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quarta-feira, setembro 12, 2007

Literatura Infantil: a leitura com prazer.

  1. RESUMO: Com o objetivo de nos conscientizar como futuros professores na disciplina de literatura infantil, buscamos, através de pesquisas, elaborar uma prática pedagógica para alunos de 8ªs séries, com o intuito de tornar a leitura em sala de aula um instrumento que desperte o interesse e o gosto pela literatura. Foi nos orientado a trabalhar com um texto clássico e outro da linha emancipadora, para que possamos, a nível acadêmico avaliar as obras, procurando elementos ideológicos, usados como base na formação infantil. As histórias escolhidas são: ”O persistente soldadinho de chumbo” de Hans Christian Andersen e “O elefante” de Carlos Drummond de Andrade.


    Palavras-chave: Literatura Infantil; análise; motivação.


    Reflexão

    Ainda hoje nos deparamos com o desinteresse dos alunos em adquirir o hábito da leitura. Muito mais desinteressante ainda, para eles, é aprender literatura, mesmo depois de diversas campanha efetuado pelas escolas, pelas próprias editoras e pelo governo. O que nos surpreende é o fato de que o adolescente pode ficar por horas a fio diante de um computador, diante de um desenho animado ou diante de uma novela que se diz “própria para a idade”, sem, contudo, essa constância lhes traga qualquer índice de desenvolvimento intelectual. Se isso nos surpreende, o que nos assusta é lembrarmos da passagem pela nossa pré-adolescência. Nesse tempo, estudar literatura era pegar um daqueles livros chatos que não entendíamos nada, e ler silenciosamente. Afinal, precisaríamos nos preparar para o nosso vestibular. E quando chegava o tão esperado vestibular, tínhamos que rever tudo novamente, pois, que havíamos esquecido o aprendido.
    No entanto, enquanto éramos crianças entre 3 e 6 anos, ouvir nossa mãe ou avó contar-nos uma história era um momento indefinível, ficávamos nas barras de suas saias, até que, cansadas de nosso persistente pedido, faziam nossa vontade, tirando de sua memória estórias de fantasmas, de fadas, de bruxas. Não cansávamos de ouvir a mesma estória por várias vezes, até sabíamos de cor a ordem e as palavras que compunham este ou aquele conto, e se, por qualquer motivo elas esqueciam de algum elemento, eram logo alertadas. E as perguntas que elas tinham de responder então?
    -- Mamãe, se o soldadinho de chumbo era tão bom soldado, porque ele não se livrou logo do fogo, assim como se livrou da enxurrada e dos ratões?
    Claro que a mamãe poderia inventar uma boa resposta, mas tinha que ser uma resposta convincente, pois do contrário fazíamos aquelas caras de insatisfação. E por quantas vezes elas respondiam assim: --Ah! Porque assim é a estória, menina.

    Bem, nossa mãe ou avó não estavam exatamente corretas quando nos respondiam assim, mas elas eram dignas de nosso perdão.
    Então, porque na escola as estórias se tornaram entediantes? Sobretudo, porque é inquestionável o valor de nossas obras literárias, e também porque o grande volume de obras não nos deixaria enfadadas, nunca.
    Remontando a nossa experiência passada e, a adquirida hoje como acadêmicas, podemos avaliar quais as principais falhas que poderiam ter contribuído para essa nossa “falta de vontade” de aprender literatura. Antes, porém, precisamos analisar: Quais os verdadeiros objetivos, ao se elaborar as estórias infantis?
    E a história nos contará: quais e os porquês.


    A História sem as fadas


    As crianças não tinham grande importância na antiguidade, pois a preocupação maior era primeiramente a religião, depois a nobreza, e num último lugar as pessoas, no geral. Mesmo assim essa preocupação não ultrapassava os limites das necessidades de subsistência, como alimentação e vestuário. As crianças eram “produzidas” porque assim estava determinado pela condição humana, mas não se planejava, por exemplo, um futuro para elas, afinal, nem eram mencionadas. Portanto os primeiros contos surgiram, não para entreter as crianças, mas sim, os adultos, vejamos:

    De acordo com a história os primeiros contos vieram do Egito no século XIII, e entre eles estava agregado também vários contos hindus. Um dos mais contados é de Sherazade e de quando o rei persa Shariar, vitimado pela infidelidade de sua mulher, mandou matá-la e resolveu passar cada noite com uma esposa diferente, que mandava degolar na manhã seguinte. Recebendo como mulher a Sherazade, esta iniciou um conto que despertou o interesse do rei em ouvir-lhe a continuação na noite seguinte. Sherazade, por artificiosa ligação dos seus contos, conseguiu encantar o monarca por mil e uma noites e foi poupada da morte. A história conta que, durante três anos, moças eram sacrificadas pelo rei, até que já não havia mais virgens no reino, e o vizir não sabia mais o que fazer para atender o desejo do rei. Foi quando uma de suas filhas, Sherazade, pediu-lhe que a levasse como noiva do rei, pois sabia um estratagema para escapar ao triste fim que a esperava. A princesa, após ser possuída pelo rei, começa a contar a extraordinária "História do Mercador e do Efrit", mas, antes que a manhã rompesse, ela parava seu relato, deixando um clima de suspense, só dando continuidade à narrativa na manhã seguinte. Assim, Sherazade conseguiu sobreviver, graças à sua palavra sábia e a curiosidade do rei. Ao fim desse tempo, ela já havia tido três filhos e, na milésima primeira noite, pede ao rei que a poupe por amor às crianças. O rei finalmente responde que lhe perdoaria, sobretudo pela dignidade de Sherazade. 2


    2- texto encontrado no site www.contadoresdehistória.pro.br/sherazade.htm, acessado em 08/08/2005 Os relatos que encontraremos com respeito à criança estão, por exemplo, nas tragédias gregas, quando citadas, tinham uma razão específica: tinham sido usadas como alvo, tanto pelos deuses, quanto pelos humanos , para aplacar sede de vingança deles. Na bíblia podemos observar os objetivos subjugadores e moralizantes para manter os pequeninos sob a égide da vara disciplinadora, mais para orgulho dos pais, que para desenvolvimento das crianças, veja: carta aos Efésios: capitulo 6 versículo 1, “Filhos, sede obedientes aos vossos pais, em união com o Senhor, pois isso é justo”. Está é uma advertência amorosa, que foi usada pelos judeus, enquanto em toda Europa fluía o descaso contra os filhos.

    Um avanço no tempo

    Com a ascensão da burguesia ao poder, a criança foi vista como um elemento importante na fixação dos burgueses como classe dominante, afinal, educando os filhos primeiramente, na seqüência eles teriam educado os futuros pais e garantido a mão de obra necessária para a formação das classes, tanto burguesa para mandar, quanto o proletariado para obedecer. Deste projeto nascem as escolas que ensinavam as crianças ao trabalho e nasce também à necessidade de subjugar o homem como o responsável pela família, constituindo-se então a “sociedade patriarcal”, aliás, a partir daí nasce o conceito de família e de casamento que deixa de ser uma união de interesses entre os nobres, para ser um conjunto de fácil dominação. Com essa nova perspectiva o filho passa a ganhar a atenção da mãe e o cuidado do pai, pois agora eles também teriam algo a deixar de herança à sua descendência, um sobrenome.
    Dessa educação surge a ideologia da mulher como sexo frágil e o homem como o sexo forte, pois as meninas cresciam e aprendiam que o casamento era cor-de-rosa, um sonho digno de uma princesa dos contos de fadas. E os meninos deviam ser fortes e corajosos como os heróis das estórias, pois deles dependia o futuro da humanidade.
    Com a intenção de manter essas crianças sob domínio da sociedade e principalmente, da igreja, surge um conjunto de obras que moraliza, ensina obediência, e a torná-los dependentes do adulto, isso tudo através dos seres mágicos como: fadas, bruxas, heróis bonzinhos cujas ações deveriam ser copiadas, se boas, ou evitadas se más, e o mundo da magia poderia transformar a precária existência em abundância e riqueza.
    Para acompanhar essa nova fase, autores reescrevem os contos, amenizando temas como morte e sexo, tornando o mundo infantil separado do mundo adulto. Um dos mais importantes escritores dessa fase é Hans Christian Andersen. Vejamos:


    “o autor mais importante dessa representação-de-mundo, na Literatura Infantil, foi Hans Christian Andersen, legitimo representante do ideário romântico-cristão. Suas centenas de contos(extraídos do folclore dinamarquês ou inventados por ele) são exemplares, como transfiguração literária daquela orientação ético-religiosa. Muitas de suas estórias são realistas: situam-se no mundo real, cotidiano, com personagens simplesmente humanos em luta com as adversidades da vida e, em geral, vencidos por elas, mas vitoriosos na conquista do céu. Outros são apólogos: têm objetos ou seres da natureza como personagens que vivem problemas idênticos aos dos homens. Exemplo: “O boneco de Neve”; “A agulha de cerzir”; “O soldadinho de chumbo”; “Os namorados”; “O pinheirinho”...3


    Andersen nasceu em Odense, Dinamarca em 02/04/1805, portanto 2005 é o seu Bicentenário. No Brasil, Hans C. Andersen foi enredo da escola de samba Imperatriz Leopoldinense no carnaval de 2005. Filho de sapateiro, e mãe lavadeira, cujo pai tinha preferências jacobinas, e lutou ao lado de Napoleão por dois anos. Teve uma vida precária
    financeiramente, sua força de vontade determinou seu destino com o patrocínio de Jonas Collins, que o ajudou nos estudos, enquanto fazia pequenos trabalhos literários. Interessante, é saber que estudou canto e dança, enquanto que a arte de escrever advém das leituras e do estudo autodidata. Andersen, menino alto e desajeitado, mas com sensibilidade aflorada, simpatizante dos pobres, pois enquanto angariava a simpatia dos reis, dava palestras em universidades e associações de trabalhadores. Escreveu primeiramente poesias e romances em 1833, e chega em 1872, com 156 contos. Morre em Rolighed, Dinamarca, em Agosto de 1875. Reconhecido atualmente como: “O pai dos contos de fada”, vejamos:


    e em sua homenagem, o Rei Frederik IX da Dinamarca instituiu uma premiação bienal destinada a autores de livros infantis em 1956. Este projeto tomou proporções mundiais e se transformou no Prêmio Internacional de Livros para Jovens (International Board of Books for Young People – IBBY), considerado o mais importante em sua área - um verdadeiro 'pequeno prêmio Nobel'. Em 1982, foi a brasileira Ana Maria Machado e em 2000, foi a brasileira Lygia Bojunga Nunes que ganharam o prêmio.4

    3-COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil. Teoria-Análise-Didática, p.89
    4- dados coletados através do site: http//mixbrasil.uol.com.br, acessado em:7/8/2005, ás oo:h.

    O Soldadinho de Chumbo


    Esse conto de fadas começa com a descrição dos vinte e cinco soldadinhos de chumbo que um menino havia ganhado no seu dia de aniversário. Eles possuíam um rifle e se vestiam de uniformes vermelho com azul, esse uniforme trás a lembrança de disciplina e com o reforço dessas cores características, que geralmente as escolas adotam como padrão, a criança lembrará do ambiente escolar e conseqüentemente poderá estar adquirindo conceitos de disciplina.
    Cada soldadinho era igual fisicamente com o outro, ou seja, as pessoas são iguais dentro da sociedade, tendo essa metáfora como positiva quando a possibilidade de interpretar que não há discriminação racial ou qualquer outra do gênero, ou como negativa, quando a possibilidade de se entender que as pessoas regidas por uma ideologia possuem a mesma forma de pensamento, não tendo criticidade quanto à sociedade, ou seja, hegemonia. Mas o único diferente era o soldadinho de chumbo aleijado que não possuía uma das pernas porque fora moldado por último com um pouco de chumbo que restava. A compreensão que pode ser obtida é que o soldadinho mesmo sendo um resto é necessário aos outros demais vinte e quatro soldadinhos, para completar o estojo de 25, ou seja, mesmo uma pessoa (ou a maioria das pessoas) não parecendo ter um grande papel na sociedade porque, por exemplo, não é bem nutrida financeiramente, a sociedade necessita dessa pessoa para sustentá-la; e para que essa pessoa não perceba que é apenas um combustível, é considerada especial e capaz, como o soldadinho também o é, fazendo a população ter pena.
    O soldadinho vivia triste até o momento em que avistou, dentro de um castelo rodeado por arvoredos e um lago, uma bailarina vestida muito bonita e com uma lantejoula no pescoço; viu naquela bailarina a semelhança que faltava se espelhar. Ela se encontrava em uma posição de dança em que parecia possuir apenas uma perna, tal qual o soldadinho. Essa descrição da bailarina remete a característica em que a mulher é imaculada, perfeita, dentro de seu mundinho como dona do lar (castelo) e a lantejoula traz a característica da mulher se embelezar e se importar com riqueza e jóias, enquanto o homem regido pela disciplina é o poderoso e forte quando na imagem do soldado. Depois de admirá-la, o soldadinho pensa consigo mesmo “eis uma boa esposa para mim!”, mas idéia passada dessa frase não é que o soldadinho apaixonado pensa em ter a mulher amada, mas sim que a bailarina seria a mulher perfeita para constituir uma família nas regras da sociedade em que a mulher deve servir ao homem (boa esposa). Logo em seguida o soldadinho se lembra que ela mora em um castelo enquanto ele apenas mora em um estojo. Isso mostra a diferença social impedindo um matrimônio.
    Entretanto ele continuou contemplando-a o resto da noite enquanto os outros brinquedos brincavam e faziam festa. Quando bateu a meia-noite um gnomo surgiu falando para o soldadinho apenas guardar olhos para ele mesmo. O gnomo vai embora ameaçando o soldadinho depois de ignorado. Essa passagem não explica muito bem o porquê da hostilidade do gnomo, mas dá a entender que também parecia desejar a dançarina.
    No outro dia, também sem nenhuma explicação precisa, o soldadinho de chumbo cai da janela, parecendo que tinha sido obra da maldição do tal gnomo, levando a criança a estabelecer o conceito de bem contra o mal. Caído no chão, o soldadinho vê o menino e a criada o procurando, mas não tenta gritar para chamar atenção, pois seria inconveniente, já que estava de uniforme. Traz à criança a noção de que até em um momento de desespero não se pode perder a disciplina e o fundamento do que as regras da sociedade dita, ou seja, mesmo sabendo de uma vida financeiramente miserável, não se pode ir contra isso, pois estará mostrando rebeldia e automaticamente estará criticando uma outra classe.
    O soldadinho continuou a aventura, depois de ter sido jogando em um barquinho de papel por dois meninos, rio adentro, sempre se mostrando rijo e sem falta de postura e culpando aquele tal gnomo durante o trajeto. Essa ênfase em culpar o gnomo remete a um mal inexplicável, sempre por trás dos acontecimentos ruins na vida das pessoas, ou seja, a criança pode vir a colocar culpa de seus problemas no sobrenatural: “se não tem comida na mesa hoje é porque Deus quis assim, pois não deveria ter xingado minha vizinha”.
    O soldadinho também passa por perigos quando encontra um rato exigindo um passaporte para a passagem pelo esgoto, mas o soldadinho consegue passar impune até quando é engolido por um peixe, ou seja, ele ficou devendo uma obrigação (mostrar o passaporte) e logo em seguida foi punido por ter corrompido uma regra (fora engolido pelo peixe).
    Até que o peixe foi parar na cozinha da criada, e quando ela abriu-o para prepará-lo para o cozimento, descobriu o soldadinho nas entranhas do bicho. Todos queriam ver o soldadinho tão estranho, mas ele não estava nada orgulhoso pelo o que passara. Isso leva a pensar que sair da rotina, mesmo que por um fato inesperado, não é bom e não deve ser repetido nem mesmo tentado. O soldadinho, quando exposto a todos no centro da sala, percebeu que era a mesma casa em que vivia antes e viu sua bailarina no mesmo lugar inabalável e se comoveu tanto ao vê-la que se conteve a chorar, pois seria inconveniente. Essa retenção do choro por parte do soldadinho mostra que o homem nunca deve expressar seus sentimentos, ainda mais chorar. A ênfase no uso da palavra “inconveniente” para todas as expressões de sentimentos dá a entender que nunca poderá ninguém sair do padrão de porte que a sociedade exige, porque senão estará agindo inconvenientemente, ou seja, passando vergonha em público, mesmo que essa expressão de sentimento seja para reivindicar direitos.
    Um dos meninos que estava na sala jogou o soldadinho de chumbo na lareira, que automaticamente começou a se derreter. E mais uma vez o fato não é bem explicado, levando a culpa, novamente, o tal gnomo. Esse gnomo, a expressão do mal, pode ser entendido como o destino, as regras da sociedade, a burguesia, a ideologia, pois ele, de um modo sobrenatural, deu um jeito para que o soldadinho fosse extinto e não permitiu que pobre e rico convivessem juntos.
    Inexplicavelmente, depois de uma brisa ter batido nela, a bailarina foi levada ao fogo da lareira também, sendo queimada ao lado do soldadinho. Ela não teve escolha, pois uma brisa a levou até o seu destino mortal, ou seja, o lugar certo da mulher, mesmo ela não querendo, é estar sempre ao lado do homem, mesmo que seu fim seja a morte. Tanto que a bailarina no decorrer da história se encontrava estática, sem nenhuma ação e calada a historinha inteira, igualmente como uma mulher dentro da sociedade deveria se portar.
    No outro dia o chumbo derretido do soldadinho tinha virado um coração, e da bailarina apenas havia sobrado a lantejoula.
    Esse final negativo, levando os dois a morte, se dá porque pessoas de classes sociais distintas não poderiam se relacionar, e tanto o começo da história positivo, quando se tem o entusiasmo do garoto em ganhar os soldadinhos, quanto o soldadinho em se apaixonar pela bailarina, aparentemente alguém semelhante, revela que é uma intriga mínima descendente.
    Esse mundo conformista explícito na historinha acaba passando valores de obediência, disciplina, machismo, etc. em que a cada passo que a criança tenta construir seu próprio sentido do texto em sua mente é automaticamente cortada desse raciocínio quando, por exemplo, se usa a palavra inconveniente para a expressão de um sentimento. A criança lendo esse conto de fadas poderá estar adquirindo um conformismo e alienação quanto à realidade social, podendo crescer apenas repercutindo esses valores adquiridos sem nenhuma consciência crítica e opinião própria, ou seja, dificilmente sendo capaz de mudar a realidade. Além de ser privada dessa consciência, se por alguma falha ela vier a compreender alguma coisa da realidade, será persuadida a culpar o sobrenatural, o mal, etc. pelas suas desgraças.


    A estranha liberdade


    No entanto, o avanço tecnológico acompanhado dos grandes conflitos mundiais, obrigaram as sociedades a dar um passo importante para o desenvolvimento intelectual dos leitores mirins. A escola se transforma no espaço ideal e necessário para a formação do cidadão, se por um lado se tornara perigoso manter as crianças longe da realidade, por outro lado os contos de fadas já não satisfazem mais as expectativas e a curiosidade das crianças. É a fase emancipadora, quando elas podem dos comentários, assistem tv e seus olhos estão atentos a tudo. Entretanto a aproximação criança/realidade continuou a ser sutilmente monitorada, como um cancro arraigado na sociedade.



    A imaginação contada em “O elefante”


    O escritor Carlos Drummond de Andrade, não foi exatamente um escritor de contos ou poemas infantis, tendo em seu repertório alguns trabalhos dirigidos à essa área. Ele usa uma linguagem bastante rebuscada, podendo, o texto ser trabalhado na faixa etária da adolescência. E exatamente por isso nos foi válida a escolha por podermos comparar dois textos de epocas diferentes, com valores diferentes, mas com o mesmo tema “solidão”. Drummond trabalha obsessimente com o tempo e o cotidiano subjetivo, no qual destila crítica e reflexão.
    O poeta e cronista nasceu em Itabira do Mato de Dentro, MG, em 31/10/1902, descendente de uma familia de fazendeiros decadentes. Começou sua carreira como escritor colaborador do diário da manhã, formou-se no curso de Farmácia, na cidade de Ouro Preto, em 1925. Mas dedicou sua vida como escritor cronista e homem do estado, que perdurou até 1962, quando se aposentou. Além de escrever tambem traduziu obras preciosas.
    Morreu no Rio de Janeiro RJ, no dia 17 de agosto de 1987.
    O livro “O elefante” de Carlos Drummond de Andrade é uma espécie de laboratório de poesia, em que o poeta procura inovar com a palavra e acaba por se tornar a própria poesia. O escritor empresta ao eu-lírico a condição de construir seu elefante-poema, para depois se transformar num só, como se confirma no trecho “... eu meu elefante, em que amo disfarçar-me”.
    O texto é feito de varias contradições, a começar pelos modestos materiais a serem utilizados, como o algodão, que dá leveza a um animal que é, naturalmente, pesado.
    Ao montar o elefante, ele constrói as possibilidades da vida: as orelhas, para que o elefante possa ouvir o mundo, mesmo que esse recurso não lhe traga tantas vantagens, pois a audição isolada não lhe traz benefícios, afinal suas ações perecem sem os outros sentidos. Então surge a tromba, essa sim, pode cheirar e sentir a presença de tudo ao seu redor, tocar a vida, por isso, a parte mais feliz, ela é quase como se fosse um ser independente do corpo.
    O menino-poeta fala então sobre as presas do elefante-poema, que são de material desconhecido, “simples presas brancas”, talvez porque para uma criança e para um poeta, que aprecia a natureza no seu devido lugar, neste elefante em especial, as de marfim não teriam tal valor.
    Ao descrever os olhos do elefante, o eu-lírico nos remete a uma possível reestabilização da natureza, como se o menino tivesse montado o animal “elefante”, que viu no circo, e percebeu que aquele não era o seu lugar, talvez ele pudesse sair às ruas, talvez ele pudesse nadar no mar, como ele menino-poeta fazia. Seus olhos não mentiam, transpareciam sua tristeza.
    Em “Eis meu pobre elefante/ pronto para sair/ à procura de amigos/ num mundo enfastiado/ que já não crê nos bichos/ e duvida das coisas”, o adjetivo “pobre”, pode confirmar a diferença entre o animal inventado e o verdadeiro, pois mesmo libertado pelo menino, não pode ser feliz, pois não há amigos, e o mundo só acredita em animais verdadeiros.
    Ao sair para a rua o elefante estabelece outro paradoxo “imponente/ frágil”, uma sutil referência ao leão covarde do Mágico de Oz, que é o rei das selvas, mas por algum motivo tem muito medo das coisas. Assim nos passa um elefante, que por seu tamanho deveria ser forte, mas por estar longe do real e do verdadeiro se torna frágil e desprotegido. Nesse elefante, há estampada a vontade de pertencer á um mundo no qual a liberdade permita que sua estrutura se fortaleça pela natureza: “... alusões a um mundo mais poético onde o amor reagrupa as formas naturais”. O animal-poema é movido pelo amor, amor à vida, amor do poeta-menino ao seu ser, amor às coisas singelas. Ele caminha pela rua sem ser notado, pois ele não é real, e o ser humano não acredita na fantasia.
    Em “Vai o meu elefante/ pela rua povoada”, o pronome possessivo garante ao leitor o fato de que o poema fora criado pelo eu-lírico, para fugir das convenções e não é visto por não ser uma ideologia usual. Por mais que tente contagiar o mundo humano, se vê solitário. Está faminto, e precisa se encher de vida, como uma criança que não viveu tudo, que não brincou tudo, que não riu o suficiente. O eu-lírico aceita até mesmo as experiências mais banais da natureza, pois até delas poderá extrair alguma poesia.
    O caminho que ele percorre é o da fantasia do irreal: “... mas os homens ignoram, / pois só ousam mostrar-se sob a paz das cortinas/ à pálpebra cerrada”, no entanto, parece mais verdadeiro, pois o humano se esconde atrás das máscaras e usa da hipocrisia para se mostrar.
    Na conclusão do poema o eu-lírico demonstra a criança numa brincadeira cotidiana que poderá ser recomeçada no dia seguinte, sem o prejuízo da perda.


    A escola e sua relevante importância


    Retomando o nosso questionamento sobre o porquê, de o estudo da literatura ser entediante, que contrariando “o primeiro amor” despertado pelos contos de fadas, encontramos como resposta: de um lado, a escola e o professor mal preparados para aplicar essa disciplina, enquanto do outro lado, pais assoberbados com a responsabilidade de busca financeira.
    Essa falta de tempo para despertar nos filhos momentos de ouvir ou ler um conto, no qual a interação se transformava numa cumplicidade entre mãe e filhos, ou avó e netos, quando até mesmo um questionamento mal respondido poderia ser perdoado, difere do momento oferecido pelo professor, que necessita de um conhecimento específico, para aplicar a disciplina e, com certeza ele teria êxito se bem preparado pois, além de restaurar a interação adulto/criança, ainda estaria apto aos questionamentos, que deveras surgirão, tendo o cuidado de não deixar morrer a curiosidade, elemento tão imprescindível da boa leitura e abundante entre as crianças e os jovens.
    Hoje como somos esses futuros profissionais, provavelmente responderia a pergunta citada acima que foi: “por que o soldadinho de chumbo sendo tão bom, não se livrou logo do fogo, assim como se livrara da enxurrada e dos ratões?”, com uma prática pedagógica devidamente eficaz, como: “que tal recontarmos a estória então?”, pois assim, estaríamos ao mesmo tempo respondendo de modo convincente, como também estaríamos despertando a criatividade intelectual da criança, que para a produção textual seria só mais um passo.


    Considerações finais e a prática pedagógica


    Os dois contos aqui apresentados podem ser considerados na mesma linha de reflexão: a solidão dos personagens e a aventura através da imaginação.
    Mas temos que admitir as diferenças, quando a reflexão é de interesse pedagógico, e esse interesse vise despertar no jovem o prazer pela leitura, exemplo: quanto ao “O soldadinho de chumbo”, pode-se trabalhar o preconceito tão enfocado hoje pela inclusão de deficientes nas escolas, e que, os professores e alunos devem tratar esse assunto com naturalidade e amor. Isso pode ser evidenciado pela vida solitária do soldadinho de uma perna só, e que se apaixona pela bailarina cuja primeira impressão deixada nele, é de que ela também tem apenas uma perna. Buscando ele, portanto alguém igual, com a mesma deficiência, já que os demais 24 soldadinhos não são companheiros dele, e essa exclusão também pode ser interpretada no final da estória quando o menino atira no fogo o soldadinho defeituoso, enquanto os demais poderiam estar muito bem protegidos.
    Outro tema bastante aceito pelos pré-adolescentes é o amor, um amor quase platônico, vivido entre a bailarina e o soldadinho cujo final, se ameniza a tristeza para se transformar no desejo realizado.
    Também as aventuras sonhadas entre os jovens ávidos por experiências novas e aventuras que os tornem famosos entre os amigos, são temas consideráveis.
    Quanto ao poema de Carlos Drummond de Andrade, pertencendo à linha emancipadora, utiliza recursos reflexivos, de função psicológica: uma criança solitária cujos pais nem sempre estão por perto, e por isso a solidão, e a imaginação livre, que é o seu principal brinquedo, mas enquanto brinca a criança revê atitudes adultas que poderiam ou deveriam ser questionadas, entre elas a hipocrisia, que poderia ser interpretado no trecho “...pois só ousam mostrar-se sob a paz da cortina/ pálpebra cerrada...”, quer dizer, quando dormem, ou quando estão a sós, pois do contrário o adulto não é verdadeiro.
    Uma outra atitude é a falta de diálogo entre pais e filhos que pode se tornar um bom assunto de questionamento.
    Também, muito atual, é a sede de amigos entre os jovens, como artifício de se socializar e manter ou conquistar prestígio. Com medo de serem desprestigiados, abrem a guarda para “amigos”, que os inicia em vícios, ou atos de violência. O poema de Drummond pode ser útil para se trabalhar esse tema, afinal, “antes só, que mal acompanhado”.
    Conforme as pesquisas e o consenso a que chegamos, uma prática pedagógica relevante com a serie escolhida, seria: Num primeiro momento, a leitura do poema “O elefante” em voz alta, e depois ler silenciosamente o conto “O soldadinho de chumbo”, depois fazer perguntas para estimular os alunos a darem suas opiniões quanto aos textos e abordar pontos que não foram identificados. Num segundo momento orientar para que façam uma entrevista de aventura por qual o entrevistado tenha passado. E aí finalmente de posse dessas duas atividades, elaborassem um texto de aventura.

    Bibliografia

    Andersen, Hans christian. O persistente soldadinho de chumbo. Tradução de Per Jonhs;ilustrações de Robert Rajabally. Porto Alegre: Kuarup, 2002.
    Coelho, Nelli Novaes.Literatura infantil. Teoria-Análise-Didática, p.89
    Drummond de Andrade, Carlos. O elefante (Ilustrações de Regina Vater). R. de
    Janeiro: Record. Coleção Abre-te Sésamo, 1983.
    Zibberman, Regina. Literatura Infantil: Autoritarismo e emancipação. São Paulo. Editora Ática, 1987.
    www.contadoresdehistória.pro.br/sherazade.htm, acessado em 08/08/2005
    www.gaudez.com.br, acessado em 07/08/2005, ás 00:00 h.
    http//mixbrasil.uol.com.br/cultura/biografias/htm, acessado em: 07/08/2005, as 00:15
    www.vidaslusofanas.pt/hans.andersen acessado em: 07/08/2005

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