"UBE Blogs"

quarta-feira, setembro 12, 2007

A poesia de João Cabral de Melo Neto

Análise do Poema

O poema “Catar Feijão” faz parte do livro “Educação pela pedra”, editado em 1966 e pelo seu título indica uma ação comum: a de catar feijão. Ele é composto de duas estrofes, dezesseis versos brancos e a predominância de substantivos que nos mostra um poema baseado no real, no cotidiano.
O autor empresta ao eu-lirico a possibilidade de criar um paralelo entre a ação simples como o ato de catar feijão e a escolha complexa na combinação de palavras na elaboração de um poema, um processo reservado a poucos. Veja como isso está explícito no primeiro verso: Catar feijão "se limita" como escrever. Ao mencionar a palavra “se limita” ele cria uma proximidade comparando e salientando as diferenças entre os dois atos valorando-os, por exemplo: o elemento imprestável encontrado no catar feijão terá valor diferente no ato de escrever; e ainda que: ambos podem ser feitos de forma idêntica, a busca pela palavra que rime ou exprima o sentimento do poeta no momento de escrever se iguala na paciência que se deve ter ao separar feijões bons e ruins.
No segundo verso a diferença/semelhança estão acentuadas, enquanto os objetivos e os locais são distintos, “joga-se os grãos na água e as palavras na folha de papel”. O eu-lírico estabelece a semelhança entre os dois atos no quarto verso “e depois joga-se fora o que boiar”, aqui tanto o feijão como as palavras que boiar vão fora; do feijão: “o leve e o oco”; nas palavras: “o eco”.
Percebe-se então que a estrutura do poema baseia-se em figuras de som como assonância e aliteração, no qual o uso das vogais /a/, /e/, /i/, /o/ em todo o poema e da letra /g/ no verso 2, da letra /p/ no verso 7 e das letras /t/ e /fl/ no verso 15 compõe quase uma melodia lírica. Qualquer erro na escolha das palavras incorre em eco: som desagradável que deve ser evitado para que o poema alcance a desejada sonoridade. Há a presença de enjamberment nos versos 2/3, 6/7 e 10/11, que auxiliam na manutenção dessa sonoridade.
O poeta transmuta os objetos dando a eles outras denominações. Para a folha de papel: como “água congelada”, pois a água é líquida e tem profundidade por estar no alguidar, e ao se jogar os grãos os bons afundam, enquanto as palavras são colocadas sobre o papel. Alguidar uma palavra que significa jarro, usada como elemento lexical (arcaísmo), mantém o efeito sonoro em /g/ no verso. A palavra “Certo” no verso 5 e depois repetida no verso 13, segue a mesma função, primeiro positivamente e depois categoricamente negativa “Certo não “ evidenciando na tonicidade a diferença elementar entre catar feijão e catar palavras.
No nível sintático três figuras podem ser registradas: “palavra(s) v.3/5 e grão(s) v.2/14”, “joga-se, repetida por duas vezes v.2 e 4”.
Na segunda estrofe há um alerta para “o risco de se encontrar entre os grãos pesados, uma pedra imastigável ou indigesto”, nesta estrofe podemos notar novamente a diferença circunstancial entre o catar palavra e o catar feijão, por exemplo: a pedra prejudicial no feijão; no poema "dá à frase seu grão mais vivo”, isto é: num texto não provoca indigestão, mas “obstrui” porque transforma uma simples leitura de decodificação num texto enriquecido pela técnica criativa do poeta, pois “açula a atenção“, nos convida a decifra-la, entende-la, "obstrui a leitura fluviante flutual", navega contra as forças da correnteza, não há facilidade nesta leitura, há, sim, uma solicitação de maior compromisso do leitor ao recitá-la.
Ainda no verso 15 “obstrui a leitura fluviante, flutual”, o eu-lirico atribui a leitura adjetivos figurativos, pois fluviante diz respeito à rio e flutual de boiar; em nada conferem com o substantivo “leitura”, entretanto além de manter a coerência do tema no todo, cria novos vocábulos que possa satisfazer sua exigência na criação do poema. Ele troca fluvial e flutuante por flutual e fluviante permitindo-se aos desmando que a poesia é capaz.

Conclusão

João Cabral de Mello Neto é considerado um poeta preocupado com a estética, com a arquitetura das poesias, chamado de poeta engenheiro, pela construção de poesias elaboradas de forma racional, concisa, retratando o fato com objetividade sem abdicar de um lirismo enebriante, sonoro. Percebemos que no poema “Catar feijão”, que ele empresta ao eu-lírico a possibilidade de uso dessas linguagens para constatar uma realidade do cotidiano, que é um simples ato de escolher feijão, tirar-lhe as impurezas para ser possível o consumo, usado de forma metaforicamente, catar feijão, serve como um parâmetro para alcançar o objetivo da construção do poema, o uso correto das palavras é algo que deve ser feito com escolha, palavras certas para edificar seu "trabalho", sim o fazer arte comparado a um trabalho no qual a pedra se revela no final do poema: a modificação de fluvial e flutuante.
A intimidade do poeta com as palavras permitiu-lhe a tamanha rebeldia.
O rigor de escolha o fez encontrar a pedra essencial, a pedra perfeita.

Bibliografia

MELO NETO, João Cabral de. Antologia poética. A Educação pela Pedra 2ª. Rio de Janeiro: Sabiá, 1973

(por Regina Chaves)
Cascavel/2005

2 comentários:

Anônimo disse...

Análise maravilhosa, abriu meus olhos quanto ao poema. Obrigada.

Estou no primeiro ano de letras e ainda sinto muita dificuldade com análises.

Anônimo disse...

Sim.