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segunda-feira, setembro 24, 2007

Levantado do Chão

Dono de suas próprias regras, o escritor José Saramago tornou-se alvo de críticas, entre as quais, as mais pulsantes são: ateu e narcisista, porém “polêmico” exprime a real essência do autor. E assim o sendo insurge contra ele infinitas conjecturas.Para nós, todavia interessa não a comprovação de quem na realidade é Saramago, mas a essência de que é composta tal sensibilidade.José Saramago se considera e é considerado ateu, entretanto em suas obras observamos a busca do homem pela verdade absoluta. Uma busca que às vezes se satisfaz com a contemplação sobre evidências da existência de uma “mente poderosa” ou um “ser superior” responsável pelo projeto meticulosamente articulado na elaboração das belezas naturais. O contato com o florescer dos campos e a paisagem inesgotável da natureza, a qual “sobrevive às intempéries do homem”, o fascina ao ponto de: ao descrevê-la deixar que percebamos a ânsia do narrador diante do inexplicável. Às vezes o percebemos decepcionado quando se contradiz apelando ao tom ironizante, quase jocoso ao reavaliar a historicidade do homem frente à sua religiosidade.Porém entre uma e outra sempre nos surpreendemos com os apelos sutis às intervenções divinas em defesa dos enfraquecidos quando subjugados por aqueles que são adeptos do “Plutonismo”[1].Expressa em suas obras, provavelmente devido ao dualismo e aos questionamentos considerados por alguns críticos como sendo um “barroquismo”, o homem angustiado frente às ideologias, fraco quando empunha suas bandeiras em suas lutas sem vitórias. Fragilizado, quando percebe a força maior que move as circunstancias e em cujo movimento ele “homem escritor e modificador” se vê incapaz de operar a transformação necessária.É o homem diante da sociedade da qual se sente responsabilizado, culpado, criador. Mundo no qual Criador e criatura se debatem e esta toma forma superior que o próprio criador. Isso o aterroriza e o fascina, e neste momento surge o “escritor poeta” sensibilizado e enfraquecido tomando para si a responsabilidade de se fazer ouvir, e então, busca forças na religiosidade como respostas para a restauração do mundo. E não as encontrando blasfema, avilta um Deus que permite o sofrimento, questiona “até quando?”, como se pudesse apagar o mundo e começar novamente dum modo melhor.Para explicarmos essa nossa teoria, encontramos em suas obras frestas e janelas, que em algum momento são visualizadas do lado externo, as quais o narrador percebe as “frinchas iluminadas”, e através delas espiona os fatos, e em outros momentos, do lado interno, como observador do mundo em que os personagens estão inseridos. Talvez essa seja a maneira que o autor encontrou para tomar parte das narrativas tramadas pelo narrador e elaborar a narrativa nos parâmetros filosóficos comumente empregados por ele.Por exemplo, na obra “Levantado do Chão” o narrador qualifica as personagens como pessoas rudes, vejamos: “Facilmente se vê que é uma conversa de pobres, (...) e falam dessas coisas de pouca substancia e nenhum vôo espiritual (...) isto é gente rude” (p 52). Porém ao longo da narrativa introduz um “meio sábio” (p 81), isto é uma “frincha” na qual o autor possa transitar disfarçado de personagem narrado pelo “homem criador de mundos”.Ainda na p. 81 de “Levantado do chão” encontramos um acontecimento atmosférico presenciado pelo povo Alentejano e no qual o narrador se transmuta nesse “homem fazedor de mundo”, e isso pode ser percebido na entonação diferenciada da narrativa, vejamos: “A terra vai acabar, ou enfim começar”, “já não era sem tempo”. Com certeza não há apenas um narrador, há dois: o autor e o narrador, de comum acordo conjeturando filosoficamente a melhor solução para o impasse da humanidade, “a possibilidade de recriar a terra”.Saramago liberta o homem escritor e deixa-o interagir nas produções do escritor, sem, contudo desqualificar sua obra, pelo contrário, criando possibilidades, abrindo horizontes ao subverter normas.É um novo caminhar da literatura. O jeito de escrever como se conversasse com ele mesmo. A analise de fatores sociais que interferem e ao mesmo tempo são propulsores da história do homem. Ao questionar atitudes, trata de assuntos sociais históricos que revelam o ontem como se fosse o hoje, são características inerentes de um escritor que não está preocupado com a crítica, mas com suas próprias convicções e com seus ideais de sociedade.O posicionamento ateísta de Saramago pode ser contestado porque Deus está muito presente em suas obras para que ele o negue completamente. O que ele faz é discutir polemicamente as doutrinas cristãs e o comportamento daqueles que se dizem “nomeados por Deus” para salvar as almas. E, que, ao contrário disso, usam do poder para se abastar de numerários e viver confortavelmente. Discute as vias tomadas pelos dogmas da igreja que se distanciam da obra de um apostolado verdadeiro, convertendo-se em intenções que levam uma igreja a se fundamentar nos milagres em troca de favores reais.Por exemplo, em “Memorial do Convento”, no qual estaria garantida a descendência real em troca de ajuda para construção de um mosteiro, ou as atitudes fornicadoras dos frades ao abusar de Blimunda, (Memorial do Convento, p 345). Ou ainda da caracterização do padre Agamedes em “Levantado do chão”, o qual estava mais preocupado em angariar seus donativos junto aos latifundiários do que trabalhar na obra de Deus aliviando o fardo daqueles trabalhadores desgraçados.Um outro elemento bastante questionado por José Saramago é o preconceito do qual sofre a mulher na sociedade patriarcal. Isto está evidente em: Sara da Conceição, que se arrasta numa vida miserável na esperança que João Mau Tempo se livre do gosto pelo vinho, se estabeleça e trabalhe na profissão de sapateiro para sustentar a família. O que não acontece. Ou o luto imposto à mulher virtuosa que morria para a vida no momento que perdia seu marido. Ou a própria Blimunda, que mesmo tendo uma atitude diferente das mulheres da época, não é respeitada nem pelo frade, depois de perder seu companheiro. Nem mesmo a realeza escapava dessas convicções machistas, pois a rainha D. Maria Ana expõe o sofrimento da primeira noite de uma mulher casada para sua filha, a princesa D. Maria Bárbara (Memorial do Convento, p 307).Tanto em “Memorial do Convento” como em “Levantado do chão” Saramago discute o rumo que o “progresso” das grandes invenções tomaram, e como afetaram o caminhar de uma sociedade que já se encontrava capengando diante da ganância daqueles que detém o poder. Não é um olhar novo ou único, contudo ganhou uma roupagem diferenciada quando tratada lá no princípio e na perspectiva de que o leitor repense a expressiva evolução a que ele chegou e os danos maiores que causou. Ele mostra apenas um fragmento, contudo nosso poder reflexivo nos faz ir muito além, até nossos dias.Quanto à alcunha de “escritor narcisista”, Saramago foi amplamente defendido por Massaud Moisés sob o argumento de que um escritor impregna sua obra com as experiências do homem social. E que ao se expor ele busca a aceitação primeiramente dele mesmo e depois e só depois do restante da humanidade, isso faz com que todos os escritores tenham um quê de narcisista, e nem Saramago poderia escapar dessa sujeição.[1] Plutocratas: pessoas que fazem parte de um grupo no qual a influencia e o poder são obtidos através do dinheiro.

Por: Regina chavesCascavel/2006

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