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sábado, outubro 16, 2010

PETRARCA: HISTÓRIA E MEMÓRIA

CHAVES, Regina. G (UNIOESTE)
SIBIN, Elizabete Arcalá. (UNIOESTE)

RESUMO: Este artigo tem como objetivo discorrer sobre vida, obra e momento histórico do poeta italiano, Francesco Petrarca, respeitado como Pai do Humanismo italiano, e como expoente do Movimento Literário Doce Estilo Novo pela consolidação do soneto na Lírica Universal e por revitalizar o latim vulgar, transformando-o em língua principal por ser acessível às cidades-estados governadas por Roma e, por conseguinte, na língua italiana. Analisaremos a Lírica como primeira produção subjetiva, introspectiva e reflexiva social, além de romântica. Sob a Teoria Literária na orientação de Vitor Aguiar e Silva (1979), que perpassando pelas vertentes filosóficas de Hegel e histórica de Luigi Russo (1962), Francesco Sanctis (1993) trará estudos sobre a melancolia de Petrarca. E com Maquiavel (2006) alguma luz sobre a história política da Itália. Assim como apontamentos sobre a influência de Petrarca no Humanismo Português sob a pena de Luiz Vaz de Camões, no Romantismo europeu na música e na pintura chegando até nossos dias com a homenagem pelos 700 anos da morte de Petrarca. Finalizando com uma análise comparativa entre os sonetos 134 de Francesco Petrarca e soneto V de Luiz Vaz Camões (1990), donde pesquisaremos analogias do amor cavalheiresco na arte do amor indefinível, no qual Petrarca foi mestre e Camões fiel discípulo.
PALAVRAS-CHAVES: Cancioneiro, Vassalagem Amorosa, Petrarquismo, Latim Vulgar

Para se entender a importância da Lírica de Petrarca, faz-se necessário um estudo, ainda que na superficialidade, do que representa este gênero literário através dos tempos. Embora a poesia Lírica tenha seus fundamentos desde a antiguidade, sua evolução se acentua, na medida em que o homem se revela diante do mundo. Refletindo sobre este mundo e sobre si mesmo, primeiramente, nasce da luta interior para então irromper-se em forma de poesia para além dos limites do eu. Aguiar e Silva sintetizam melhor essa proposição:
A Lírica enraíza-se na revelação e no aprofundamento do próprio eu, na imposição do ritmo, da tonalidade das dimensões desse eu, na imposição da realidade. (AGUIAR e SILVA, 1979, p. 228)
A emotividade faz com que a expressão poética apresente verossimilhança, não com a realidade objetiva, mas com a consciência de si mesmo. Distancia-se da narrativa e do drama que tem como suporte o mundo exterior e objetivo, sem, contudo, perder-se do eixo da aceitabilidade. A estética de Hegel, para Aguiar e Silva, reflete sobre esse aspecto:
Não é do desenvolvimento de uma ação objetiva alargando-se até os limites do mundo, em toda sua riqueza, mas o sujeito individual, e, por conseguinte, as situações e os objetos particulares, assim como a maneira, segundo o que a alma, com seus juízos subjetivos, as suas alegrias, as suas admirações, as suas dores e sensações, toma consciência de si próprio no seio deste conteúdo. (Idem, p. 227)
Se os poetas gregos admiravam os atletas e a pátria, e concebiam estes como objetos de suas aspirações poéticas, Petrarca concebia seu estar no mundo em si mesmo e no amor metafísico concretizado em suas canções. Amor cuja existência, ao mesmo tempo em que se limitava à existência do poeta, transcendia em seu ardor e sofrimento extremo. A ambigüidade da poesia em se distanciar dos objetos para se aproximar do sentimento, suplantá-lo e alcançar prazer, não foge do empírico, mantém uma equivalência de verdade no contexto de leitura ou apreciação. Assim nos diz o crítico literário:
O acontecimento exterior serve de pretexto (...) para atuar como elemento impulsionador e catalítico da emoção enquanto a essência do poema reside na emoção, nos sentimentos, nas vozes íntimas. (idem, p. 228)
O poeta cria o abstrato ou intensifica as sensações, mas não ao ponto de fugir do real. Registra-a como objeto concreto nas formas e na estrutura da pintura e da escultura, embora na poesia lírica percebamos a fluidez, talvez por estar ligada à música, pois nasceu no sopro ou no toque cujas notas embebidas em sensações, são entoadas, apreciadas e entendidas. Aguiar diz que “a sintaxe rigorosa dissolve-se e a poesia tende assimptoticamente para a música”. (idem, p. 232)
Grossmam contradiz a linearidade da poesia exposta por Aguiar. Para Grossmam, a poesia oferece uma linha ondulante que se assemelha ao ritmo ou a cadência das notas musicais quando favorecem evolução e revolução em si mesma:
A poesia gera estados que são ações que favorecem a evolução e revolução sem incompatibilizar-se – são partes de um mesmo processo, Tem uma função em relação a ela mesma – obliqua e sinuosa de modificar a ordem do mundo. (GROSSMAM, 1982, p. 15)
E explica essa modificação quando o poeta, estimulado pela emoção, consegue coordenar idéias e transportar-se entre um e outro mundo através das palavras.
O real indomável a ser domado pela linguagem. O real desconstruído (..), investigado e estruturado que desvela o poema. Comportar-se adequadamente para o poeta é atingir a percepção através de um ato de imaginação estabelecendo no poema uma contigüidade entre fatos não contíguos. O real preserva o absoluto enquanto a poesia como leitura de linguagem e de discurso se acentua na sua zona de opacidade e transparência (idem p 41-43)
A crítica literária utiliza-se de todos os objetos possíveis para analisar uma produção literária. O poema existe por existe o autor, e por que o autor captou a energia que emanava de seu derredor. Para Aguiar e Silva (1979, p. 146-147) o poeta pode ser definido como alguém com possibilidades psicológicas para entender seu mundo e seu estar no mundo. Por isso analisam psicologicamente o poeta sob a teoria de Guy Michaud no estudo dos elementos psicossomáticos. Esta teoria dos quatro elementos é conhecida desde Hipócrates (357 a.C.) e Galeno (199 a.C.), divulgado por Kant e estudado pela psicologia. Ela apresenta um conjunto das disposições congênitas na formação do outro ‘eu’. De acordo com este estudo, Petrarca seria categorizado como, fleumático e melancólico. No qual melancólico, contem em si o elemento água e o fleumático, o elemento terra, compondo uma estrutura psicológica de intelectualidade e emotividade voltada para o social. As sensações com o objetivo de apalpar o mundo e administrar conflitos.
Petrarca deu forma, métrica e imortalizou o sofrimento pelo amor indefinível através dos convulsionados sentimentos que extraia do social e do político. Modificou a ordem do mundo em relação à Lírica e a lingua italiana. Compôs os sonetos que em italiano, sonnetto, significa pequena canção ou pequeno som. O soneto, que nascera sob a forma de duas oitavas na corte de Frederico de Florença, sob a ordem de Jacobo Notaro ou Jacobo Lentini se transformara em dois quartetos e dois tercetos na composição Petrarquiana. Como herança deste tempo temos duas variedades de sonetos, segundo Cunha e Cintra:
O soneto italiano de quatorze versos, geralmente decassílabos ou alexandrinos, obedecendo a dois esquemas ‘abba-abba’ ou ‘abab-abab’ e o soneto inglês, que também consta de quatorze versos, mas distribuídos em três quadras e dois dísticos obedecendo aos esquemas de “ababbcbccdcd-ee” ou ‘ababcdcdefef-gg’” (CUNHA, 2001, p. 713-715)
Para entendermos o real do qual Petrarca extraiu sua lírica e explicar a faceta melancólica e fleumática que temperaram suas obras desde o Cancioneiro e o amor à Laura perpassando a religiosidade, a historicidade até á critica social, temos que rever o contexto social e político que o poeta tentava desconstruir. Petrarca (1304-1374), denominado Pai do Humanismo, devotado em resgatar a Antiguidade clássica ao escrever cartas ao poeta Cícero, morto 1200 anos antes de seu nascimento, alem der traduzir Homero para o latim. Petrarca, Dante Alighieri, Boccaccio e intelectuais do seu tempo formaram a plataforma para o “Ressorgimento” italiano e o inicio da literatura Humanista europeu. Assim como é de Petrarca, o conceito de “Medida Nova” para a Lírica Itáliana, em oposição à Antigüidade Clássica. A principal característica deste movimento é o afastamento do teocentrismo perante a visão antropocêntrica do pensamento filosófico grego. Os intelectuais defendiam um olhar racional para o mundo, enquadrando o homem como possibilitador tanto para o construir positivo como para o negativo. Poetas do novo, da construção e de transformaçoes.
Poeti Del dolce stil nuovo, assim foram nomeados os criadores do movimento estilístico que propôs nova forma para o soneto, para as cartas e artigos com o uso da introspecção. Uma expressão que caracteriza o estilo e a forma lírica proposta por um grupo de sete poetas italianos: Guido Guinizelli, Guido Cavalcanti, Lapo Gianni, Gianni Alfani, Dino Frescobaldi, Cino de Pistois, Dante Alighieri e Francesco Petrarca. Proposta que se transforma num dos mais importantes movimentos literários da Itália no século XIII alcançando, atemporalmente, outros poetas. O estilo de Petrarca ficou conhecido como Petrarquismo. Estilo designado desse modo no Séc. XV por Pietro Bembo , gramático, escritor, humanista, historiador, cardeal italiano e resgatador das obras e do estilo desses poetas. Bembo, através dos poemas latinizados em A Divina Comédia de Dante Alighieri, do Cancioneiro de Francesco Petrarca e Decameron de Giovanni Boccaccio, encontra material necessário para instituir a gramática e a linguística da lingua italiana. Rodolfo Ilari, embora não faça menção a Bembo, traz um ensaio interessante sobre a formação do italiano literário e as razões de se produzir em latim vulgar e não em latim clássico em toda România. Segundo Ilari, o latim clássico já não atendia às necessidades jurídicas e religiosas desde o século VIII quando foi traduzido o primeiro documento de que se tem conhecimento: “Juramento de estrasburgo”. Era necessário uma tradução para o latim vulgar para que o documento atendesse às duas partes, Segundo Rodolfo Ilari, a poesia provençal cumpriu sua função social em toda România, e, consequentemente, na itália:
O italiano literário desenvolveu-se a partir do florentino entre os séculos XIII e XIV, nesse periodo a Itália estava dividida numa série de pequenos estados autonomos e frequentemente em luta entre si. Em Florença, a experiencia de escrever poesia lírica em latim vulgar coube ao grupo dos Poeti Del dolce stil nuovo (ILARI, 2004, p.123)
Era um momento específico da itália, um momento em que as faccões lutavam para tornar seu domínio no contexto econômico e politico. Cada espaço, assim como a língua, era defendido por suas famílias. Nesta parafrase, confirma-nos Maquiavel:
Antes de Carlos, rei da frança entrar na itália, este país era governado pelo papa, pelos venezianos, o rei de Napoles, o duque de Milão e pelos fiorentinos. Suas preocupações (...) evitar invasões e que impedir que que os outros governos estendessem seus domínios. O papa e os venezianos precisavam ser vigiados com cuidado. Conter Veneza exigia alianças e para tais alianças (...) servir-se dos dos barões romanos que se dividiam em duas facções: os Orsini e os Colonna(...) cuja disputa enfraquecia o papado. MAQUIAVEL(2006, p. 79)
Fim da Idade Média e inicio da vida urbana com a intensificação do comércio promovido pela classe burguesa, que, até então, só poderia participar como expectadores da vida social e política de Roma, eis o contexto. Florença e Veneza como principais centros de comércio. A riqueza passou a ser associada ao capital obtido pelo comércio e não mais pela tradicional aristrocracia formada pelas famílias que detinham a posse literal das cidades. Redescoberta de textos de autores da Antiguidade Clássica. As universidades criam o studia humanitatis: poética, retórica, ética e política grega. As famílias de Petrarca e de Dante, participaram do movimento político, social e religioso que se instaura na Itália depois que a França toma o poder. O conflito entre as principais famílias, o imperador e a igreja culminam com duas eleições de dois papas na história da igreja católica. Um em Roma eleito pelo imperador franco-germânico, e outro, hoje denominados anti-papas, decidido pelas famílias que não aceitaram a interferência do imperador na igreja e no governo das cidades-estados da Itália, “enfraquecendo o papado e fortalecendo as famílias” (MAQUIAVEL, 2006, p. 79). É nesse contexto que “as disputas tornam-se ainda mais ferrenhas, guelfos de Florença contra gibelinos de Arezzo”, (ALIGUERI, e-book, 2010) negros contra brancos, pró imperador contra pró-papa. Dante foi exilado, a família de Petrarca sai de Florença. Petrarca, mesmo contrariando sua ideologia, permanece. Se integra a vida monástica sob a proteção do Papa Clemente V, e depois aceita o mecenato dos Colonna, pois esse era o meio para continuar sua produção, suas leituras e suas viagens. Poetiza sobre a Itália de modo quase unificador. Petrarca, no soneto CLIV 154” (SANCTIS, 1993, p. 179) “nomeia o Rio Ródano como imperador. Forma sútil de dizer que não participaria dos conflitos. Embora estivesse envolvido pelo partido dos guelfos brancos, tinha outro objetivo, conquistar a fama pelos seus escritos. Petrarca seguia o papa Clemente V, mas para escrever África, aceita a hospedagem de rei Ricardo, responsável pelas cidades ao Sul da Itália e adversário de Florença ao norte. Vive democraticamente em função da poesia, embora nela estabeleça seu critério de certo e errado no social. Na busca pela verdade, encontra os textos de Santo Agostinho. Usa Laura como subterfúgio. Se apaixona por Laura, assim como ama sua intelectualidade e a beleza em todos os aspectos. Escreve o dia em que a conheceu:
Distinguia-se por suas virtudes e foi grandemente celebrada pelos meus versos, apareceu-me pela primeira vez aos olhos...no ano de Nosso Senhor Em 1327, no dia seis de Abril, à primeira hora, na igreja de Santa Clara, em Avignon. Nessa mesma cidade, no mesmo mês, no mesmo dia 6. Na mesma primeira hora, no ano de 1348, essa centelha se extinguiu. (DURANT, cap I, p. 5)
Definida como sendo Laura de Novaes, esposa de Hughes de Sade, ancestral do Marquês de Sade (idem), era a mulher virtuosa, casada, que se negou a um relacionamento amoroso com Petrarca. O nome Laura tem semelhança com láurea . Mais tarde, poetas renascentistas que buscaram a forma e o estilo de Petrarca deram o nome a essa coleção de O Cancioneiro. Em seus poemas, encontramos não apenas o nome Laura, mas também Lauro, Louro, sempre fazendo alusões a sua amada. Segundo Sanctis, Petrarca foi precursor de Foscolo, Alfieri, Manzoni, Leopardi, poetas italianos, e também do Romantismo europeu, pois apresentaram a característica do mal de amor:
Atingidos de uma doença moral dos tempos modernos. Esse mal que consiste na desproporção entre o que desejamos e o que podemos. Mata lentamente a alma que mascara a impotência, consumindo-se e definhando-se em imaginações inconsistentes. (SANCTIS, 1993, p. 1-3),
O Cancioneiro de Petrarca sofreu influência das canções apresentadas na corte do Rei Frederico II de Florença. Embora apresente contrastes no amor cortês de amigo, de escárnio e de maldizer, a poesia petrarquiana apresenta semelhanças, com o amor não-correspondido, a vassalagem, a idealização da mulher, o termo Senhora para se referir à amada e “a cumplicidade com a natureza, retomando as bucólicas de Virgilio” (SANCTIS, 1993, p. 174). Petrarca segue muito além do seu tempo, expondo subjetivamente a condição de apaixonado, refletindo sobre sua condição de esquivo das relações sociais “ao descrever seu quartinho, como ambiente propício para se ausentar do mundo, ainda que a solidão o apavorasse.” (Idem, p. 164).
A Lírica de Francesco Petrarca atravessou séculos, percebemos sua influência no Humanismo tardio de Portugal sob a pena de Luiz Vaz de Camões. Na pintura de Pieter Bruegel, O Velho, que retratou Triunfo da Morte . Nas composições de Liszt Ferenc, famoso compositor e pianista do Romantismo, que compôs sonatas versadas nos sonetos de Petrarca, Dante, Fausto e Goethe. Mais recentemente, em 2003, o Barítono Martin Bruns revendo todos os 11 músicos e 16 sonetos musicados, organiza um grande concerto comemorativo pelos 700 anos de nascimento de Francesco Petrarca.
Luis Vaz de Camões, embora tenha apresentado as redondilhas dentre seus trabalhos, traduziu a Lírica de Petrarca para a língua portuguesa e se inspirou na estética e na “Medida Nova” ao compor sonetos de dois quartetos e dois tercetos. A análise dos poemas a seguir sugere a relação estreita entre mestre e discípulo ao ponto de não se conter o anseio de analisar ambos como se de um mesmo momento histórico, de um mesmo autor, tal a proximidade das produções. Logo abaixo, elencaremos o soneto 134 de Petrarca e o soneto V de Camões para uma análise mais apurada:
Soneto 134 de Petrarca
A paz não tenho, e sem ter motivo vou à guerra:
e temo, e espero, e ardo em fogo, e sou de gelo,
e quero subir ao céu e caio em terra,
e nada abraço e o universo ando a contê-lo.

Tal é minha prisão, que não se abre, e não se encerra:
prende-me o coração, mas sem prendê-lo,
não me dá vida ou morte, Amor, e erra
minha alma sob o enorme pesadelo.

Odeio-me a mim mesmo, alguém amando,
grito sem boca ter, sem olhos vejo,
quero morrer, e a morte me apavora.

Nutrindo-me da dor, chorando eu rio:
igualmente não me importam a morte e vida:
eis o estado em que me encontro, Senhora, por vós.
Soneto V de Luis Vaz de Camões
Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Antepor os versos para que a possamos explicar a proximidade da construção poética e depois buscar diferenças explicitas nesta relação, será o propósito de nossa análise. Usamos apenas dois poemas já antevendo que as similaridades ocorrem em quase toda produção de Camões. Os dois poemas são construídos a partir dos duplos sentidos que os termos oferecem, das antíteses que ensejam a indefinição do humano diante do amor que se personifica ao ser expressado em letra maiúscula ou se metaforiza comparado ao calor e ardência do fogo, ao frio, ao gelo, á prisão, á luta, ao limite entre vida e morte. /ardo em fogo e sou de gelo/ não me dá vida ou morte, Amor, /Amor é um fogo que arde sem se ver/ se tão contrário a si é o mesmo Amor?/ O estado emocional descrito por extremos que hora são picos de alegria, hora estados depressivos no limite máximo de angústia e persistência de vida, deseja-se a morte, mas teme-se a morte, deseja-se a alegria, mas o sentimento toma proporções complexas, muito acima do entendimento humano./quero morrer e a morte me apavora/ Odeio-me a mim mesmo, alguém amando,/ Nutrindo-me da dor, chorando eu rio / Os poetas conduzem as palavras numa música perfeita, explicam, aludem e expõe seu mais íntimo estado de embriaguês amorosa que atinge o prazer na dor. Dor da não possessão, da submissão, da inferioridade. É o homem desconstruído do amor divino frente às novas tendências Humanistas, mas buscando, sob o olhar espiritual, aquela antiga sujeição ao sentimento religioso usando e abusando do gerúndio e o infinitivo dos verbos como forma de glorificar o estado de melancolia./e quero subir ao céu e caio em terra/ É querer estar preso por vontade/. Amando,/ Nutrindo/ chorando/ Embora a estética do romantismo fosse teorizada séculos mais tarde, podemos fazer a viagem inversa e perceber nuances do grotesco e do sublime quando os poetas separam a beleza e a deidade da amada diante da sua própria natureza terrena mesclada a sentimentos imundos e físicos. /é ter com quem nos mata, lealdade/ é servir a quem vence, o vencedor/.
Tanto Petrarca quanto Camões buscaram no platonismo o egocentrismo a partir da subjetividade exagerada. Ambos glorificaram sua pátria e nela foram expoentes do Humanismo. Cantaram e poetizaram o amor numa linguagem acessível. Elegeram sua deusa, e muitas vezes com ela se confundiram. Petrarca é o inovador, aquele que primeiramente se expõe, ama até o mais profundo da alma. Petrarca amou Laura, a Itália e exerceu a Fé. Usou de lirismo para declarar seu amor, assim como para promover a critica social. Camões amava sua terra, amava-se mais do que amava sua Dona Caterina de Ataíde ou Natércia, Dona Maria irmã do rei, e Dinamene, sua amada chinesa. Usou do lirismo para declarar-se apaixonado, e declara sua egocentria noutro poema: /Transforma se o amador na coisa amada/ (CAMÕES, 1990, p. 46). Ambos, Petrarca e Camões, embora Camões apresente em outros versos um tom mais erotizado, enquanto Petrarca prossegue na sua devoção sincera e espiritualizada, são divulgadores do amor transcendente, um sendo a ponte para o outro, enquanto a poesia toma o caminho que lhe é de direito. Portanto temos aqui a diferença do momento histórico e a enlevação de que foram acometidos dois principais poetas líricos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR e SILVA, Vitor Manoel, Teoria da Literatura. 3ª Ed. Livraria Almedina, Coimbra, 1979.
_______________________________Camões: Labirintos e fascínios. 2ª ed., Cotovia: Lisboa, 1999.
ALIGUERI, Dante. A Divina Comédia. Tradução Ernani Donato. Ed Cultix. Disponibilizado como e-books, visualização 22/04/2010 http://books.google.com.br/books?id=dWKjmfwLTtwC&printsec=frontcover&dq=a+divina+com%C3%A9dia+dante+alighieri&hl=pt-BR&ei=BK8uTJnKNpCluAfC5NznAg&sa=X&oi=book_result&ct=result#v=onepage&q=a%20divina%20com%C3%A9dia%20dante%20alighieri&f=fals
BRASIL,escola. Apolo e Dafne http://www.brasilescola.com/mitologia/apolo-dafne.htm
CAMÕES, Luis Vaz de. Literatura Comentada/ seleção de textos, notas, estudos biográficos, histórico e crítico por Nádia Battella Gotlib. 2ª Ed. Nova Cultural: São Paulo, 1990.
QUEIROZ, Mirna. http://www.vidaslusofonas.pt/luis_de_camoes.htm. Acessado em 22 de julho de 2010 às 14h28min
CUNHA, Celso. Nova gramática do português contemporâneo Celso Cunha, Luis F. Lindley Cintra. 3. ed. Ed Nova Fronteira:Rio de Janeiro, 2001
DIEGUEZ, Gilda Korff. Sonetos de Petrarca. Rede de Letras. Acesso em 22 de julho de 2010 às 08h27min. http://www.estacio.br/rededeletras/numero8/parlaquetefabene/petrarca_sonetos.as
DURANT, Will. A historia da civilização. A renascença de Petrarca à morte de Ticiano, 1304/1576, e-books visitado em 28/05/2010http://books.google.com.br/books?id=U-74JkrlGdwC&pg=PA258&dq=petrarca+e+o+estilo+novo&hl=pt-BR&ei=GbguTOaqJs6wuAfPnunnAg&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=7&ved=0CE0Q6AEwBg#v=onepage&q=petrarca%20e%20o%20estilo%20novo&f=false
GROSSMAM, Judith. Temas de teor literário. Ed Ática: São Paulo, 1982.
ILARI, Rodolfo. Linguística Românica. 3ª ed. Editora Ática. São Paulo, 2004.
MAQUIAVEL. O Principe.Trad. Pietro Nasseti. Ed Martin Claret: São Paulo, 2006
RODRIGUES, Marina Machado. O MARRARE - Revista da Pós-Graduação em Literatura Portuguesa da UERJ. www.omarrare.uerj.br/numero7/marina.htm
____________________________________ Acessado em 22 de julho de 2010 http://www.omarrare.uerj.br/numero11/pdfs/marina.pdf
RUSSO. Luigi. Compendio storic dellla letteratura italiana. Firenze/Messina: Editrice G. D'Anna,1962. Tradução em anexo.
SANCTIS, Francesco de. Ensaios Críticos. Tradução de António Lázaro de Almeida Prado Ed. Nova Alexandrina: São Paulo, 1993.


ANEXO
Obras de Francesco Petrarca, tradução do livro de Luigi Russo.
AS OBRAS LATINAS: O MEU SEGREDO“ (SECRETUM), composto em Valchiusa em 1342-43. É um diálogo imaginário entre o poeta e Santo Agostinho. Nos três volumes desta obra se desenvolve um drama intimo do escritor e de sua existência atormentada. Uma reflexão cristã sobre o significado da morte, as preocupações e os bens terrenos à luz dos valores espirituais. Petrarca reconhece e confessa defeitos, No primeiro volume Petrarca especifica a doença do seu espírito: à vontade: No segundo volume, Santo Agostinho encontra Petrarca culpado de todos os sete pecados capitais, menos o da inveja, o mais grave é a preguiça, especificada como “a vontade“. No terceiro volume o poeta confessa os dois sentimentos mais luminosos de sua vida: o amor de Laura e o desejo de glória.
AS EPÍSTOLAS São 552 cartas em latim, divididas em: 24 livros de Lettere familiari (1325 a 1361), (Cartas familiares), 17 livros Seniles (1361 a 1374), (Senis), 57 cartas Variae, (Variadas) e 19 cartas Sine nomine (Sem destinatário). As primeiras publicadas pelo autor, as segundas escritas nos anos de sua velhice. As “Variae“ recolhidas pelos amigos e admiradores, e as “Sine Nomine“ ou (Sem destinatários), o poeta atira violentamente contra a corrupção da Corte Papal de Avignon. Algumas “Epístolas“ são endereçadas a Cícero e Virgilio.
AS OBRAS FILOSÓFICAS São três obras de Petrarca têm um caráter filosófico: De vita solitária (2 volumes, 1346-1356), De cunho religioso (2 volumes, 1347-1357), De remediis utriusque fortunae (253 diálogos, 1354-1360), de conteúdo moral e religioso. Na primeira, o escritor exalta a vida solitária na paz serena do campo que permite recolhimento e o estudo, na segunda, a tranqüilidade ideal daqueles que se dedicam a vida monástica, isolando-se do mundo e fechando-se na contemplação religiosa. Na última, aconselha como se deve comportar na boa e na má sorte.
ÁFRICA é um poema iniciado em 1338, em Valchiusa, quase acabado em 1341 em Selvapiana. Petrarca pensava obter a glória que, lhe veio do “Cancioneiro”. Trata-se de um poema épico sobre os heróicos acontecimentos da segunda guerra púnica, exalta Scipione, o africano e a grandeza de Roma. A parte mais bela do poema é historia de amor de Sofonisba e o lamento de Magone que, na hora da morte, descobre a vaidade das coisas terrenas. As palavras de Magone moribundo (VI,885-918) são os únicos versos divulgados durante a vida do poeta.
AS OBRAS HISTÓRICAS: São duas obras em prosa: De viris illustribus e Rerum memorandarum libri De viris, iniciado em 1351-1353, compreende 23 biografias de personagens romanos ou de alguma forma ligados a história de Roma. De 1351-1353 Petrarca ampliou o projeto da obra incluindo homens ilustres de todos os tempos a partir de Adão, e compôs outras 12 biografias principalmente de personagens bíblicos. Sucessivamente Petrarca escreveu Vita di Scipione e Vita di Cesare. Rerum memorandarum (1343-1345), Terminados quatro volumes, compreendem uma serie de anedotas históricas escolhidas para ilustrar as virtudes morais. A história é reduzida da biografia à anedota, gira em torno do homem e suas experiências. Dos restantes das obras latinas, recordamos os três volumes de Epistolae Metricae 66 epistolas de caráter biográfico, escrita entre 1350-1363, Bucolicum Carmem, 12 éclogas alegóricas de vários argumentos e duas obras polêmicas em prosa, De sui ipsius et multorum ignorantia (escrito em 1366 para combater a abstração da filosofia Aristotélica), e Invectiva contra medicum composta entre 1352-1355, em defesa da poesia e das ciências morais contra as ciências e as artes mecânicas. Cícero é o modelo das epístolas, Santo Agostinho do “Meu Segredo”, Virgilio de “África”, sentimos ainda a presença de Sêneca nos tratados filosóficos e de Lívio na narração da segunda guerra Púnica. O Latim de Petrarca, longe do Dantesco, é um latim exemplificado sobre Cícero, o léxico é rico e variado, sobre a latinidade.
AS OBRAS VULGARES: O CANCIONEIRO: Petrarca é centro da obra, na qual demonstra uma profunda unidade poética. A essência do poeta é continuamente indagada na sua sensibilidade, nas paixões e nos sentimentos, na alegria e na frágil tristeza. A morte de Laura divide o Cancioneiro são 366 poemas divididos em duas partes: As rimas em vida e As rimas na morte. O livro termina com a Canção à Virgem e a reflexão sobre a recusa do tempo gasto em vão e a ânsia de anulação religiosa, enquanto a pacificação em Deus já era implícita na insatisfação das primeiras composições. Os temas poéticos são a beleza de Laura e o êxtase amoroso, o tormento do amor não correspondido, a necessidade de solidão, a contemplação na natureza, (...) No Cancioneiro Petrarca revela ainda, no plano poético magnífico, o seu mundo interior e exterior: no seu drama de homem apaixonado e os conflitos espirituais do período histórico em que vive. Entre as poesias não amorosas estão as invenctivas contra a Cúria Papal de Avignon e versos para a morte de personagens famosas como Cino da Pistoia e Sennuccio Del Bene. Recordemos duas canções civis, Espírito Gentil e A Atália: na primeira Roma é colocada como modelo de sociedade civil para os corruptos de sua época, na segunda os senhores da Itália são convidados a conclamar a reunião do povo, buscando as herança das virtudes de Roma contra os soldados mercenários germânico descendentes daqueles bárbaros. (RUSSO,1962),

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