar a um fio do caos, uma diferença que não seapresentava assim tão segura.

Revolucionários e heróis brasileiros que foram orquestrados pelos únicos e verdadeiros torturadores, A ganância e O apego ao poder, dentro do país, escondido sob o manto de valentes brasileiros em busca de ordem paz e liberdade, e lá do estrangeiro, desenhando um objetivo maior, uma fortuna ainda maior, sob o manto do idealismo utópico. Sim pois se o socialismo se apresentava como libertador para alguns, se apresentava como opressor para outros. Ponto. Direções opostas, predileções antagônicas e, claro, explosivas.

Estou enganada?

Basta ver em que se transformou os países socialistas de hoje, um abuso de poder em prol de objetivos maiores e cada vez mais individualizante.

Como julgar um paradoxo?

Neste momento a verdade da história nos é importante como exemplo a não ser seguido de ambos os lados, nem ditatoriais abusadores, nem revolucionários criminosos. Mas paraseguirmos uma linha desenhada de brasileiros dispostos a consolidar uma nação que seja exemplo de superação e verdade, afinal os mortos não voltarão à vida e nem os crimes conseguirão ser pagos em moeda suficiente.

Portanto, àqueles que estão ansiosos para, nos relatórios ou documentos militares entreolhar uma oportunidade de arrecadar para os próprios bolsos, estes sim, se comparará aos culpados pelas atrocidades históricas já enterradas, porém ao fazer isso, não só estará reavivando toda a miséria humana, como também estará sendo cúmplice delas.

A este cabe julgamento no agora e o veredicto certamente não será a liberdade.