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segunda-feira, novembro 22, 2010

HONORÉ DE BALZAC: A MULHER DE TRINTA ANOS Elaboramos este trabalho para a disciplina de Literatura Universal, o qual está organizado em três subtítulos e visa explorar abreviadamente a vida e obra do escritor Francês Honoré de Balzac enfatizando a análise da obra A mulher de trinta anos (2004), ambientalizada no contexto histórico da pós Revolução Francesa e Restauração da França perante os países europeus, além de situá-la como precursora do Realismo ao mesmo tempo em que abriga em sua narrativa fortes indícios do Romantismo, característica que, além de apresentar ao leitor a verossimilhança necessária para transformar uma história de amor, infelicidade e adultério em obra prima, proporcionou ao autor seu baluarte como expoente da Literatura Universal. Para analisar psicologicamente a construção de alguns personagens tomamos a teoria de Arthur Schopenhauer (1788/1860) filósofo alemão da corrente irracionalista, pessimista em sua visão do mundo que considerou a metafísica do sofrimento no qual a Vontade age como força natural manifesta tanto no ser humano quanto em cada ser presente na natureza no sentido da total realização e da sobrevivência. 1. VIDA E OBRA DE BALZAC Considerado o patrono do romance no ocidente, o escritor e historiador francês Honoré de Balzac, pelo seu estilo de escrita, pode ser considerado também o precursor do realismo literário por apresentar um misto de romantismo exacerbado alinhado aos conflitos sociais em que estão inseridos seus personagens. Questões familiares, jurídicas e religiosas passam a ser questionadas pelas personagens, que buscam explicações, considerações ou mesmo a negação de atitudes ou convenções prejudiciais à liberdade. Nasceu em 20 de maio de 1799 em Tours, na França. Era de família plebéia e estudou até os quinze anos no colégio Vandôme, formando-se posteriormente em Direito pela Universidade de Sorbonne. Essa não era uma profissão que apreciava. Trabalhou certo tempo em um tabelionato e logo resolveu que seria escritor, a despeito da oposição da família. Nas suas primeiras tentativas de ingressar na carreira de escritor não foi bem sucedido. A primeira obra que escreveu foi uma peça teatral chamada Cromwell, de repercussão negativa entre seus amigos e parentes. Apesar de não ter tido sucesso, resolveu submetê-la à apreciação do professor chamado Andrieux que o aconselhou a procurar outra profissão. Pois achou que seus manuscritos não o levariam ao sucesso literário. Persistente, perseguiu seu sonho, e mesmo não tendo o apoio dos amigos e familiares Balzac escreveu dez romances com diversos pseudônimos. Tais romances tinham um conteúdo vulgar, melodramático; seus temas eram monstruosos, o que levou o autor a renegar a autoria dessas obras mais tarde.
Após essa primeira tentativa de ingressar na carreira literária, decidiu ser editor. Com a ajuda de Madame de Berny, sua primeira musa inspiradora, alcançou o objetivo. O empreendimento faliu levando o autor a contrair dívidas. Resolveu então voltar à escrever, para pagar suas dívidas. Dessa decisão resultaram seus dois primeiros trabalhos importantes: Le Denier Chouen, que relata uma história de amor durante a Revolução Francesa e Fisiologia do Casamento. Balzac escreveu outras obras num total de noventa e cinco, algumas delas, peças teatrais e artigos, tornando-se um dos maiores escritores de sua época.
Apesar de ter uma constituição física vigorosa e considerar-se com uma “saúde de touro”, Balzac dedicava-se intensamente ao trabalho, chegando a trabalhar até dezoito horas por dia. Tal esforço fez com que sua saúde começasse a debilitar-se. Mantinha um ritmo de trabalho intenso, bebia enormes quantidades de café e se alimentava mal. Escrever era sua paixão. Durante esse processo, Eveline Hanska, Condessa Polonesa que a princípio era só uma admiradora, mas logo arrebatou o coração de Balzac. Começaram a corresponder-se pelos jornais, e após algum tempo tornaram-se amantes. O primeiro encontro aconteceu em Neuchátel, em setembro de 1833. Mantiveram o relacionamento por dois anos. Deixaram de encontrar-se até janeiro de 1842, quando o marido de Eveline falece e Balzac passa a acompanhar a Condessa em suas viagens pela Europa. Por ser uma mulher de alta linhagem, Eveline recusa o pedido de casamento de Balzac por conta da sua condição de plebeu. Essa união veio a concretizar-se somente cinco meses antes da morte do escritor. Ou seja, foram anos de relacionamento, mas somente cinco meses de vida conjugal sendo que o escritor já estava fisicamente incapaz. O trabalho de Balzac divide-se em três momentos: a primeira vai de 1829 a 1833. Essa etapa foi de aprendizado. A segunda, de 1834 a 1842, em que ele concretiza seu sistema novelístico e a terceira, resulta na unificação da sua obra com o título geral de La Comédie Humaine. Balzac escolheu esse título fazendo uma alusão à Divina Comédia de Dante. 2. A MULHER DE TRINTA ANOS

A mulher de trinta anos de Balzac é a obra que destaca o escritor como precursor do realismo e, embora muitos críticos o classifiquem como extremamente realista, o romance revela uma faceta romântica no inicio da narrativa quando relata o amor platônico de Julia por Artur enquanto progride gradativamente, no decorrer da narrativa, quando os personagens assumem uma característica realista interagindo na sociedade tentando criar liberdade para o sentimento e racionalmente abolindo hipocrisias. A obra composta em VI capítulos que aduzem os diversos momentos da vida da personagem Julie desde sua adolescência; seu casamento com Vitor; o sofrimento diante do casamento fracassado; a tentativa de viver o amor; os acidentes de percurso; a tentativa de proporcionar outra pesperctiva para sua filha mais velha; o dererminismo na ação de sua filha mais nova; sua velhice e morte;
A mulher de trinta anos não foi um romance idealizado de forma integral. Na verdade são seis episódios que a princípio foram publicados como contos separados e com diferentes personagens e só depois reorganizados pelo autor em um só livro com um final bem melodramático. (site de literatura) Os capítulos estão dispostos por subtítulos: I- Primeiros erros; II - Sofrimentos Ignorados; III - Aos trinta anos; IV- O dedo de Deus; V – Os dois encontros; VI - Velhice de uma mãe culpada; Personagens principais: Julie, Victor D’Aiglemont, Arthur Ormond, (filho primogênito do Lord Grenville, político inglês responsável pela abolição da escravatura, visando interesses na mão de obra africana) Charles de Vandenesse (jovem de trinta anos que olhava com certo repúdio o comportamento frívolo das mulheres francesas), Hélène e Moina (Filhas de Julie). Há ainda os personagens secundários: o padre que tenta converter o coração de Julie; o filho que Julie perde afogado no rio; o pirata que rapta Hélène e a tia de Vitor para quem Julie suspira suas primeiras confidências. Datas internas e externas: Inicia-se em 1813 e encerra-se com a data de 1828-1844, Julie então com 50 anos. Marcando como ano de nascimento, o ano em que Julie se entrega ao amor de Charles. O romance tematiza a infelicidade que se transforma em infidelidade. Desenha a mulher da sociedade francesa vista em todas as etapas de sua existência, desde a tenra idade quando se encanta pelo seu primeiro amor, sem ter nenhuma orientação do que realmente é o amor. Num misto de veneração associada a força e a beleza externa Julie escolhe seu primeiro amor como uma menina escolhe seu maior presente. Mente obscurecida pela fantasia do casamento feliz para sempre, a jovem busca, no homem, a força e a imponência nas quais pensa sua proteção. Até chegar a velhice e a morte perpassando todos os obstáculos que uma mulher teria de conciliar diante da sociedade e de seus próprios anseios. Ao construir sua temática sobre amor e infidelidade, tão comuns da vida humana, Balzac a enriquece ao acrescentar como ambiente o contexto histórico da França e a essência da sociedade francesa depois do fracasso político: Pós Revolução Francesa; última parada de Napoleão Bonaparte antes da derrocada final; A França de luto; "13º Domingo de Abril de 1813 dois dias depois, Napoleão iria partir para essa fatal campanha durante a qual perderia sucessivamente Bessières e Duroc, ganharia as memoráveis batalhas de Lutzen e Baritzen, se veria traído pela Áustria, Saxônia e Baviera por Bernadotte, travaria a terrível batalha de Lípsia. (p.9, 10) [...] A Velha Guarda executará pela derradeira vez as hábeis manobras cuja pompa e precisão surpreenderam algumas vezes até o próprio gigante que se aprestava então para o seu duelo com a Europa. Seria a ultima daquelas que suscitaram durante muito tempo a admiração dos parisienses. (p. 10)" O momento político da França descrito pormenorizadamente, seguindo criteriosamente dados históricos foram relatados na obra traduzindo explicitamente a preocupação do escritor com sua pátria, com os acontecimentos e com o sentimento que eles geravam: "O Terror (Jacobino); O Tratado de Amiens: 25 de março de 1802 (p.23); Maio de 1813: vitórias de Lutzen e Bautzen; A Restauração (p.34); A tomada de Paris com a junção entre Prussianos, Austríacos e Ingleses contra a França. (p.35); Os Cem Dias de Waterloo: 1815;
Os Prussianos, os Austríacos e os Ingleses vão fazer sua junção em Blois ou em Orleães... (p. 35)
A queda do regime imperial, a tomada de Paris e o entusiasmo que eclodia a favor dos Bourbons em todos os pontos de França. (p. 36)" "A tia não chorou, pois a Revolução deixara as mulheres do antigo regime com poucas lágrimas nos olhos. Outrora, o amor e mais tarde o Terror familiarizaram-na com as mais pungentes peripécias [...] (34)" "Tudo ia bem, travou-se a Batalha de Waterloo [...] subitamente a França ficou de luto. (p.75)" Uma França destruída por tantas lutas e a tentativa de restabelecimento da paz este era o ambiente propício para narrar o amor e a infidelidade; a honra e o fracasso; a vergonha e a entativa de felicidade. Essas mesmas características encontramos nos personagens da obra. De Balzac e de sua obra os eruditos Gabriel Hanotaux Georges Vicaire falaram aludindo ao relacionamento do escritor com a madura Senhora Berny de quem Balzac devia lembrar-se nesta e em várias de suas obras, uma mulher adulta, mais velha, por quem o escritor passou sua vida enamorado: “Balzac prestou às mulheres um serviço imenso, que elas nunca lhe poderão agradecer suficientemente, pois duplicou para ela a idade do amor. Antes dele, todas as namoradas de romance tinham vinte anos. Ele prolongou até aos trinta, até aos quarenta anos sua vida ativa, pleiteando, em seu favor, a causa da natureza, da verdade. Curou o amor do preconceito da mocidade... Multiplicou senão a alegria humana, pelo menos a consciência desta alegria.” Balzac foi um escritor que marcou época. Dividiu a história do romance do ocidente entre antes e depois de suas obras, sobra ao mundo as conseqüências da Revolução Francesa. Enquanto a França emudecia e chorava seus mortos, Balzac registrou e imortalizou o momento e o lugar onde jaziam: “Ouvem-se os murmúrios da multidão e a poética paz da solidão, a voz de um milhão de criaturas e a voz de Deus. Ali jaz uma capital adormecida sob os tranqüilos ciprestes de Père-Lanchaise” (p. 104). Em toda narrativa, o narrador conserva-se à distância ao relatar a história de Julie e a história da França. Sua voz é coletiva e temporalmente distante. Tudo já havia acontecido. Enquanto Napoleão marchava para Waterloo, Julie amadurecia como mulher. Olhava seu futuro marido (Vitor) como a França olhava seu herói (Napoleão), ambas foram iludidas e desiludidas. Em toda a obra, apenas um momento da narrativa o narrador chega muito perto de participar daquela vida de amor e sofrimento. No momento em o menino, filho de Julie e Charlie, se afoga no rio empurrado pela irmã Hèléne ele busca uma vara para tentar salvá-lo. Sem sucesso. Assim dita a estética Romântica: Os pecados de uma mulher que tenta a felicidade contrariando as convenções sociais e religiosas precisam ser expurgados com a dor da perda, e o filho da infidelidade morreu; O amor não deve ser consumado e Julie espiritualizou o amor por Artur; O amor atinge as últimas conseqüências e Artur adoece e morre por passar a noite fria pendurado no parapeito da janela ao tentar manter a virtude de Julie; Mas convenção social que obriga a mulher a ser virtuosa, perfeita, amável e submissa também oprime. Ama o homem que escolheu, mas não percebe o mesmo amor em seus braços. Sente dor ao perceber no amado apenas o desejo físico, um desejo que a agride seja por não sentir desejo por ele ou pela brutalidade com esse ato se consuma. Jamais havia imaginado que um casamento se resumia em atos como aqueles. A febre é constante e o semblante apático também. Seus olhos sempre tristes, cabisbaixos não tem vida nem alegria para compartilhar com o marido ou com a sociedade. Tudo na sociedade soa falso. Cuida de sua casa, de seu marido, de sua filha, e das finanças com quem se apega à tábua de salvação. Transforma um tolo num homem glorioso. Olha-o com desprezo, pois percebe a fraqueza de um menino no homem que sonhou forte e protetor. Deseja mais, precisa de mais. Então sua alma se desprende das limitações da carne e ama. Ama primeiro sob a égide espiritual, sem entrega física, sem a dor do amor sexual que sofrera no casamento. Ama doando seu coração, seus pensamentos e sonhos. A alegria destes momentos são seu lenitivo. Vitor também a ama, amou-a desde o primeiro momento, pensa até em ações extremas. Mas a virtude de Julie deverá ser seu maior legado à filha, esta é a alavanca que a mantém virtuosa. Ao mesmo tempo em que conserva o amor de Vitor, despreza a ignorância de Arthur por não perceber o que ocorre debaixo de seu próprio teto. Perde Vitor, perde seu amor e sofre. Sofrimento que a torna ainda mais fragilizada, doentia, febril ao ponto de parecer velha aos vinte e seis anos. O Realismo liberta: enquanto a realidade se revela sob a dor da obrigação da entrega no casamento, o realismo questiona essa obrigação. O homem vê a mulher, não mais como criatura indefesa, fragilizada. Julie era o último exemplar romântico que Charles encontra entre o arsenal francês da volúpia, da frivolidade e da vaidade. O valor da mulher e dos relacionamentos se tornam obsoletos no século XVIII, assim vêm os olhos atentos de Charles enquanto transita as badaladas festas e casas francesas: "Todos esses rostos brancos e róseos procuram mais a distração do que do que o prazer. Nenhuma emoção autêntica. Para quem pretender apenas plumas bem colocadas, gazes vaporosas, belos vestidos, delicadas mulheres, para quem a vida for apenas uma superfície a aflorar, aqui encontrará seu mundo.(p.85) O casamento torna-se pesado fardo, que tanto o homem quanto a mulher são obrigados a carregar, mas que jogariam fora e se libertariam na primeira oportunidade. Um a um, os personagens expressam pensamentos e opiniões salientando suas queixas. Vitor também havia se desiludido, o tempo dava a Julie características de que não gostava. Casara-se com uma jovem cheia de vivacidade e agora percebia seu murchar e não entendia, não aceitava, por isso seguia sua vida de infidelidade permitida. Afinal, era homem, e homem era livre para ter amantes, para passar noitadas nas casas de festas. Assim diz Arthur quando perguntado sobre o casamento: "Segue meu conselho, continua solteiro. Casas com uma bela mulher, pois ela torna-se feia; casas com uma jovem saudável, se torna enfermiça; julgá-la apaixonada, é fria; ou então, aparentemente fria, é tão apaixonada que te mata ou desonra. Em breve a criatura mais terna se torna rabugenta, nunca as rabugentas se tornam ternas.[...] Estou farto de casamento." (p.65/66). Os relacionamentos se tornaram fúteis ou interesseiros, Charles era a outra face desse Realismo desvirtuado, buscava sentimentos verdadeiros, mas encontrava frivolidades. Amor era sinônimo de vergonha, pois não trazia valor, domente agregados banais que acabam em casamento, em subprefeituras ou no caso de se tratar de amor, em secretos conluios, de tal modo que têm vergonha que se pareça paixão (p. 85)". Para Charles, a arte do amor tinha outro sentido, a beleza, outra leitura, a sedução. E a beleza não estava nas vestes vaporosas nem nos chapéus. a beleza tinha outras características que só um homem sensível poderia perceber. A mulher trazia nuances românticas na submissão dos olhos baixos e a força na fragilidade. O narrador faz, sob a visão de Charles, a mulher de trinta anos bela e a jovem tola: "A jovem só tem uma sedução e julga ter dito a última palavra quando tira a roupa. (...) A mulher de trinta anos pode tornar-se rapariga, desempenhar todos os papeis, ser pudica e ir ao ponto de embelezar-se com uma infelicidade. Entre ambas ergue-se a incomensurável diferença entre o previsto e o imprevisto, força e a fraqueza. (p. 91")". Na velhice tudo já falou na mulher, as paixões estão impressas na sua face – foi amante, esposa, mãe; as mais violentas expressões de alegria e de dor acabaram por lhe torturar o rosto, para ali se tatuarem mil rugas, cada uma com sua história. E a cara da mulher torna-se então sublime de horror, bela de melancolia ou magnífica de tranqüilidade. Se me é permitido insistir nesta estranha metáfora, o lago seco deixa então ver o sulcos de todas as torrentes que lhe deram lugar: a cara de uma anciã não pertence já nem a sociedade, que frívola se horroriza de nela ler a destruição de todos os ideais de elegância aos quais se habituou, nem aos artistas vulgares, pertence, sim aos poetas, àqueles que possuem um sentido de belo alheio às convenções em que se assentam os preconceitos em matéria de arte e de beleza. (p.163)". O Realismo de Balzac contesta as convenções sociais, questiona qual a verdadeira prostituição; os deveres de esposa; os valores morais; o valor de família diante de interesses financeiros. Cria vínculos românticos ao enaltecer o sentimento e a busca pela felicidade. Faz essas analogias sob a visão de Julie e sua condição de esposa de um homem medíocre que a compara a um belo animal de estimação ou a um objeto de luxo cujo zelo já o cansava: "A apostasia do coração agravada por uma prostituição dolorosa. Porque resistir a um enamorado que amasse quando se entregava contra seu coração e contra os desejos da natureza, a um marido que não amava? (p.50)" A família existe? Eu nego a família numa sociedade que pela morte do pai ou da mãe, faz partilha dos bens e diz a cada um que vá para seu lado. A família é uma associação temporária e fortuita que a morte prontamente dissolve .As nossas leis destruíram as casas, as heranças, a perenidade dos exemplos e das tradições. Em torno de mim, apenas vejo escombros
As pobres criaturas que se vendem por alguns escudos a um homem que passa são amaldiçoadas: a fome e a necessidade absolvem essas efêmeras uniões. No entanto, a sociedade tolera e encoraja a união imediata, muito mais horrível, de uma rapariga cândida com um homem que não chegou a ver durante três meses. Foi vendida por toda a sua vida (p.82)" Julie não pretende que Hélène tenha o mesmo futuro, mas reconhece sua incapacidade de prever ou mudar o futuro das filhas. Apenas tem consciência do seu próprio futuro, do sofrimento de seu tempo. Joga sua Hélène nos braços da aventura da felicidade, mas não consegue salvar Moina que repete os mesmos passos da mãe de maneira ainda mais aviltada pelas vaidades sociais e pela falta de caráter. Não tem um bom relacionamento com a filha, ela é jovem e inconsequente, não a quer ouvir. "O meu futuro é horrível, sei-o bem: a mulher nada é sem o amor, a beleza nada é sem o prazer, mas a sociedade não reprovaria minha felicidade se ela me deparasse ainda? (p. 82) [...] De que meios dispõe as mães para assegurar ás filhas que o homem a quem às entregarão será um esposo caro ao seu coração? [...] Se ao menos o mundo as honrasse, mas não, o mundo calunia as mais virtuosas de nós. Tal é nosso destino visto sob dois aspectos: Uma prostituição pública e a vergonha, uma prostituição secreta e a infelicidade. Quanto as pobres raparigas sem dote, enlouquecem e morrem; Para elas não existe piedade! A beleza, as virtudes não constituem valores no nosso bazar humano e ainda chamam sociedade a este covil de egoísmo! Deserdem as mulheres! Pelo menos assim os homens cumprirão uma lei da natureza escolhendo-as [...] de acordo com os anseios do seu coração. [...] Qual será a sorte de ... 3. SOB A ÓTICA DE SCHOPENHAUER (1960) Ao buscarmos uma teoria psicanalítica que explique a construção dos personagens de Balzac, estudamos sob o enfoque de Schopenhauer (1960) que analisa o sofrimento humano como verdadeira forma de se estar vivo. Para desenharmos o sofrimento de Julie, primeiro a recebemos como egoísta, mimada, adjetivos pronunciados pelo próprio pai e depois pelo padre que tenta libertá-la daquele estado depressivo. O egoísmo de Julie se intensifica quando perde Artur, abandona tudo e todos numa convicta vontade de morrer. Julie desprezara-o desde o primeiro momento, a morte dele defendendo sua honra a despertou para o sofrimento, como analisaria Schopenhauer, percebeu-se viva. "Assim como um regato corre sem ímpetos, enquanto não encontra obstáculos do mesmo modo a natureza humana, a vida corre inconsciente e descuidosa, quando coisa alguma se lhe opõe a vontade. Se a atenção desperta, é porque a vontade não era livre e se produziu algum choque. Tudo o que se ergue em frente nossa vontade, tudo contraria ou lhe resiste, isto é, tudo há de ser desagradável e doloroso. (SCHOPENHAUER, 1960, p. 5-6)" Para o filósofo, o sofrimento se torna o termômetro de que a vontade de viver e não de morrer está presente em cada ser. O amor cumpre sua função física e necessária para a perpetuação da humanidade, portanto de suma importância no contexto relacional. "Deve–se estudar o amor na vida real, a sua importância, o interesse universal.Todo amor vulgar ou etéreo tem origem no instinto sexual. O seu fim é a procriação. A geração futura. A natureza do instinto é proceder no interesse da espécie.” (idem, p.33)" Pensando Julie, percebemos a necessidade de ter tido um filho de Artur, desta forma ela realmente teria concretizado o amor. Abandonou Hélène, justamente por não ser filha do amor, mas esqueceu que Hélène era a filha de um primeiro amor. De uma conjunção carnal que ela desejou, mas não entendia.
Para Schopenhauer, existir é um trabalho árduo que só se concretiza através do sofrimento, não podemos fugir da existência, assim como não podemos evitar o sofrimento, mas diante da realidade da existência, sofrer é positivo e não negativo. Se Julie sofria então também vivia, assim como Vitor, Charles e Arthur, todos estavam insatisfeitos, porém sobreviventes de uma situação maior: "Só o mal é positivo, visto que se faz sentir. O bem a felicidade, a satisfação são negativos porque não fazem senão suprimir um desejo e terminar um desgosto. Acrescente-se a isso que achamos as alegrias abaixo da nossa expectativa, ao passo que as dores a excedem grandemente. A mais eficaz consolação em toda desgraça, em todo sofrimento, é voltar os olhos para aqueles que são ainda mais desgraçados do que nós. Sentimos dor e não ausência de dor. Sentimos inquietação, mas não ausência de inquietação. Sentimos temor, mas não a insegurança. (idem, p. 6)" Quando o padre tenta acalmar o coração de Julie, reforça a tese de Schopenhauer, pois quase a repete: "A dor − respondeu ele − apenas é viável nas almas que foram preparadas pela religião. Ao tormento da existência vem ainda juntar-se a rapidez do tempo, que nos inquieta, não nos deixa respirar, e se conserva atrás de cada um de nós como um vigia dos forçados de chicote em punho." Charles, o segundo amante, interpreta o mesmo pensamento na qual a melancolia, como sinônimo de sofrimento, se traduz numa fonte de prazer: "A melancolia compõe-se de uma seqüência de oscilações morais semelhantes, estando a primeira ligada ao desespero e a derradeira ao prazer: na juventude, ela é o crepúsculo da manhã; na velhice, o da tarde." (BALZAC, 2004, p.83). CONCLUSÂO Os personagens de Balzac, foram construídos a partir de uma perspectiva pessimista do que realmente significava viver numa época em que todas as esperanças estavam enterradas no belo e suntuoso cemitério de Père-Lanchaise. A França, representada pela sociedade, chorava suas perdas enquanto se entregava a uma vida desregrada no luxo e nas vaidades. Não era tempo de pensamentos lógicos, não era tempo de seriedade, era preciso evanescer, esquecer as tragédias. Se isso também causasse sofrimento, Schopenhauer explicaria como natural diante do contexto de sobrevivência de um grupo em detrimento dos percalços por quais tiverem que transpor. Tanto Julie quanto Vitor, Artur, Charles, Hélène e Moina representaram na obra de Balzac os estereótipos de uma sociedade que oscilava entre a total degradação e a necessidade de sobrevivência. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BALZAC, H. A mulher de trinta anos, Ed Martin Claret, 2004. SCHOPENHAUER, Artur. Dores do mundo. Tradução revista por José Souza de Oliveira 4ª ed. Edições e Publicações Brasil Editora S.A. São Paulo, 1960. http://www.sitedeliteratura.com/Litestrang/balzac.htm acessado em http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,,EPT670368-2813,00.html MÁRIO PRATA http://educacao.uol.com.br/biografias/balzac.jhtm Enciclopédia Mirador Internacional